Está aqui

Uso de pesticidas por agricultores ligado a altas taxas de depressão e suicídios

Um estudo recente vinculou o uso prolongado de pesticidas a taxas mais altas de depressão e suicídio. As evidências também sugerem que o envenenamento por pesticidas – uma dose pesada em um espaço curto de tempo – duplica os riscos de depressão.
Ginnie Peters tenta lidar com a tragédia envolvendo-se numa nova missão: trazer o suicídio para o debate e chamar atenção para o papel que os produtos químicos podem ter assumido na morte do seu marido.

Na sua quinta no estado de Iowa, nos Estados Unidos, Matt Peters trabalhava do nascer ao pôr do sol plantando 1500 hectares com sementes tratadas com pesticidas. "Sempre me preocupei com ele nas primaveras", diz a esposa Ginnie, " sentia-me aliviada quando ele terminava o trabalho". Em 2011, o marido "calmo, racional e carinhoso" tornou-se subitamente deprimido e agitado. "Ele disse: “Sinto-me paralisado”, conta. "Ele não conseguia dormir ou pensar. Do nada, ficou deprimido".

Matt, aos 55, tirou a sua própria vida. Ninguém sabe o que engatilhou a sua mudança repentina de humor e comportamento. Mas, desde a morte do marido, Ginnie lançou-se numa missão para não apenas consciencializar as pessoas sobre o suicídio em famílias de agricultores, como também para chamar atenção para as crescentes evidências de que os pesticidas podem alterar a saúde mental dos agricultores.

Um estudo recente vinculou o uso prolongado de pesticidas a taxas mais altas de depressão e suicídio. As evidências também sugerem que o envenenamento por pesticidas – uma dose pesada em um espaço curto de tempo – duplica os riscos de depressão.

A depressão é a doença mental mais comum nos Estados Unidos. Cerca de 7% dos adultos americanos experimentam anualmente um período de duas semanas ou mais de depressão, de acordo com o Instituto Nacional de Saúde Mental do país. Não há dados nacionais sobre se trabalhadores do campo são mais propícios à depressão.

As causas são complexas. De acordo com um relatório da Escola Médica de Harvard, existem "milhões, até biliões de reações químicas que compõem o sistema dinâmico responsável pelo seu humor, a sua perceção e pela maneira vive a vida". Vários estudos sugerem que os produtos químicos que alguns agricultores espalham nos campos podem alterar algumas dessas substâncias químicas presentes no cérebro.

Peters e a sua esposa estão entre os 89 mil agricultores e outros profissionais que utilizam pesticidas no Iowa e na Carolina do Norte que participaram no Estudo sobre Saúde Agricultural liderado pelo Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental.

Em setembro, a epidemiologista Freya Kamel e os seus colegas relataram que, em 19 mil casos estudados, os pacientes submetidos a dois tipos de pesticidas e a dois pesticidas em particular apresentaram maior probabilidade de serem diagnosticados com depressão. Aqueles que utilizaram inseticidas organoclorados tinham 90% mais probabilidade de serem diagnosticados com depressão do que os que não o utilizaram. No caso dos fumigantes, o risco era 80% maior.

"O nosso estudo apresenta uma associação positiva entre depressão e uso de pesticidas entre quem os utiliza e sugere que vários pesticidas específicos precisam de ser mais bem investigados em estudos com animais e outras populações humanas", observam os autores na revista académica Environmental Health Perspectives. Os utilizadores foram indagados sobre depressão no início do estudo, em 2005, e depois novamente em 2010. A maioria dos estudos só inclui uma vez a pergunta sobre depressão.

Kamel e os seus colegas chegaram a resultados semelhantes quando analisaram o mesmo grupo entre 1993 e 1997. Os agricultores com o maior número de dias de exposição aos pesticidas tinham 50% mais probabilidade de eventualmente receber um diagnóstico de depressão.

Os estudos não provam que os pesticidas causam depressão, mas os testes em animais indicam essa possibilidade, comenta Cheryl Beseler, investigadora de saúde ambiental da Universidade do Estado do Colorado. Em testes com ratos de laboratório os pesticidas alteraram neurónios, neurotransmissores e a produção de um ácido protetor das células nervosas.

Em França, de acordo com um estudo publicado no ano passado, agricultores que usaram herbicidas tiveram quase duas vezes mais probabilidade de desenvolver depressão do que aqueles que não os utilizaram. A pesquisa realizada com 567 agricultores concluiu que o risco era ainda maior quando os usuários de herbicidas o faziam há mais de 19 anos.

Agricultores do Colorado que sofreram com o envenenamento por pesticidas apresentaram duas vezes mais riscos de desenvolver depressão nos três anos seguintes. Além disso, os utilizadores de pesticidas do grupo da Carolina do Norte e do Iowa que sofreram envenenamento apresentavam uma probabilidade 2,5 vezes maior de eventualmente receber um diagnóstico de depressão.

A maioria dos inseticidas destrói as células nervosas dos insetos. Em doses altas o suficiente, elas podem alterar células humanas também. "Eu não acredito que haja dúvidas de que os pesticidas possam afetar as funções cerebrais de humanos", diz Kamel, referindo-se às experiências que descobriram que os pesticidas danificam o tecido cerebral de ratos de laboratório. “Também pode haver efeitos indiretos. Os pesticidas podem causar outros problemas de saúde, que também estão relacionados à depressão”, explica a investigadora. A Dra. Beate Ritz, por exemplo, neurologista e professora da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, descobriu que os californianos expostos aos pesticidas têm mais probabilidades de desenvolver o mal de Parkinson. Um dos efeitos da doença neurológica, caracterizada pela falta do neurotransmissor dopamina, é a depressão.

Melani Forti, diretora de saúde e segurança da Associação para Programas de Oportunidades para Trabalhadores Rurais, disse que um dos maiores desafios é a falta de evidências científicas no que diz respeito ao impacto dos pesticidas sobre a saúde. "Muitas das evidências são anedóticas, por isso precisamos de mais incentivo do governo para pesquisas", disse. A depressão "é outro problema de saúde causado pelos pesticidas e os trabalhadores rurais precisam de saber disso".

À volta do mundo, vários estudos relacionaram o suicídio ao uso de pesticidas. No Brasil, os trabalhadores que utilizam pesticidas demonstraram maior probabilidade de desenvolver depressão e, na China, uma pesquisa da OMS (Organização Mundial de Saúde) concluiu que 9.800 pessoas na área rural da província de Zhejiang que estocavam pesticidas nas suas residências apresentavam duas vezes mais riscos de desenvolver pensamentos suicidas.

Wendy Ringgenberg, professora-assistente da Universidade do Iowa, analisou dados recolhidos ao longo de 19 anos nos EUA e concluiu que trabalhadores rurais apresentavam índices 3,6 vezes mais altos de morte por suicídio do que qualquer outra profissão. Ela observou que "agricultores sentem o stress da ocupação por muitas razões, incluindo a gestão da sua própria empresa, a autossuficiência, doenças, pragas nas plantações, longos dias de trabalho, poucos dias de folga, os cuidados com membros da família, o relacionamento com familiares e vizinhos, o trabalho num mundo em constante transformação, a política nacional e internacional e, é claro, o clima". Trabalhadores rurais migrantes e sazonais lidam com stress constante relacionado às condições de trabalho, barreiras culturais e a distância de casa e da família, acrescenta Forti.

Os sete pesticidas especificamente ligados à depressão, de acordo com o estudo de Kamel, foram os fumigantes fosfeto de alumínio e brometo de etileno; o herbicida fenoxiacético ácido 2,4,5-triclorofenoxiacético (2,4,5-T); o inseticida organoclorado dieldrina; os inseticidas organofosforados diazinon, malation e paration.

Três dos maiores fabricantes de pesticidas – Monsanto, Syngenta e Bayer CropScience – disseram que não produzem os sete pesticidas ligados à depressão pela pesquisa de Kamel, mas nenhum deles comentou a questão mais abrangente da relação entre saúde mental e uso de pesticidas.

Os neonocotinoides, uma nova classe de pesticidas que Matt Peters manipulava quando se matou, não foram incluídos na pesquisa de Kamel. No entanto, suspeita-se que eles estejam a causar a morte de populações de abelhas, já que danificam os cérebros e o sistema nervoso dos insetos. O impacto destes produtos químicos sobre seres humanos ainda é desconhecido, já que nenhum estudo foi conduzido.

Peters também foi exposto a outros pesticidas, incluindo os organofosforados, diz a sua esposa. "Matt conduzia quase sempre a aplicação de pesticidas", observa. O avô de Peters, igualmente agricultor, também sofreu de depressão.

Embora não haja evidências de que os pesticidas com os quais Peters lidava tenham sido responsáveis pelo seu suicídio, Stallones diz que é possível que ele tenha sido envenenado, já que os sintomas podem aparecer abruptamente após uma grande dose.

Professor adjunto de saúde ambiental e ocupacional da Universidade do Iowa, Mike Rossman afirma que muitos agricultores se preocupam com os possíveis perigos dos pesticidas para a saúde. Mas a realidade económica impede-os de abandoná-los. "Mesmo que escutem o que tenho a dizer, eles precisam de fazer uma escolha: ‘preciso mesmo usar os produtos químicos, pelo bem do meu cultivo, ou será que os fatores negativos – aquilo que eles podem estar fazendo aos insetos, alimentos e, possivelmente, pessoas – os tornam inviáveis?’"

Ginnie Peters tenta lidar com a tragédia envolvendo-se numa nova missão: trazer o suicídio para o debate e chamar atenção para o papel que os produtos químicos podem ter assumido na questão.

 "Eu não tenho capacidade de fazer uma pesquisa científica", observa ela, "mas sei que o que aconteceu com Matt foi causado pelos produtos químicos".

Artigo originalmente publicado no Environmental Health News, site norte-americano que se dedica a notícias sobre saúde e meio ambiente.

Tradução: Henrique Mendes para Revista Samuel.

Artigos relacionados: 

Termos relacionados Ambiente
(...)