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Reino Unido: Paradoxos eleitorais britânicos

Nas mais recentes sondagens, a vantagem dos conservadores varia entre os 4% e os 12%. Mas todos estamos recordados do seu total falhanço na previsão do Brexit. Tudo dependerá da maior ou menor participação do eleitorado jovem: quanto mais alta for, melhor para os trabalhistas. Por Jorge Martins
Nas mais recentes sondagens, a vantagem dos conservadores varia entre os 4% e os 12%
Nas mais recentes sondagens, a vantagem dos conservadores varia entre os 4% e os 12%

Realizam-se as eleições parlamentares antecipadas no Reino Unido. O Parlamento britânico, localizado no Palácio de Westminster, em Londres, é bicameral, dele fazendo parte a Câmara dos Comuns (ou seja, dos plebeus) e a Câmara dos Lordes (que inclui nobres e clérigos). A primeira é constituída por 650 deputados, eleitos por sufrágio direto e universal para um mandato de cinco anos. É ela que, na prática, aprova toda a legislação e é apenas perante ela que o governo responde. Logo, a composição deste resulta da maioria política aí existente. A segunda constitui uma excrescência medieval: é reservada apenas a aristocratas e dignatários religiosos, sendo constituída, atualmente, por 800 pares do Reino, sendo 685 não hereditários (nomeados vitaliciamente pela monarca, por indicação do governo e da oposição), 90 hereditários e 25 bispos. Embora tenha de aprovar a maioria da legislação dos Comuns, na realidade apenas pode propor emendas e retardar a sua aprovação por um período não superior a um ano. É a única câmara alta do mundo que possui mais membros que a respetiva câmara baixa.

Apesar de as últimas eleições legislativas terem ocorrido em 2015, a dissolução da assembleia parlamentar e consequente antecipação do ato eleitoral não constituiu surpresa. Com o triunfo do Brexit no referendo sobre a permanência do país na UE, o primeiro-ministro, David Cameron, demitiu-se, sendo substituído pela sua então ministra da Administração Interna, Theresa May. Até 2001, o chefe do governo podia escolher, dentro dos cinco anos de duração da legislatura, o momento que considerava ideal para ir de novo a votos. Porém, a partir daí, a dissolução da Câmara dos Comuns antes do termo do seu mandato passou a depender da aprovação de uma moção nesse sentido por uma maioria qualificada de dois terços dos seus elementos. Com sondagens muito favoráveis para os conservadores e pouco simpáticas para os trabalhistas e para o UKIP (direita populista, eurocética e xenófoba), a atual primeira-ministra, a pretexto de não ter sido eleita pelo voto popular, acenou com a necessidade de reforçar a sua legitimidade nas difíceis negociações do Brexit e logrou o apoio da maioria das forças políticas representadas em Westminster para a convocação de eleições antecipadas.

Os deputados britânicos são todos eleitos em círculos uninominais, por sistema maioritário a uma volta

Os deputados britânicos são todos eleitos em círculos uninominais, por sistema maioritário a uma volta, também conhecido por FPTP (First Past The Post), numa alusão às corridas de cavalos: o vencedor é o primeiro a passar o poste da meta, sendo o segundo o primeiro dos últimos. Ou seja, em cada círculo eleitoral, só o vencedor é eleito. E tanto faz sê-lo com a totalidade dos votos ou apenas com mais um do que o seu principal adversário. Assim, o sistema favorece os partidos maiores e/ou com o seu eleitorado territorialmente muito concentrado e desfavorece as pequenas e médias forças políticas, cujos eleitores se distribuem de forma equilibrada pelo território, mas que, localmente, quase nunca conseguem ser maioritárias. Logo, os resultados são, em geral, altamente desproporcionais, revelando, frequentemente, enormes distorções entre os votos entrados nas urnas e a composição da assembleia eleita. No caso do Reino Unido, podemos ver os resultados das últimas três eleições, realizadas em 2005, 2010 e 2015, respetivamente.

Eleições no Reino Unido - 2005, 2010, 2015


 


 

Partidos

2005

2010

2015

% de votos

Nº de MP

% de MP

% de votos

Nº de MP

% de MP

% de votos

Nº de MP

% de MP

CON

32,4

198

30,6

36,1

307

47,2

36,9

331

50,9

LAB

35,2

356

55,1

29,0

258

39,7

30,4

232

35,7

LD

22,0

62

9,6

23,0

57

8,8

7,9

8

1,2

UKIP

2,2

0

0,0

3,1

0

0,0

12,6

1

0,2

GR

1,0

0

0,0

0,9

1

0,2

3,8

1

0,2

SNP (Esc.)

1,5

6

0,9

1,7

6

0,9

4,7

56

8,6

PC (Gal.)

0,6

3

0,5

0,6

3

0,5

0,6

3

0,5

DUP (IN)

0,9

9

1,4

0,6

8

1,2

0,6

8

1,2

SF (IN)

0,6

5

0,8

0,6

5

0,8

0,6

4

0,5

UUP (IN)

0,3

1

0,2

0,3

0

0,0

0,4

2

0,3

SDLP (IN)

0,5

3

0,5

0,4

3

0,5

0,3

3

0,5

AP (IN)

0,1

0

0,0

0,1

1

0,2

0,2

0

0,0

OUT/IND

2,7

3

0,5

3,6

1

0,2

1,0

1

0,2

TOTAL

100

646

100

100

650

100

100

650

100


 

Desde logo, é bem visível a desproporcionalidade que referimos. Um desses elementos traduz-se na crónica sub-representação dos Liberais Democratas: mesmo nos seus melhores anos, em que obtiveram mais de 20% dos sufrágios, nunca conseguiram ter sequer 10% dos lugares parlamentares. E face à hecatombe que sofreram em 2015, quando foram altamente penalizados pela sua desastrosa participação no governo austeritário de Cameron, foram quase reduzidos à expressão mais simples: 8% dos votos valeram-lhes pouco mais de 1% de representação nos Comuns. É que, ao contrário dos conservadores (amplamente maioritários nas áreas rurais e no sul do país) e dos trabalhistas (dominantes nas maiores áreas urbanas e industriais, em especial no norte de Inglaterra e em grande parte da Escócia e de Gales), os LibDem têm o seu voto mais disperso, com exceção dos Highlands escoceses, das montanhas galesas e de um ou outro bastião no território inglês, em geral no sudoeste rural e numa ou outra cidade, onde “têm à perna” nacionalistas, conservadores e trabalhistas, respetivamente.

Aliás, a (não) concentração territorial do voto explica alguns resultados paradoxais verificados nas últimas eleições. Assim, o UKIP, apesar de ter obtido 12,6% dos votos a nível nacional, apenas conseguiu eleger um dos 650 deputados. Em contrapartida os nacionalistas escoceses do SNP, com 4,7% no total do Reino Unido (correspondentes a 50% do voto escocês) obtiveram 56 lugares de entre os 59 que cabem à Escócia. Podemos fazer a mesma comparação entre os Verdes, que, com 3,8% dos sufrágios no país, só lograram eleger a sua líder, Caroline Lucas, em Brighton, e os nacionalistas galeses do Plaid Cymru, a quem bastaram 0,6% no conjunto do país (12% dos votantes galeses) para colocar em Westminster três dos 40 deputados que cabem a Gales. Isto não falando dos 18 representantes norte-irlandeses, eleitos numa lógica local ainda hoje quase totalmente tribalizada entre protestantes e católicos e onde os partidos nacionais estão quase totalmente ausentes (à exceção dos conservadores e do UKIP, com votações residuais em alguns círculos). Por isso, o DUP (direita radical protestante), com 0,6% dos votos no conjunto do território do Reino Unido, ficou com os mesmos oito lugares dos liberais democratas.

Por seu turno, o UKIP, apesar de, à exceção da Grande Londres, onde teve resultados mais fracos, ter obtido votações razoáveis e relativamente homogéneas (entre os 10 e os 25%) na maioria dos círculos, estas foram manifestamente insuficientes para conseguir ser localmente maioritário. Por maioria de razão, mais difícil ainda é a situação dos Verdes, que só em muito poucos círculos conseguem ultrapassar os 10%. Já os partidos nacionalistas e étnicos da Escócia, Gales e Irlanda do Norte têm o seu eleitorado altamente concentrado, pelo que têm muito maiores possibilidades de eleger membros do Parlamento.

Por outro lado, constatamos a facilidade de alcançar maiorias absolutas confortáveis com pouco mais de um terço dos votos. Se essa possibilidade não é exclusiva dos sistemas maioritários (pode acontecer em sistemas proporcionais com poucos partidos e círculos de pequena magnitude), é muito mais provável nestes. Aliás, é este um dos argumentos dos seus defensores: para eles, trata-se de um elemento facilitador daquilo que entendem por governabilidade e estabilidade política. Como se esta dependesse apenas da existência de governos monopartidários com capacidade para aplicar, na íntegra, o seu programa, sem necessidade de dialogar com outras forças políticas…

Os resultados nacionais de uma dada força política dependem, em muito, do número, da força e da distribuição geográfica dos seus concorrentes

Também quando comparamos diferentes atos eleitorais, nem sempre “bate a bota com a perdigota”, ou seja, uma percentagem de votos mais baixa pode garantir uma maior representação que uma mais alta na eleição seguinte. Logo, é relativamente frequente um partido perder votos relativamente às legislativas anteriores e ganhar deputados ou vice-versa.

No caso concreto britânico, vemos que, em 2005, os trabalhistas, então sob a liderança de Tony Blair, obtiveram uma confortável maioria (mais de 55% dos eleitos) com um resultado pouco superior a 35% dos votos. Contudo, em 2010, aos conservadores, liderados por David Cameron, 36% dos sufrágios não chegaram para a maioria absoluta: com apenas 47% dos representantes parlamentares, foram obrigados a uma coligação com os liberais democratas. Mas, cinco anos depois, uma pequena subida para próximo dos 37% chegou para alcançar mais de metade dos lugares nos Comuns e prescindir dos seus parceiros de coligação. Já os trabalhistas subiram de 29% para mais de 30%, mas perderam 26 deputados, baixando a sua representação parlamentar de cerca de 40% para perto de 36% dos lugares. Também os LibDem melhoraram a sua votação de 2005 para 2010, passando de 22 para 23% do total dos sufrágios, mas perderam cinco deputados em Westminster (de 62 para 57). E, nas últimas eleições, os Verdes mais que quadruplicaram a sua percentagem de votos (de 0,9 para 3,8%), mas elegeram apenas a mesma deputada que cinco anos antes. Como se explicam estes paradoxos eleitorais?

Neste sistema, a conversão de votos em mandatos não possui, do ponto de vista mecânico, uma lógica nacional. Esta apenas existe pelo facto de os principais partidos terem uma campanha única para todo o país (ou, no caso dos partidos regionais, para as respetivas regiões), o que vai influenciar a opção dos eleitores para lá dos candidatos ou das políticas locais. Caso isso não acontecesse, teríamos, na verdade, 650 eleições diferentes e com lógicas altamente localizadas.

Por outro lado, os resultados nacionais de uma dada força política dependem, em muito, do número, da força e da distribuição geográfica dos seus concorrentes. Vejamos, então, o que sucedeu, nos últimos anos, no Reino Unido.

Em 2005, as políticas centristas do governo trabalhista de Tony Blair e a sua decisão de participar na invasão do Iraque, ao lado dos EUA, geraram enorme descontentamento da base tradicional do partido. Com o partido conservador sem rumo e cada vez mais encostado à direita eurocética, foi fácil ao Labour deslocar-se para o centro. Percebendo que o seu espaço se ia reduzindo, os liberais democratas, já então a denotar uma melhoria dos seus resultados eleitorais, ensaiaram um tropismo para a esquerda, assumindo-se contra a guerra e em defesa dos serviços públicos. Com isso, conquistaram uma parte substancial do eleitorado de esquerda, o que lhes valeu o ganho de inúmeros lugares em várias grandes áreas urbanas, até aí tradicionais bastiões trabalhistas. Por seu turno, a fraqueza e a crescente direitização dos conservadores permitiram-lhes conservar o seu tradicional eleitorado do centro e reforçar as suas posições nas regiões rurais do Sudoeste. Porém, em 2010, a perceção de que o partido estava demasiado à esquerda e o facto de os conservadores, sob a liderança de Cameron, recentraram o seu discurso, permitiu a estes conquistar esses eleitores centristas, levando os LibDem a perder vários deputados nessa área do país. E, como o reforço da sua votação nos grandes centros urbanos não se traduziu na conquista de muito mais lugares, os liberais democratas, apesar de aumentarem a sua percentagem eleitoral, ficaram com menos representantes em Westminster.

Entretanto, em 2015, a coligação com os conservadores e as políticas de austeridade encetadas pelo governo de coligação conservador-liberal fizeram muitos eleitores sentirem-se traídos pelo partido e pelo seu líder, Nick Clegg. Logo, não apenas os ex-votantes trabalhistas que nele tinham confiado, mas também muitos eleitores tradicionais dos LibDem, abandonaram-no; ao mesmo tempo, os votantes da direita liberal, apoiantes do governo, preferiram votar “útil” nos conservadores, que viam como mais capazes de liderar uma solução governativa assente nas mesmas políticas pró-mercado. Daí a “tareia” sofrida nas urnas: de 23% dos votos e 57 deputados passou para 8% e apenas oito lugares. As perdas dos liberais democratas ocorreram em todo o país e foram suficientes para os conservadores recuperarem bastantes lugares e obterem a maioria absoluta nos Comuns. Aliás, só o grande crescimento do UKIP (partido da direita nacionalista, eurocético e anti-imigração, que passou de 3,1% para 12,6%) impediu maiores ganhos dos “tories”, embora também tenha prejudicado os trabalhistas, em especial nas regiões industriais e mineiras deprimidas do Norte e Centro de Inglaterra. Também o crescimento dos Verdes foi feito à custa de eleitores do Labour, descontentes com a sua linha centrista, e terá custado alguns deputados ao partido. Mas, apesar disso, este conseguiu recuperar nessas zonas e em Gales vários lugares que tinha perdido anteriormente para os LibDem.

A explicação para o balanço negativo do Labour relativamente aos ganhos e perdas de membros do Parlamento encontra-se na Escócia

A explicação para o balanço negativo do Labour relativamente aos ganhos e perdas de membros do Parlamento encontra-se na Escócia. A “Union Jack”, bandeira britânica, simboliza a da união das duas nações: a inglesa (a cruz vermelha de São Jorge, perpendicular e em fundo branco) e a escocesa (a cruz branca de Santo André, em diagonal e em fundo azul escuro). Apesar da formalização da união, no início do século XVIII, a verdade é que os “scots” sempre cultivaram uma identidade distinta. As políticas neoliberais de Margaret Thatcher, que “rebentaram” com o tecido económico e social da região, levaram ao crescimento do sentimento nacionalista. Para satisfazer os escoceses, o governo de Tony Blair concedeu, em 1997, uma autonomia alargada à Escócia, através da criação de um Parlamento com poderes legislativos e fiscais e de um governo autónomo, num modelo próximo do das nossas regiões dos Açores e da Madeira. Os trabalhistas, até então a força política dominante, venceram as duas primeiras eleições autonómicas, em 1999 e 2003. Contudo, em 2007, o SNP assumiu a chefia do governo em Edimburgo e, a partir daí, não parou de crescer. Assim, em 2015, o Labour perdeu 40 dos 41 deputados da região que detinha em Westminster, enquanto os nacionalistas, ao obterem metade dos votos escoceses, ganharam 50, passando de seis para 56. Para os grandes partidos britânicos, sobraram três, um para cada um deles.

Eleições de hoje

Passemos, agora, ao que nos espera nas eleições de hoje.

A partir dos resultados e tendências das diferentes sondagens. Para as minhas previsões elaborei um modelo de transferência geral para o Reino Unido, conjugado com quatro dele dependentes, um para cada uma das nações que o constituem (Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte). Depois, verifiquei os resultados de 2015 em cada uma das 650 circunscrições e os partidos que concorriam hoje. Posteriormente, apliquei o modelo, adaptado às especificidades locais, a 150 círculos onde a luta me parece ser mais renhida: 95 de Inglaterra, 33 da Escócia, 16 de Gales e seis da Irlanda do Norte.

Um primeiro aspeto a notar é a concentração do voto nos dois maiores partidos tradicionais, os conservadores e os trabalhistas. Significa isto um realinhamento ao centro da política no Reino Unido? Mais uma vez, e também paradoxalmente, significa exatamente o contrário.

O referendo sobre o Brexit confirmou a enorme polarização da sociedade britânica, que, aliás, sempre foi bastante desigual. O que hoje se verifica é que tanto os “tories” como o Labour perceberam a crescente radicalização do eleitorado e deslocaram-se do centro para a direita e para a esquerda, respetivamente.

Theresa May em campanha eleitoral, por Facundo Arrizabalga, POOL/Lusa
Os conservadores, sob a liderança de Theresa May, passaram a adotar uma posição claramente eurocética – Foto de Theresa May em campanha eleitoral, por Facundo Arrizabalga, POOL/Lusa

Assim, os conservadores, sob a liderança de Theresa May, passaram a adotar uma posição claramente eurocética. A primeira-ministra, que, na consulta popular defendeu (embora de forma crítica) a permanência do país na UE, apresenta-se hoje aos eleitores como a campeã do Brexit e a única capaz de assumir uma posição de força nas negociações com Bruxelas sobre as condições de saída do Reino Unido. E afirma-se disposta a arriscar um “hard Brexit”, isto é, uma saída sem acordo, que vede o acesso dos britânicos ao mercado único europeu em condições favoráveis, semelhantes às que beneficiam a Noruega e a Islândia, se os seus ainda parceiros europeus não aceitarem restrições à entrada dos seus nacionais em terras britânicas. May tentou, aliás, fazer dele o principal tema da campanha, mas não conseguiu. E, quando apresentou o manifesto, deu “um tiro no pé”, ao propor que os reformados pagassem os seus cuidados de saúde, sendo eventuais dívidas transmissíveis aos respetivos herdeiros, medida que ficou popularmente conhecida como o “imposto da demência”. Por isso, embora todas as sondagens lhe deem vantagem, a verdade é que esta tem vindo a diminuir. Porém, no quadro atual, se obtiver cerca de 43% dos votos, deverá obter entre 330 a 350 deputados. De acordo com o modelo de transferência que utilizei, 337 seria o valor exato, correspondente a 11 ganhos e cinco perdas, o que se traduziria num aumento ligeiro da sua atual maioria. Um bom resultado, mas longe da “goleada” que esperava quando convocou as eleições, altura em que algumas sondagens lhe atribuíam 48% dos sufrágios. Ou seja, May perdeu fôlego em junho…

Com essa posição eurocética, os “tories” esvaziaram o UKIP. Em mais um paradoxo, após atingir o grande objetivo que levou à sua criação (a saída da UE), o partido da direita populista e xenófoba arrisca-se a desaparecer. Para além de os conservadores lhe terem “roubado as bandeiras principais”, a saída do seu líder e fundador, Nigel Farage, um demagogo populista, mas altamente carismático e telegénico (afinal, trata-se de um ex-jornalista!...), afundou o partido em divisões profundas. O atual líder, Paul Nutall, é uma figura pouco consensual e sem carisma. Na prática, o UKIP fez um pacto não assumido com os “tories”, ao decidir não se apresentar na maioria das circunscrições onde se prevê um duelo mais renhido dos conservadores com os trabalhistas, os liberais democratas ou os nacionalistas escoceses. Depois dos excelentes resultados de 2015, não deverá ultrapassar os 4%, perdendo cerca de dois terços do seu eleitorado de há dois anos atrás. E, obviamente, ficará sem representação parlamentar.

No campo dos trabalhistas, uma revolta das bases levou à eleição de Jeremy Corbyn, da ala esquerda do partido
No campo dos trabalhistas, uma revolta das bases levou à eleição de Jeremy Corbyn, da ala esquerda do partido

No campo dos trabalhistas, uma revolta das bases levou à eleição de Jeremy Corbyn, da ala esquerda do partido. Defensor dos princípios basilares do trabalhismo, como a nacionalização de algumas grandes empresas estratégicas, o reforço dos serviços públicos, dos direitos laborais e sindicais e uma política externa mais independente, sofreu vários ataques da ala centrista do partido, concentrada no respetivo grupo parlamentar, que o considerava um esquerdista radical e irresponsável e, por isso, inelegível. A pretexto do que entenderam ser uma posição ambígua e pouco empenhada do líder em defesa da permanência do país na UE no referendo do Brexit, vários deputados lograram a convocação de uma eleição intercalar para o remover da liderança. Contudo, Corbyn voltou a vencer, restando aos seus críticos “enfiar a viola no saco”. Num primeiro momento, as sondagens pareciam dar razão aos seus críticos: quando as eleições foram convocadas, o Labour estava cotado nuns parcos 25% e parecia não conseguir arrancar daí. As autárquicas de 4 de maio (onde, convém lembrar, votaram menos de 20% dos eleitores) foram um desastre e tudo indicava que a campanha para as legislativas seria um “calvário” para a liderança trabalhista. Mas o certo é que, aos poucos, Corbyn foi afinando o discurso e evitou a armadilha de May, de fazer das legislativas uma espécie de referendo de confirmação do Brexit. Ao centrar a campanha em questões que preocupam o cidadão comum, em especial os mais desfavorecidos, e de se assumir como uma alternativa clara às políticas neoliberais dos conservadores, o Labour recuperou audiência junto do seu eleitorado tradicional, assente nas classes trabalhadoras, sem perder a parte das classes médias que apoia o partido. E, tudo indica, conseguirá a melhor votação desde 2000. É certo que dificilmente vencerá e até poderá, eventualmente, perder alguns deputados, pelas razões acima explicadas e referentes às particularidades do sistema eleitoral maioritário e ao contexto político-partidário em que decorrem estas eleições, mas será inegável a recuperação eleitoral do partido. Ao contrário dos conservadores, que têm a maioria dos seus lugares seguros (por vezes, com votações acima dos 50%), os trabalhistas têm numerosos deputados em risco (em especial, nas circunscrições em que obtiveram votações na casa dos 40%, mas abaixo da soma dos “tories” com o UKIP e onde este último não concorre). De acordo com o mesmo modelo, cheguei a 236 lugares, resultantes de oito ganhos e quatro perdas. Arrisco, então, um valor entre 225 e 245 deputados para o Labour. Em todo o caso, Corbyn mostrará que estava certo quando considerou ser a viragem à esquerda a única forma de salvar o partido.

Tal como sucede com o UKIP em relação aos “tories”, também os Verdes fizeram um acordo informal com o Labour (e, em alguns casos, com os liberais democratas), não concorrendo nas circunscrições em que se prevê uma disputa mais renhida destes com os conservadores

Tal como sucede com o UKIP em relação aos “tories”, também os Verdes fizeram um acordo informal com o Labour (e, em alguns casos, com os liberais democratas), não concorrendo nas circunscrições em que se prevê uma disputa mais renhida destes com os conservadores. A viragem dos trabalhistas retirou aos ecologistas a exclusividade à esquerda da bandeira antiausteritária, pelo que se prevê que o partido não passe dos 2%, perdendo cerca de metade do seu eleitorado de há dois anos. A única dúvida é saber se a sua líder, Caroline Lucas, mantem o seu lugar pelo círculo de Brighton Pavilion ou se dará lugar a um trabalhista. Atendendo à sua popularidade e ao apoio assumido dos LibDem, que aí não apresentam candidatura, é possível que continue em Westminster, mas a sua eleição não está garantida.

Difícil é de prever o que sucederá aos liberais democratas. À partida, e dadas as deslocações dos conservadores para a direita e dos trabalhistas para a esquerda, seria de prever que se abrisse um espaço político ao centro que permitisse a recuperação eleitoral do partido. Sendo o mais pró-UE dos partidos nacionais britânicos, os LibDem poderiam, teoricamente, contar com o apoio de eleitores conservadores apoiantes da permanência na União Europeia e de trabalhistas adeptos da viragem centrista promovida por Blair. Mas a verdade é que tais fenómenos só são visíveis em algumas áreas burguesas da Grande Londres e, mesmo assim, de forma muito limitada. Na verdade, a maioria das sondagens não indica uma recuperação dos liberais democratas, mas, antes, uma estagnação no seu apoio eleitoral. Pelas minhas contas, deverá quedar-se nos 7,5% dos votos e 10 lugares, resultantes de três perdas e cinco ganhos (quatro dos quais na Escócia, onde, ao contrário da Inglaterra, tem o eleitorado territorialmente concentrado nas terras altas do Norte, à custa do SNP). Mas apenas dois dos seus atuais deputados estarão totalmente seguros, pelo que a minha previsão se situa entre os quatro e os 12 lugares. Para além do sistema eleitoral, que favorece o chamado voto “útil” nos dois maiores partidos, há uma questão política que explica este relativo fracasso: para os defensores da mudança, as suas políticas pouco se distinguem das dos conservadores, à exceção da UE e da imigração, ao contrário do que sucede com o Labour; para os apoiantes do “status quo”, os “tories” estão mais aptos para manter o rumo que defendem. Logo, sobram poucos votos para os LibDem. O que prova algo que as presidenciais nos EUA já tinham mostrado: em tempos de crise, as eleições não se ganham cortejando o centro, mas, antes, através da apresentação de alternativas claras, à esquerda e à direita.

Na Escócia, o SNP, depois de ter “tocado o céu” em 2015, deverá perder alguns lugares

Na Escócia, o SNP, depois de ter “tocado o céu” em 2015, deverá perder alguns lugares. Após ter conseguido colocar a independência da região em referendo, a derrota na consulta deixou os nacionalistas com um “amargo de boca”. O plebiscito do Brexit, onde quase dois terços dos escoceses votaram pela permanência na UE, em sentido contrário ao da Inglaterra e de Gales, foi o pretexto encontrado pela respetiva primeira-ministra e líder do SNP, Nicola Sturgeon, para exigir um novo referendo independentista. Contudo, tal exigência não terá caído bem em setores que, apesar de se oporem à separação, votavam no partido. Este deverá, assim, perder alguns pontos, baixando dos 50% de há dois anos para cerca de 42,5% do voto escocês e de 4,7% para 3,8% no conjunto do Reino Unido, o que lhe poderá acarretar a perda de 10 deputados (em princípio, quatro para os liberais democratas, três para os trabalhistas e três para os conservadores), ficando, então, com 46. Entre 42 e 50 situa-se o meu prognóstico.

Os nacionalistas de Gales do Plaid Cymru deverão descer para cerca de 10% dos votantes galeses (de 0,6 para 0,5% no conjunto do Reino Unido) e perder um (ou, mesmo, dois) dos seus três deputados

Em Gales, o nacionalismo é bastante mais débil que na Escócia, centrando-se as exigências autonomistas mais ao nível cultural que político. Apesar disso, e “à boleia” dos escoceses, também os galeses lograram um estatuto de autonomia semelhante, embora os poderes da Assembleia de Gales sejam mais reduzidos (por exemplo, ao nível fiscal) que os do Parlamento de Edimburgo. Em contrapartida, a língua galesa (celta, tal como o gaélico irlandês e escocês, o córnico, o manês e o bretão) é co-oficial com o inglês na região, ao contrário do que sucede na região nortenha, onde o gaélico escocês está reduzido às ilhas ocidentais e a algumas áreas remotas dos Highlands. Os trabalhistas são, desde sempre, a principal força política e têm dominado o governo regional. Foram os mais votados há dois anos e deverão reforçar a sua votação, tal como os conservadores, embora sem grande aumento do número de deputados. Os principais prejudicados deverão ser os nacionalistas do Plaid Cymru, que, dos 12% dos votos em 2015, deverão descer para cerca de 10% dos votantes galeses (de 0,6 para 0,5% no conjunto do Reino Unido) e perder um (ou, mesmo, dois) dos seus três deputados.

Na Irlanda do Norte, se se confirmarem os resultados das eleições regionais antecipadas de março, tudo indica que DUP e SF deverão ter uma ligeira subida em detrimento de UUP e SDLP

Por fim, a Irlanda do Norte, sequela do passado colonial britânico na ilha vizinha, dilacerada durante anos por uma guerra sectária entre as comunidades protestante (56% da população), que defende a manutenção no Reino Unido, e católica (os outros 44%, defensores da união com a República da Irlanda). Apesar da vigência dos acordos de sexta-feira Santa, que reintroduziram a assembleia parlamentar, suspensa desde os chamados “troubles” dos anos 60 e 70, e instituíram a partilha de poder entre as duas comunidades, o voto continua a ser, essencialmente, tribal: os protestantes, a etnia privilegiada, votam nos partidos unionistas, essencialmente no DUP (direita radical) e no UUP (direita moderada); os católicos, oprimidos, nos partidos republicanos e nacionalistas irlandeses, em especial no Sinn Féin (esquerda) e no SDLP (centro-esquerda). Existem, ainda, o partido da Aliança, centrista e teoricamente interconfessional, mas que, na realidade, recolhe a maioria do seu apoio entre os protestantes moderados, e os Verdes, força política menor, mas talvez a única que, verdadeiramente, ultrapassa as linhas étnico-religiosas. Há, ainda, várias pequenas formações da extrema-direita protestante (como o TUV e o PUP) e uma nova aliança da esquerda radical, o PBP (People Before Profit), que se afirma não confessional, mas tem maior aceitação nos bairros católicos mais pobres. Se se confirmarem os resultados das eleições regionais antecipadas de março, tudo indica que DUP e SF deverão ter uma ligeira subida em detrimento de UUP e SDLP, respetivamente. Pelo já citado modelo de transferência, o UUP poderá perder os seus dois deputados, em favor de DUP (South Antrim) e SF (Fermanagh & South Tyrone). Por seu turno, o SDLP corre o risco de perder para o DUP o círculo de Belfast South e vê o SF aproximar-se nos de Foyle (cidade de Derry) e de South Down. Apesar da ameaça da líder do Alliance, Naomi Long, apostada em recuperar o lugar que perdeu em 2015, o DUP deverá manter Belfast East. Então, teremos entre oito a dez para o DUP, quatro a cinco para o Sinn Féin, dois ou três para o SDLP, zero a dois para o UUP, zero a um para o Alliance e um para a independente Silvia Harmon (protestante, ex-UUP).

Como já referimos, o nosso estudo baseia-se nas tendências das diversas sondagens. Porém, os seus resultados são, por vezes, contraditórios: nas mais recentes, a vantagem dos conservadores varia entre os 4% e os 12%. E todos estamos recordados do seu total falhanço na previsão do Brexit. Tudo dependerá da maior ou menor participação do eleitorado jovem: quanto mais alta for, melhor para os trabalhistas; se for mais baixa do que os inquéritos de opinião preveem, como sucedeu no referendo, maior será a vantagem dos conservadores.

Resta, ainda, saber se os dois atentados terroristas ocorridos durante a campanha eleitoral têm efeitos nas urnas e quais. Se o primeiro, em Manchester, encarado como (mais) um desses trágicos acontecimentos a que periodicamente estamos sujeitos e nos vamos habituando, parece ter tido pouca influência, o segundo, apesar de menos mortífero, terá tido um efeito psicologicamente mais devastador, quer pela escassa diferença temporal relativamente ao anterior, quer por visar a população no seu lazer quotidiano. Ora, essa sensação de insegurança tende a favorecer a direita, adepta de soluções mais musculadas, embora Corbyn tenha sido hábil ao atacar May, por, enquanto responsável pela pasta da Administração Interna, ter levado a efeito cortes significativos nos efetivos das forças de segurança.

Aguardemos, então, para logo à noite. E seria ótimo se as minhas previsões estivessem erradas!

Artigo de Jorge Martins para o esquerda.net

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Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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