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A França, fábrica do terrorismo
Os atentados a que acabámos de assistir em França são - como os perpetrados no passado mês de Janeiro contra o Charlie Hebdo - monstruosos. Podemos repeti-lo até à exaustão e até à exaustão podemos classificar os seus autores de bárbaros, monstros, fanáticos, humanos sem humanidade. Sentimo-nos aliviados ao fazê-lo e é natural, o sangue que correu, correu mesmo junto de nós, na nossa cidade, nos seus passeios, nas esplanadas dos seus bares noturnos, numa das suas conhecidas salas de espetáculos; ceifou a vida de gente conhecida ou anónima e poderia ter ceifado a nossa.
Creio, todavia, que não basta dizer deste atentado - como o do mês de janeiro – que é uma monstruosidade e que os seus autores são monstros, como se se tratasse de atos avulsos, suspensos num real em que não cabem e tendo o fanatismo religioso como trama causal. A análise tem de ir mais longe, implica sair de uma zona de conforto intelectual em que o mundo se divide entre os bons e os maus, os que detêm os valores da civilização e os bárbaros, sendo que o papel que nos cabe é “naturalmente” o do bom da fita.
Na realidade, a França gera o terrorismo que diz combater e que por seu turno se volta contra ela.
Este facto prende-se com a sua política externa : as suas relações com a Arábia Saudita, “berço e banqueiro do integrismo sunita no mundo”1, ou com a Turquia que com ele pactua para esmagar o povo curdo; a sua ingerência ontem na Líbia e a sua posição hoje no conflito sírio que a levaram a apoiar oposições mal definidas e ligadas ao jihadismo.
Não se pode ao mesmo tempo vender armas aos países que apoiam o Estado Islâmico (Arábia Saudita, Qatar), ser coniventes com os que compram o “seu” petróleo (Turquia) ou armar diretamente os seus “soldados” (oposição Síria) e pretender manter a impunidade. Sobre este ponto de vista, a França tem o comportamento do bombeiro pirómano que vem apagar o fogo que ele próprio ateou.
Mas não é só na frente externa que a França é uma fábrica de terrorismo: é-o também devido à sua política interna, ou seja a política de ostracismo, discriminação e xenofobia a que vota a população magrebina ou de origem magrebina, que vive no seu solo. Sabemos que parte dos terroristas são recrutados nos subúrbios sórdidos de Paris e outras cidades francesas, naqueles em que a população imigrante2 é relegada e mantida em guetos sem outro horizonte para além das fronteiras do enclave territorial em que se encontra acantonada.
Esses subúrbios sórdidos denominados até há pouco “Zonas Urbanas Sensíveis”, são autênticos viveiros de desemprego e miséria, o mesmo que é dizer de exclusão. A taxa de desemprego é de duas vezes e meia a média nacional, avizinhando os 50% para os jovens, e a parte da população que vive abaixo do limiar da pobreza (38%) representa três vezes aquela média. Se tomássemos em conta o desemprego real e, para além das desigualdades entre estas zonas e a média nacional, considerássemos as que subsistem no seu seio, o fosso seria ainda mais gritante.
Miséria e racismo omnipresente na cité são uma mistura explosiva para a população jovem sobre-representada nestas zonas. Confinados nas fronteiras de um no man’s land territorial e ao mesmo tempo acusados de comunitarismo, numa sociedade ostentando despuradoramente o consumo e a primazia dos valores individuais, suspeitos pelas suas origens e discriminados como franceses, estes jovens sem reconhecimento nem esperança, são as presas fáceis dos recrutadores do Estado islâmico.
A França surge deste modo, na encruzilhada do terrorismo, responsável pelo contributo que direta ou indiretamente dá ao Estado islâmico ao provê-lo em armas, logística ou financiamento; e, como se isso não bastasse, abandona-lhe também os seus filhos mal-amados que o regime republicano ostraciza e a escola pública – poderosa agravadora das desigualdades – foi incapaz de integrar no seu seio.
Não se trata de desculpar o terrorismo nem os seus autores, que devem ser devidamente julgados e punidos no âmbito do Estado de direito. Trata-se, sim, de tentar compreender a situação atual à luz da intersecção da geopolítica e das ciências sociais. Fazê-lo é respeitar as vítimas que hoje caíram (e não só as francesas), e evitar as que inexoravelmente cairão amanhã se não se arrepiar caminho.
É que, se a França está em guerra, é contra ela própria: contra o resultado de décadas de uma política desastrosa da imigração e de ingerências belicosas obedecendo a mesquinhos interesses estratégicos. É uma guerra contra a injustiça que gerou no interior e contra a dominação que quer impor no exterior. Eis porque nem o estado de urgência cerceador de liberdades, nem o controlo das fronteiras e o repúdio dos refugiados, nem as bombas retaliadoras, permitirão ganhá-la.
1 Serge Halimi, in Dégringolade de la France, editorial do Monde Diplomatique de novembro de 2015
2 Ou de origem imigrante
Comentários
Texto excepcional, de
Texto excepcional, de esclarecimento das mentes enganadas pela manipulação mediática. Só tenho que felicitar a autora e congratular-me por haver quem pense como eu, pois que o que eu vejo por aí é a extrema ignorância do que se passa neste campo. Até já tirei do meu facebook "amigos" que se mascararam com as cores da bandeira francesa - VOU DISTRIBUIR ESTE TEXTO, para que sintam a realidade dos factos que estão na origem destes actos violentos... MAS NÃO TÃO VIOLENTOS COMO OS QUE OS PAÍSES COMO A FRANÇA, INGLATERRA E ETC. - SOB A BATUTA DOS STATES - PROVOCAM DIARIAMENTE ENTRE A POPULAÇÃO INOCENTE (MULHERES E CRIANÇAS INCLUÍDAS) ASSASSINADAS, AGORA, COM OS DRONES NÃO TRIPULADOS, vindos do Ocidente imperialista!
Muitos parabéns, Cristina Semblano - o seu texto não deixa também de ser um acto de coragem no ocidente em que vivemos!
MCTorres
Como sempre nenhuma
Como sempre nenhuma responsabilidade para a comunidade muçulmana, para as suas crenças e cultura, que querem o bem estar dois franceses vivendo segundo os seus preconceitos e dogmas no seios da nação francesa.
Essa Agenda dos Coitadinhos porá Le Pen no poder!
Não é apenas a França,EUA
Não é apenas a França,EUA,EUROPA toda e todos os países republicanos estão passando pelo mesmo processo, e acontecem todos ao mesmo tempo o que me leva a pensar que isso tudo é um cartel burguês internacional,com o medo e a insegurança do povo a direita e extrema direita então tomando o poder em quase todos os países que já não tinham,mas cada país tem um motivo,em países como Brasil,argentina,Uruguai,Venezuela,Portugal,etc, a direita ganha poder causando medo e insegurança através de crises financeiras causadas intencionalmente como aqui no Brasil,crises do capitalismo e sempre a mídiabota na cabeça do povo que é culpa das políticas sociais,da saúde,educação,etc, e em países que não ha crises eles fazem isso através do método de causar medo e insegurança através da intensa exibição midiática do terrorismo que como as crises financeiras TB são causadas por eles,eles estão fortalecendo a direita por causa das grandes dívidas que esses países tem com os BANQUEIROS,que pra garantirem seus gigantescos lucros atacam diretamente as políticas sociais e fazem das sociedades cada vez mais capitalistas e pobres.É UM GRANDE GOLPE DO CAPITALISMO.
"Mas não é só na frente
"Mas não é só na frente externa que a França é uma fábrica de terrorismo: é-o também devido à sua política interna, ou seja a política de ostracismo, discriminação e xenofobia a que vota a população magrebina ou de origem magrebina,"
Esta ideia faz-me lembrar aqueles que dizem que a culpa da mulher violada é da própria mulher porque estava vestida provocadoramente. Ou seja a culpa é da vitima. Ideia que a esquerda costuma denunciar até a exaustão mas que depois também aplica. Convém lembrar que o primeiro alvo em França foi um jornal com ideias bem mais alinhadas com a deste site. Ou será que ai não se aplica a mesma regra?
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