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Reportagem: remunicipalização da água em Mafra

Mafra foi o primeiro concelho a privatizar a água e é agora também o primeiro a iniciar um processo de remunicipalização, tal como já aconteceu em Paris ou Berlim. O processo vai baixar o valor da tarifa aos munícipes e trará outros benefícios à região.
Gota de água a cair
Gota de água a cair, foto de Krishna Santhanam/Flickr.

Esta reportagem faz parte do décimo segundo programa Mais Esquerda, e pode ser lida e vista em baixo. O programa pode ser visto aqui, conta ainda com uma entrevista ao realizador Miguel Gonçalves Mendes (aqui) e um comentário de Ricardo Robles sobre o documentário "Terramamtourism", do coletivo Left Hand Rotation (aqui).

Pela mão do PSD, Mafra foi o primeiro concelho em Portugal a privatizar a água. Aníbal Ferra, deputado  Municipal do Bloco em Mafra explica como se deu a comunicação da informação aos munícipes. "Fomos avisados em carta da respetiva companhia que, a partir daquele momento, as águas deixavam de ser cobradas, o seus custos, pela Câmara, e passaram para a Veolia".

A Veolia, uma multinacional francesa, é uma das principais empresas do setor a nível mundial. Desde então, a concessão já mudou de mãos, mas o valor da fatura não tem parado de aumentar. "O preço tem estado sempre a subir", explica Aníbal Ferra. "Posso dar como exemplo com o meu último recibo, que é um recibo tipo das águas de Mafra para um consumo não muito grande de 8 m3, que custa 29.22 euros. Há seis ou sete anos, era capaz de custar uns 15 euros. E este aumento tem sido uma constante". 

Vinte e dois anos depois da privatização, a atual empresa concessionária, a chinesa Be Water, anunciou que iria aumentar as tarifas em 35%, o que levou o atual executivo camarário a optar pela remunicipalização do serviço. Desta forma, Mafra irá tornar-se também o primeiro concelho a remunicipalizar o serviço em Portugal, uma tendência que se tem observado em todo o mundo desde o ano 2000, sobretudo nos países desenvolvidos.

João Bau, investigador, ex-Presidente da EPAL e ex-Administrador das Águas de Portugal explicou ao esquerda.net que "a partir do ano 2000, os grandes grupos privados começaram a redefinir os seus mercados alvo, a vender participações, a abandonar operação num conjunto de locais, municípios e países e, simultaneamente, as entidades públicas passaram a assumir o controlo desses sistemas. Nuns casos porque o compraram, ou o recompraram porque os privados estavam desejosos de sair. Noutros casos, porque a pressão popular obrigou a isso". 

"Estima-se que desde 2000, mais de cem milhões de pessoas estão a ser consumidoras de sistemas que antes eram privados e neste momento estão estatizados, na generalidade dos casos, remunicipalizados. Há alguns casos que são, na Europa, muitos significativos, nomeadamente o de três capitais que remunicipalizaram o seu abastecimento de água: Paris, Berlim e Budapeste", prossegue João Bau. 

João Bau acrescenta que "a municipalização abre uma janela de oportunidades. Para já, a forma como a água é considerada: a água é um bem comum que deve ser considerada para todos, ou é uma mercadoria? A água é como o ar, um bem ao que todos temos de ter acesso para vivermos, ou uma mercadoria, como a Coca-Cola, que compra quem quer e pode?"

Com a remunicipalização, o executivo de Mafra promete baixar as tarifas em 5%, mas o processo terá mais consequências para os munícipes. João Bau lembra que as multinacionais que operam o serviço "têm lucros não apenas da operação, mas de todas as atividades que são necessárias a ela, praticam uma verticalização da atividade. Isto é, as empresas de um grande grupo compram os seus equipamentos às empresas do grupo, compram os produtos necessários ao seu funcionamento às empresas do grupo, os projetos são feitos pelas empresas do grupo, as obras são feitas pelas construtoras do grupo, o software é feito pelas empresas do grupo, a consultoria, etc. Isto é muito importante porque é nessas atividades que está a principal chave para o lucro dos grupos".

Como consequência, desde a privatização, as empresas nacionais da área deixaram de poder vender em Mafra os seus serviços, produtos e equipamentos, algo que se espera que seja agora, também, revertido, podendo ter como consequência também a criação e fomento de emprego com direitos na região. Nesta área, explica João Bau, "temos excelentes técnicos, empresas, projetistas e consultores, não precisamos de usar empresas estrangeiras. Daí que eu também ache que, a esse nível, também há a obrigação de reverter esta política".

 

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