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"Sauditas controlam as embaixadas do Iémen; o Irão não está no Iémen"

Entrevista a Sadek Al Saar, o diplomata que deixou o posto na Embaixada do Iémen em Paris por causa do controlo saudita que o impedia de denunciar o que está a acontecer no Iémen. Por José Manuel Rosendo, publicado no blogue meu Mundo minha Aldeia.
Imagem Youtube - entrevista de Sadek al Saar na France 24

Sadek Al Saar é um diplomata. Estava na Embaixada do Iémen em Paris mas decidiu deixar o posto porque diz que as embaixadas iemenitas estão controladas pela Arábia Saudita e não lhe era permitido denunciar o que está a acontecer no Iémen. Garante que o Irão não está presente no Iémen e que tudo é fruto da vontade saudita de controlar o Iémen. Porquê? Porque o Iémen é uma República e estava a caminho de ser uma democracia onde as mulheres têm direitos. Acrescenta que tudo o que os media dizem sobre o Iémen são fake news pagas com dinheiro saudita. Parte desta entrevista passou no Programa Visão Global da Antena 1 dia 19 de Novembro de 2017. Aqui fica a entrevista completa.


Senhor Sadek Al Saar, porque é que deixou o seu trabalho na embaixada do Iémen em Paris?

É uma boa questão mas deixe-me regressar à questão de saber se a situação no Iémen é fruto da Primavera Árabe. (Esta questão tinha sido colocada ao General Yahya Saleh, entrevistado em simultâneo)

Em minha opinião o Iémen está a pagar o que fez nesse aspecto. O que nós no Iémen chamamos de Revolução Jovem teve sucesso porque (o Presidente Ali Abdullah) Saleh resignou, houve diálogo entre todos os partidos políticos, com os jovens e as mulheres, e estávamos quase a chegar a uma solução. Concordámos em dar uma quota de 30% às mulheres no Governo, no emprego ... mais lugares para os jovens... Todos os partidos estavam dispostos a assinar o acordo. Quando a Arábia Saudita ficou a saber desse acordo, atacou o Iémen. (o acordo) Foi a 23 ou 24 de Março e eles atacaram o Iémen a 25 de Março de 2015. Isto consta da declaração do enviado das Nações Unidas Jamal Benomar que pode ser encontrada no Los Angeles Times.

Mas já havia confrontos antes de 2015...

Ninguém estava a combater. Havia algumas escaramuças entre Houthis e algumas tribos mas o Presidente (Abdrabbuh Mansur) Hadi disse que era um problema entre eles. Como lhe disse, o Iémen paga o preço da Arábia Saudita querer provocar o caos no Iémen. Gastaram muito dinheiro com isso, mas os iemenitas sabem o que é a guerra e viram o que estava a acontecer na Líbia e na Síria. Por isso resistimos e foi a própria Arábia Saudita a atacar o Iémen. Não podiam colocar um ditador no poder, não podiam criar o caos, então atacaram o Iémen.

Agora, porque é que deixei o meu posto...? Porque não podia falar da catástrofe humanitária. Disseram-me que era proibido falar disso. Então, quem vai falar disso?

Eu não resignei. Queriam que eu fechasse a boca ... perguntei quem iria falar disso. Se a Arábia Saudita diz que está a ajudar o Iémen, por que é que fechou as fronteiras? Por que faz um bloqueio? Por que destrói escolas? Até hospitais... Por que mata crianças e mulheres? Destruíram todas as infraestruturas, não posso acreditar que tenham ido em nossa ajuda.

Disseram-me para resignar, respondi que não o fazia. É o meu país e vou falar de todos os crimes que estão a cometer.

É por isso que tem a Fundação (Salam for Yémen – Paz para o Iémen)?

Depois criei a Fundação Salam for Iémen... Paz para o Iémen. Fazemos muitas conferências, encontros, exposições para mostrar como o Iémen é bonito e os iemenitas são pacíficos. Queremos também chamar a atenção porque há dois bloqueios ao Iémen: o bloqueio físico, que é o primeiro da história... bloqueio aéreo, marítimo e terrestre. Ninguém pode sair ou entrar no Iémen. Há também o bloqueio mediático. Ninguém fala do Iémen e do crime que está a ser cometido. Estão a matar as pessoas à fome. As Nações Unidas e muitas organizações não governamentais referem a maior catástrofe humanitária do nosso tempo. Provocada pelo homem. Não é um tsunami ou uma seca, é porque a Arábia Saudita e os Emirados, apoiados pelos Estados Unidos e Reino Unido, bloqueiam o Iémen.

Por que é que acha que o resto do mundo fecha os olhos a essa realidade?

Porque a Arábia Saudita está envolvida, com o apoio dos Estados Unidos, Reino Unido e França e também a Itália... um pouco a Espanha... não falo da Rússia porque não quer saber do Iémen ... tem muitos problemas na Síria, não tem interesse no Iémen... a China faz negócios em todo o lado, não quer saber do Iémen... é esta a realidade.

Concorda com o General Yahya (ver outra entrevista neste blog) quanto à solução que pode ser encontrada? Apenas entre iemenitas ou admite algum tipo de apoio externo?

O único apoio que precisamos é que a Arábia Saudita pare com a intervenção no Iémen. Precisamos que a Arábia Saudita e os Emirados deixem o Iémen e deixem os iemenitas dialogarem. Somos um povo civilizado e de diálogo. Somos assim há 5 mil anos, não se trata de um país novo ... é um país muito antigo e os portugueses conhecem muito bem o Iémen desde há 500 anos, ou talvez mais.

Tivemos muitas crises no passado, como em todo o lado, e resolvemo-las através do diálogo. Mas a Arábia Saudita decidiu interferir. Interferem a toda a hora com diferentes argumentos. Encontram sempre uma desculpa para interferirem no Iémen, para atacar o Iémen. De facto, a Arábia Saudita nunca esquece o Iémen devido a duas escolhas que fizemos: o sistema político, que é a única república na região, e as questões sociais em que demos todos os direitos às mulheres. As mulheres no Iémen podem ser ministros, podem eleger e ser eleitas, o que não acontece na Arábia Saudita, mesmo que possam viajar ou conduzir.

Quanto ao Presidente Saleh, primeiro contra os Houthis e agora com os Houthis. Estou enganado?

Tem razão. Mas a Arábia Saudita empurrou Saleh e os Houtihis para estarem juntos porque atacou o Iémen. Atacou Saleh, que tinha uma boa relação com os sauditas. Mas já não tem. Porquê? Porque a Arábia Saudita encontrou uma razão para atacar o Iémen. Disseram que estavam a atacar os Houthis. Depois atacaram o Saleh e a organização militar próxima de Saleh, e foi isso que disseram os media. Mas foi apenas uma desculpa, na realidade vieram apenas para matar iemenitas e destruir o Iémen.

Como é que pensa que isto vai acabar?

Vai acabar quando as pessoas, como o meu amigo (General Yahya) disse, tomarem consciência e pararem. O que estão a fazer é um crime, é um genocídio. É incrível o que está a acontecer no Iémen. Como lhe disse, há um bloqueio, fecharam as fronteiras aos jornalistas. Há 3 meses, até a Cruz Vermelha Internacional trouxe alguns jornalistas mas não foram autorizados a entrar. A única coisa que se pode fazer é muita gente pressionar para que deixem de matar pessoas inocentes no Iémen.

Quantas pessoas já morreram... 9 mil?

Sim, oficialmente 9 mil, talvez 10 mil, mas em minha opinião são mais... São números oficiais de mortos directamente bombardeados. Consegue imaginar as vítimas indirectas, devido à falta de medicamentos, falta de alimentos... são muitos milhares... em minha opinião mais de 50 mil. Há agora também muitas doenças que é incrível existirem hoje ... temos cólera... Temos problemas com diabéticos que não têm insulina... Pessoas que precisam de fazer hemodiálise...

Quantas pessoas com cólera... Cerca de um milhão?

Cerca de 500 mil há três meses... Mas agora cerca de um milhão. Consegue imaginar? É horrível, é demais...

Quantas pessoas sem alimentos?

Pessoas quase em situação de fome são sete milhões e cerca de 17 milhões precisam de ajuda humanitária.

Alguma mensagem para António Guterres?

Por favor, não esqueça que há um bloqueio no Iémen, que há uma guerra... quer dizer... que há um ataque agressivo da Arábia Saudita e dos Emirados. Dizem que é por causa do Irão mas o Irão não está no Iémen. Se têm algum problema com o Irão, dialoguem, mas não matem iemenitas com argumentos falsos.

Quando deixou o seu posto na embaixada em Paris, apenas disse adeus, ou saiu sem dizer nada?

Mantenho o meu posto, não o deixei, porque sou iemenita e não tenho o direito de permanecer calado. Vou ficar (no posto diplomático) mas não vou discutir com eles. Quando eles perceberem do que é que eu estou a falar eu vou voltar. Não vou resignar. Iria resignar para a Arábia Saudita. Eles controlam tudo nas embaixadas.

Os sauditas controlam directamente as embaixadas, estando lá, ou por outras vias?

Indirectamente. Querem manter absoluto silêncio sobre este genocídio.

Por que é que os media não falam do Iémen.

Diabolizaram o Iémen...

Quem diabolizou o Iémen?

O ocidente, porque são próximos dos sauditas. A Arábia Saudita controla muitos media no mundo árabe e tem acordos com muitos grupos de comunicação. Têm um acordo com a publicis, o 4º maior grupo de marketing e comunicação em França apenas para não falarem do que se passa no Iémen. Também chamaram vários jornalistas que escrevem sobre o Iémen, convidaram-nos e pressionaram para que não escrevam sobre o Iémen. E também, nos dois últimos anos que começaram a atacar o Iémen, assinaram contratos de milhões com os Estados Unidos e o Reino Unido. Se for ver as notícias sobre o incremento de venda de armas, aceleraram 50%... Porque? Devido à venda de armas à Arábia Saudita e Emirados. O mesmo em França...

Mas existe também a (Agência) Reuters, a France Press ...a Associated Press...

Não sei o que há de errado com eles, mas se for ler as notícias dessas três agências, pensa que é a mesma pessoa que as escreve. Falam sempre de um conflito ou de uma guerra civil no Iémen e nunca, nunca, mencionam a Arábia Saudita.

Algumas vezes referem...

Algumas vezes... mas o que eu quero dizer é que a realidade diária é de bombardeamentos da Arábia Saudita e da coligação saudita.

Está a dizer que as três agências não nos dão a verdadeira imagem do que se passa...

Exactamente. Não é honesto. Estão a dar a mesma informação desde 25 de Março de 2015 até hoje. Dizem diariamente que há um conflito ou uma guerra civil entre o presidente Hadi apoiado pela Arábia Saudita e os Houthis apoiados pelo Irão. Não sou advogados dos Houthis, é um problema deles, mas como iemenita como posso dizer-lhe que não há um único iraniano ou armas iranianas no Iémen. É verdade que estão na Síria e eles dizem que estão. Dizem diariamente que não estão no Iémen mas por que é que France Press, Reuters e outros, dizem sempre mentiras... ou dão falsa informação?

Fake News...

Fake News, precisamente!

Artigo de José Manuel Rosendo publicado a 22 de novembro de 2017 no blogue meu Mundo minha Aldeia (link is external).

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