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Vida Independente: Tetraplégico em protesto contra modelo do governo

Eduardo Jorge pretendia ficar deitado durante quatro dias em frente ao parlamento “totalmente dependente dos cuidados” de Marcelo, Costa e Vieira da Silva. Mas acabou por cancelar a iniciativa, dando "o benefício da dúvida" ao governo para corrigir a proposta.
Eduardo Jorge em 2014, quando partiu da sua aldeia em cadeira de rodas rumo ao parlamento para cobrar a promessa do governo PSD/CDS. Foto Cristina Fernandes.

Atualização: Ao início da noite de sábado, Eduardo Jorge anunciou à agência Lusa que cancelou o protesto e irá dar “o benefício da dúvida” aos governantes. “Mas quero deixar bem claro que assumirei o compromisso [de que] caso a lei não venha a ser criada conforme as nossas necessidades e exigências, voltarei à luta”, acrescentou Eduardo Jorge. A secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência anunciou no sábado ter chegado a acordo com o Bloco para aumentar o número de beneficiários isentos do limite de 40 horas semanais de assistência pessoal dos 10% inicialmente previstos para 30%.


“Vou estar em frente ao parlamento a reclamar por um modelo de Vida independente que respeite a minha dignidade e a de todas as pessoas que precisam de ajuda de terceiros durante o dia inteiro para realizar as tarefas diárias mais simples, como virar-se e levantar-se da cama, lavar-se, vestir-se, e comer, e porque o modelo piloto proposto pelo Governo só contempla um apoio até oito horas por dia", afirmou Eduardo Jorge à agência Lusa.

Esta não é a primeira vez que o assistente social do concelho de Abrantes vem a Lisboa para reclamar dignidade e autonomia para escolher a assistência de que precisa. Há três anos, fez 180 quilómetros em cadeira de rodas para reclamar a promessa feita pelo governo PSD/CDS de dar início ao processo legislativo sobre a Vida Independente.

"Espero que o Presidente da República e os dois ministros cuidem de mim porque se assim não for eu não me vou conseguir virar, alimentar, nem vestir. Entro em greve de fome e só vou beber líquidos. Se os ministros não vierem, não permitirei que mais ninguém cuide de mim", afirmou.

No modelo agora proposto pelo governo, Eduardo Jorge contesta o limite máximo de 40 horas semanais de assistência pessoal. "Isto pouco tem de vida independente porque nós necessitamos de apoio durante todo o dia e durante os sete dias da semana, e não só oito horas diárias e só nos dias úteis", afirma o ativista que ficou tetraplégico em 1991 após um acidente de viação.

O modelo de vida independente que Eduardo Jorge reclama vai para além do que o governo propóe: “É passarmos a ser os donos das nossas vidas, termos um assistente pessoal ao nosso lado, sem imposições economicistas, que substitua os nossos braços, mãos, olhos, ouvidos e pernas de maneira a sermos livres e independentes como os demais, e não estarmos sujeitos ao número de horas de apoio impostas por mais um serviço de apoio domiciliário disponibilizado por uma IPSS".

"Por isso, decidi entregar-me, durante quatro dias, aos cuidados das três personalidades referidas. Poderão assim ter a oportunidade de conhecer as reais necessidades de uma pessoa com deficiência, dependente de terceiros. Podem verificar através do meu exemplo que não são poucas as necessidades que terão de assegurar, como a minha higiene, alimentação, posicionamento na cama, transferência da cama para a cadeira, etc. Caso não aceitem o meu pedido, ficarei abandonado, pois não permitirei que outros realizem tais tarefas", concluiu.

Bloco contesta “duas condições inaceitáveis” do modelo do governo

Esta semana, o Bloco de Esquerda reagiu ao relatório da consulta pública relativa ao Modelo de Apoio à Vida Independente, vendo “com satisfação” que algumas das suas propostas foram acolhidas, como a redução da idade de acesso para os 16 anos, o abandono da exigência de uma taxa de incapacidade superior a 60% a pessoas com deficiência intelectual, o aumento da autonomia dos Centros de Apoio à Vida Independente e a valorização da presença de pessoas com deficiência na gestão destes centros.

“No entanto, o Governo decidiu manter duas condições inaceitáveis em projetos-piloto de Assistência Pessoal que têm de refletir a filosofia de Vida Independente”, diz o deputado bloquista Jorge Falcato. Por um lado, a limitação da assistência a 40 horas semanais “nega a muitas pessoas com deficiência a oportunidade de viver essa tão desejada autonomia nas decisões que dizem respeito à sua própria vida e é continuar a delegar nas famílias as responsabilidades do Estado”. Por outro lado, a obrigatoriedade das ONG terem o estatuto de IPSS para se poderem candidatar aos projetos piloto vem afastar “a participação autónoma das pessoas com deficiência” e das suas organizações, privilegiando organizações que “na sua maioria, nem uma pessoa com deficiência têm nos órgãos dirigentes”.

O objetivo da Vida Independente, de que a Assistência Pessoal é uma parte, é dar às pessoas com deficiência o poder de decidir a sua vida, fornecendo os meios necessários e a capacidade de decisão sobre o seu projeto de vida, nas mesmas condições ou mais aproximadas do que teria caso não tivesse uma deficiência. Para o Bloco de Esquerda, a assistência pessoal, a par do acesso a produtos de apoio que compensam algumas incapacidades, “é o complemento indispensável a uma progressiva eliminação de barreiras físicas, comunicacionais e atitudinais que impedem a autonomia das pessoas com deficiência”.

 

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