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Rendas excessivas: Estado paga milhões por um serviço nunca utilizado

Um conjunto de grandes empresas recebe mais de 100 milhões anualmente, para garantir a suspensão da produção temporariamente em caso de crise de eletricidade, o que nunca aconteceu. Em pergunta ao ministro da Economia, o deputado Jorge Costa aponta que este serviço de interruptibilidade está “sobredimensionado”. Se a renda excessiva for cortada, a fatura da luz das famílias pode baixar.
O setor da pasta de papel “está na origem de grande parte da energia produzida em cogeração em Portugal”, mas tem 10 empresas a serem remuneradas pelo serviço de interruptibilidade - Portucel Setúbal, fábrica de papel, 2013 – Foto de José Luís Costa/Lusa
O setor da pasta de papel “está na origem de grande parte da energia produzida em cogeração em Portugal”, mas tem 10 empresas a serem remuneradas pelo serviço de interruptibilidade - Portucel Setúbal, fábrica de papel, 2013 – Foto de José Luís Costa/Lusa

Serviço nunca utilizado

O serviço de interruptibilidade foi estabelecido por portaria em 2010, para gerir a procura no sistema elétrico. Com este serviço é garantido que, em caso de escassez de oferta de eletricidade, um conjunto de consumidores industriais de muito alta, alta e média tensão reduzem o consumo para retirar carga da rede.

Segundo a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), “desde que foi criado o atual regime de interruptibilidade [em 2010], não houve registo de qualquer ordem de redução emitida pelo gestor do sistema e, sem prejuízo deste facto, entre 2011 e 2015, o seu custo aumentou 100%, de cerca de 56 milhões de euros em 2011 para cerca de 110 milhões de euros em 2015”.

Em 2015, foram pagos 113 milhões de euros a 52 grandes empresas.

Serviço “largamente sobredimensionado”

Na pergunta ao ministro da Economia, o deputado Jorge Costa do Bloco de Esquerda refere: “Este serviço parece largamente sobredimensionado, visto que a segurança do abastecimento está assegurada pela capacidade eletro-produtora excedentária e pela disponibilidade do lado da oferta (contratos de garantia de potência, CAEs e CMECs) também esta largamente excedentária”.

Desde que foi criado o sistema de interruptibilidade, nunca houve qualquer interrupção dos grandes consumidores industriais e, no entanto, o número de empresas remuneradas por estes contratos foi sempre aumentando.

“A mais flagrante demonstração de que estamos perante um mecanismo sobredimensionado é a circunstância de muitas das unidades que beneficiam desta remuneração mensal não oferecerem uma disponibilidade real, uma vez que são produtores em cogeração, auto-suficientes em energia, e portanto não estão a consumir energia da rede, mas antes a injetar energia na rede. A interrupção do seu consumo é, portanto, irrelevante para a rede e para a segurança do abastecimento”, aponta Jorge Costa.

O deputado cita o caso do setor da pasta de papel, que “está na origem de grande parte da energia produzida em cogeração em Portugal” e, contudo, tem 10 empresas a serem remuneradas pelo serviço de interruptibilidade, que receberão 20 milhões de euros em 2016.

“Esta perversão só é explicável por erros ou omissões nos testes regulares de interrupção legalmente previstos”, realça o deputado, que considera as unidades da Siderurgia Nacional um “caso aparte” por representarem 2,4% da energia consumida anualmente em Portugal e aponta que “o serviço de interruptibilidade prestado pela Siderurgia Nacional pode já ser suficiente para responder às necessidades de segurança do sistema”.

O deputado pergunta ao ministro “com base em que estudos é hoje estabelecido o nível de potência variável necessário para assegurar a segurança do abastecimento de eletricidade” e se “existe algum dispositivo de fiscalização do serviço de interruptibilidade que impeça a remuneração de unidades industriais que, sendo produtoras em cogeração e autossuficientes em eletricidade, não constituem carga sobre a rede”.

Jorge Costa pergunta ainda se o Governo tem “informação acerca da efetiva aplicação do regime de testes regulares ao serviço de interruptibilidade” e se “para garantir a necessidade de segurança do sistema, seria suficiente um serviço de interruptibilidade limitado a unidades consumidoras de eletricidade em muito alta tensão, com potências médias anuais superiores a 50 MW, e abastecidas através da rede eléctrica nacional”.

Cortar rendas excessivas no serviço de interruptibilidade permitirá reduzir fatura da luz

O jornal “Expresso” deste sábado, 9 de julho de 2016, noticia que existe acordo para limitar o serviço de interruptibilidade, no grupo de trabalho estabelecido entre o PS e o Bloco de Esquerda para reduzir os custos da energia em Portugal.

Com este acordo seria possível poupar nesse serviço cerca de 100 milhões de euros e, dessa forma, baixar a fatura da luz das famílias até cinco euros por ano, a partir de 2017.

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