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A Renda Apoiada e o gueto cada vez mais gueto

O Governo lembrou-se agora que teria de atualizar todas as rendas do património habitacional do IHRU para este regime, o que está a provocar aumentos que podem ir aos 1000%.

A Renda Apoiada surgiu em 1993 (dec lei 160/93), mas demorou bastante tempo a ser aplicada. Trata-se das regras contratuais e da fórmula de cálculo das rendas, que vieram substituir outros regimes de rendas sociais aplicadas, na chamada habitação social que é gerida sobretudo pelas autarquias e pelo Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). Uma vez que esta habitação – diminuta, menos de 4% do mercado de habitação global, muito abaixo da média europeia – tem sido atribuída a famílias com dificuldades económicas e sem acesso ao mercado livre de arrendamento, a sua fórmula de cálculo deve ser calculada em função do rendimento familiar. Porém, a renda apoiada tem problemas graves já há muitos anos identificados, sem que isso ditasse a sua alteração. Os principais problemas desta lei são, por um lado, calcular valores brutos de rendimento e sem qualquer tipo de desconto (por exemplo, despesas com problemas de saúde, ou educação etc.); e por outro, não há uma ponderação do rendimento per capita, ou seja, dois agregados, com número diferente de elementos no agregado, mas com o mesmo rendimento total têm o mesmo valor de renda, o que prejudica muito os agregados maiores. O Provedor de Justiça fez um parecer em 2007, posicionando-se sobre a injustiça desta lei e pedindo a alteração da mesma. Tal facto, porém, não produziu nenhum efeito. Nem a lei foi alterada, nem as autarquias ou o Estado deixaram de aplicar esta fórmula de cálculo. Aliás, são cada vez mais as autarquias, e agora também o IHRU, que recorrem à alteração de contrato e a atualizações para aplicação desta lei, apesar de terem outros regimes próprios que poderiam manter, ou não fazer simplesmente atualizações. O resultado é um grande aumento de despejos, também nos bairros sociais, e um clima de ansiedade e preocupação de muitas famílias que já não têm rendimentos para pagar a chamada (e é mesmo só de nome...) renda apoiada.

Assim se vai aumentando o despejo e banalizando este procedimento: é o novo regime de arrendamento urbano que está aí em força pronto a despejar, são as famílias com problemas de crédito a perder as suas casas para os bancos, são as famílias na habitação social que também não conseguem pagar as suas rendas, apoiadas, e também são despejadas.

Apesar dos problemas da lei e das queixas consecutivas de associações e dos moradores, o Governo lembrou-se agora que teria de atualizar todas as rendas do património habitacional do IHRU para este regime, o que está a provocar aumentos que podem ir aos 1000%. Curiosamente, o IHRU, foi durante muitos anos um senhorio ausente, sem qualquer relação com os seus bairros, sem manutenção, e agora dá notícias entregando uma carta ilegível aos inquilinos cujo significado é a apresentação minuciosa de rendimentos para aumento, provavelmente brutal, da renda.

Inúmeras vezes foi pedida a alteração desta lei e especificamente da sua fórmula de cálculo em Assembleias Municipais e na Assembleia da República. Os partidos do centrão, e a mochila CDS, variam a sua opinião consoante estão no poder ou na oposição. A lei continua a fazer caminho. Agora a Ministra Cristas anuncia que, sim senhora, vai mudar a lei... Mas atenção, os sinais que tem mandado são preocupantes. Podemos vir a ter um agravamento da situação. O discurso é mais ou menos isto: a habitação social tem que ser para quem precisa mesmo... ou seja para os mais pobres dos pobres e todos os outros, que eventualmente, já subiram um bocadinho, ao longo da sua vida, para uma maior estabilidade financeira, deverão sair. Então, o que vai propor é: por um lado, retirar as pessoas que podem ter vivido 10, 20 ou 30 anos num bairro, que subiram um bocadinho na sua capacidade económica. Perdem o direito ao lugar, à comunidade onde provavelmente já estão enraizadas, e são empurradas para o mercado livre, especulativo, que tem em curso um processo de despejo e de aumentos de rendas nunca visto, e que precisa dessa procura. Por outro lado, diz também que quer acabar com o último resquício de mistura social existente nos bairros, muitas vezes mal construídos e isolados que facilmente se transformam em guetos, devido à concentração de todos os problemas da exclusão social. Essa mistura social era e é importante para uma vida urbana mais diversa nos bairros.

A senhora ministra precisa de mais casas para os que, crescentemente, precisam de apoio no acesso à habitação. Mas não é expulsando algumas famílias mais remediadas da habitação social que vai conseguir resolver o problema. Este é muito maior do que isso. O que vai provocar é, de novo (e o CDS é perito nisto) voltar as pessoas umas contra as outras, entre os que podem viver na habitação social e os que não podem, vai aprofundar a guetização e a concentração perpétua da exclusão social, vai expulsar pessoas enraizadas nas suas comunidades. Nem a Renda Apoiada que neste momento dita aumentos para milhares de famílias é justa, como a nova lei não o será ( se assim fosse porquê estar agora a aumentar?)

Pena que mais uma vez não veja os milhares de casas vazias que são pertença dos fundos de investimento imobiliário e que poderiam facilmente resolver muitos dos problemas.

Sobre o/a autor(a)

Investigadora e ativista na Associação Habita
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