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Aprender Sempre

Não há derrotas que não sejam também oportunidade, para quem saiba reconhecer e aprender.

O Bloco de Esquerda sofreu a primeira derrota eleitoral significativa da sua história*. Algum dia teria de acontecer. Foi uma derrota dura, sofrida na ressaca de uma governação que o Bloco combateu activamente, em benefício de um partido que se prepara agora para implementar essa mesma política em versão extremada.

Durante as próximas semanas vários comentadores explicarão que o Bloco morreu e que o haviam previsto há muito tempo. A realidade, no entanto, é que não há derrotas que não sejam, também, oportunidade, para quem saiba reconhecer e aprender. Francisco Louçã e Mariana Aiveca fizeram-no, sem eufemismos ou desculpas, na noite dos resultados. Partilhámos vitórias e derrotas unidos.

Não devemos perder um segundo a lamentar um enquadramento reconhecidamente adverso. Por duas razões: não é de esperar que melhore (antes pelo contrário) e não há grande coisa que possamos fazer a tal respeito, senão melhorar a nossa capacidade de intervenção. A oportunidade é, portanto, para reflectirmos sobre as razões desta derrota, sobre as insuficiências da nossa organização e sobre o que temos a melhorar. 

Nesta campanha, o Bloco tinha duas grandes tarefas:

1.       Demonstrar que a intervenção externa não era solução (ainda que dolorosa) para os problemas do país e que, pelo contrário, iria (irá) agravar todos os indicadores económicos fundamentais. O corolário desta conclusão era o de que a alternativa da direita ao Governo de José Sócrates não passava de uma pura ficção.

2.       Demonstrar que as alternativas existiam (existem). A proposta da renegociação da dívida fez um caminho considerável em alguns círculos de opinião, mas continua a ser mal compreendida e desvirtuada pelos partidos da troika, com fórmulas que correspondem a uma reestruturação diferida no tempo (ou seja, não evitando a recessão e a escalada do desemprego) e conduzida pelos credores, de acordo com os seus interesses.

O Bloco não conseguiu fazer passar a sua mensagem. Muitos dos que nos apoiaram em 2009, votaram agora nos partidos da Troika, atraídos pela ideia de que a intervenção do FMI era inevitável e que, embora com sacrifícios, conduzirá o país à saída da crise. Uns fizeram-no no PS, por acreditarem numa versão mais "soft" da política do FMI; outros no PSD ou no CDS, por quererem, acima de tudo, afastar o actual Governo.

Um dos sintomas deste nosso falhanço foi a profunda desilusão com a recusa da direcção do Bloco em reunir com a Troika. Esta discordância foi vastíssima: incidiu nos sectores mais radicais (que queriam que o Bloco manifestasse em reunião a sua rejeição da intervenção) e nos sectores mais moderados (que acreditavam na possibilidade de melhorar os termos do acordo). Independentemente das boas razões que orientaram a decisão, aliás consensual na direcção do Bloco, de não participar, a verdade é que uma parte muito significativa do nosso eleitorado não a compreendeu e não a aceitou, entendendo-a como uma desistência ou uma desresponsabilização.

Há uma dimensão de ilusão que se está a consolidar na política portuguesa: a de que sendo "inevitáveis" as dificuldades, elas nos abrem o caminho da luz. Contra ela é urgente construir todas as convergências com quem compreenda o beco-sem-saída do resgate. Hoje mais do que nunca, o Bloco precisa de estabelecer pontes. Bem longe do discurso do "somos poucos, mas bons", o Bloco terá de ser parte activa numa frente política e social pela renegociação da dívida no mais curto espaço de tempo, em nome do crescimento e da criação de emprego. Nas palavras de um economista liberal, o que é hoje politicamente impensável pode, com acção, tornar-se politicamente inevitável. 

Estes não são tempos de ressentimento ou desalento. Não vale a pena queixarmo-nos do povo. Por muito que o resultado destas eleições possa aparecer aos olhos de todos os activistas do Bloco de Esquerda como profundamente injusto e impregnado de equívocos, precisamos do melhor da responsabilidade, do combate e da inteligência de uma esquerda sem medo de ver, de ouvir e de pensar.

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado e economista.
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