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Uma nova verdade raia sobre o mundo árabe

Por todo o Médio Oriente, estamos à espera de assistir à queda dos amigos dos EUA. No Egipto, Mubarak deve estar a decidir para onde vai fugir. No Líbano, os amigos dos EUA estão em colapso.
Manifestação no Egipto dia 26 de Janeiro de 2011. Foto da Al Jazira

Os “documentos da Palestina” são tão demolidores quanto a Declaração de Balfour. A ‘Autoridade’ Palestiniana – e as aspas são indispensáveis – estava e está pronta a ceder o “direito de retorno” de talvez sete milhões de refugiados ao que hoje é Israel, em troca de um “estado” ao qual corresponderá apenas 10% (se tanto) do território do Mandato britânico na Palestina.

E, à medida que são revelados esses documentos terríveis, o povo egípcio começa a exigir o fim do regime do presidente Mubarak, e os libaneses indicam um primeiro-ministro que servirá ao Hezbollah. Poucas vezes o mundo árabe viu coisa semelhante.

Para começar pelos Documentos da Palestina, é evidente que os representantes do povo palestiniano estavam prontos para destruir qualquer esperança que os refugiados tivessem de algum dia voltar para casa.

Será – e é – ultraje para os palestinos saber que os seus representantes lhes deram as costas. Não há modo pelo qual, à luz dos Documentos da Palestina, os palestinos ainda crerem que algum dia recuperarão direitos seus.

Já viram, em vídeo e por escrito, que jamais vão voltar. Mas em todo o mundo árabe – o que não significa mundo muçulmano – há hoje uma compreensão da verdade que jamais por ali se viu antes.

Já não é possível, para o povo do mundo árabe, mentir uns aos outros. Acabou-se o tempo das mentiras. As palavras daqueles líderes – que desgraçadamente são também as nossas palavras – esgotaram-se. E nós levamo-las até esse fracasso. Nós mentimos-lhes todas essas mentiras. E nunca mais conseguiremos recriá-las.

No Egipto, nós britânicos amamos a democracia. Incentivamos a democracia no Egipto – até que os egípcios decidiram que queriam pôr fim à monarquia. Então metemo-los na prisão. Queríamos mais democracia. Sempre a mesma velha história. Assim como quisemos que os palestinianos gozassem de democracia, desde que votassem ‘certo’, nos candidatos ‘certos’, quisemos que os egípcios apreciassem a nossa vida democrática. Agora, no Líbano, parece que a nossa democracia será substituída pela democracia libanesa. E não gostamos dela.

Queremos que os libaneses, é claro, apoiem o pessoal que nós apoiamos, os muçulmanos sunitas que apoiavam Rafiq Hariri, cujo assassinato – cremos, com razão – foi orquestrado pelos sírios. E agora enfrentamos, nas ruas de Beirute, queima de carros e violência contra o governo.

Mas... Em que direcção estamos a andar? Será, talvez, na direcção de deixar que o mundo árabe escolha os seus próprios líderes? Veremos talvez um novo mundo árabe não controlado pelo ocidente? Quando a Tunísia fez saber ao mundo que estava livre, Mrs. Hillary Clinton não abriu a boca. Foi o presidente do Irão, o doido, o primeiro a dizer que muito o alegrava ver a Tunísia liberta. Por quê?

No Egipto, o futuro de Hosni Mubarak parece ainda mais perturbador. Bem pode acontecer de o seu filho ser escolhido para sucedê-lo. Mas só há um califado no mundo muçulmano, e é a Síria. Os egípcios não querem o filho de Hosni. Não passa de um empresário peso leve, que nada garante que consiga (sequer que tente), resgatar o Egipto de sua própria corrupção.

O chefe da segurança de Hosni Mubarak, um certo Suleiman – hoje, muito doente – dificilmente poderá substituí-lo.

Por toda parte, em todo o Médio Oriente, estamos à espera de assistir à queda dos amigos dos EUA. No Egipto, Mubarak deve estar a decidir para onde vai fugir. No Líbano, os amigos dos EUA estão em colapso. É o fim do mundo dos Democratas no Médio Oriente árabe. Ninguém sabe o que acontecerá depois. Só a história, talvez, conheça as respostas.

26/1/2011

Robert Fisk, The Independent

Traduzido pelo colectivo da Vila Vudu

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