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“Questão catalã será decisiva nos resultados eleitorais de dezembro”

Em entrevista ao esquerda.net, Esther Vivas faz o balanço do processo político resultante das eleições catalãs de setembro, que reforçou a dinâmica independentista. A investigadora catalã diz que a debilidade deste processo está na falta de um plano de choque contra a austeridade e a corrupção.
Esther Vivas entrevistada pelo esquerda.net

Esther Vivas é membro do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais na Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona. Ativista e autora de vários livros sobre as práticas alternativas ao modelo dominante de produção, distribuição e consumo alimentar ou temas relacionados com os movimentos sociais contemporâneos, Esther Vivas assina também colunas de opinião na imprensa e veio a Portugal participar como oradora numa conferência organizada pelo CIDAC sobre agricultura, alimentação e o Tratado Transatlântico (TTIP).

Como avalias o estado atual do processo político rumo à independência da Catalunha?

Neste momento a situação na Catalunha encontramo-nos numa dinâmica independentista muito forte e muito importante. Vimos nos últimos anos o auge de um movimento soberanista, que não só reivindica o direito a decidir, mas também a independência da Catalunha, um movimento independentista popular e amplo, mas com um peso muito grande da Convergencia, o partido liberal nacionalista pela autonomia, que representa um sector da burguesia catalã, que tem um peso importante na liderança institucional deste processo independentista.

Enquanto o governo e as organizações independentistas puseram o seu ênfase no governo e não no direito a decidir, isto excluiu determinados sectores sociais e sectores políticos. A debilidade, hoje, deste processo soberanista, é que é um processo que, apesar dos discursos, tende a separar o que é o caminho para a independência, da questão social. Está claro que se exige que a independência nos servirá para construir um país melhor, mas a realidade é que os sectores mais excluídos da população catalã não se sentem representados por este movimento soberanista. Com o conflito subsequente de uma certa divisão ou fragmentação entre as classes populares acerca do direito a decidir e da independência. Este processo soberanista abre hoje um espaço de ruptura para questionar outras políticas, no sentido económico e social. Mas esta independência vinculada a um país que esteja pensado para a maioria dependerá em boa parte de conseguir os apoios de uma parte  muito significativa da gente que hoje sofre com a crise. Gente  que hoje não vê este processo soberanista como sendo seu.

Qual a relação do governo de Artur Mas com o processo independentista?

Nos últimos tempos, o governo usou a questão nacional e a independência, como uma estratégia para esconder as suas políticas de cortes e as políticas neoliberais que tem aplicado nos últimos anos. Vemos como o governo de Convergencia, liderado pelo presidente Artur Mas, usou a bandeira da independência para não ter de justificar uma série de políticas que conduziram a Catalunha a um importante retrocesso social, retrocesso económico, privatizações na saúde, na educação, etc.

De facto, a aposta de Artur Mas, da Convergencia, a favor da independência, foi o que lhes permitiu sobreviver politicamente e reinventar, ou redesenhar o seu espaço político. Isto não impede o movimento soberanista de ir muito mais além desta direita hegemónica, mas há uma liderança política, por parte da direita neoliberal nacionalista, deste processo. Que tem vontade também de usar este processo para tentar tapar as suas políticas de cortes, e os casos de corrupção em que têm estado envolvidos.

Acho que o objectivo que temos pela frente, na Catalunha, é conseguir vincular este processo soberanista e esta República Catalã com as classes populares que hoje estão a sofrer as consequências da crise. E incluir nesta declaração em direção à República Catalã um plano claro de choque contra a crise, um plano claro de luta contra a corrupção que acho que são hoje os elementos que faltam nesta perspectiva política ou neste caminho em direcção à República Catalã

Isto não impede que, hoje, a reivindicação do direito a decidir e desta independência e da república catalã, desde o meu ponto de vista, permite uma ruptura com o estado espanhol e com o governo, hoje com o Partido Popular (PP) e antes com o Partido Socialista (PSOE), que nunca reconheceu o direito a decidir aos catalães. Acho que o objectivo que temos pela frente, na Catalunha, é conseguir vincular este processo soberanista e esta República Catalã com as classes populares que hoje estão a sofrer as consequências da crise. E incluir nesta declaração em direção à República Catalã um plano claro de choque contra a crise, um plano claro de luta contra a corrupção que acho que são hoje os elementos que faltam nesta perspectiva política ou neste caminho em direcção à República Catalã.

E faltam porque aos que têm um peso na direção política deste processo, da direita hegemónica, não lhes interessa. Não lhes interessa como lutar contra a corrupção, nem que se investigue e que se limpe esta corrupção do passado. Não lhes interessam políticas claras de luta ou que permitam reverter as políticas de privatização que eles mesmos geraram. Incluir estes elementos com força e clareza neste processo é o que os limita e lhes pesa do ponto de vista da mobilização social e faz com que, por exemplo, nas últimas eleições, houvesse 47% dos votos a favor de organizações independentistas, mas na verdade é uma maioria muito à justa. Precisamente porque amplos sectores populares não sentem reconhecidas as suas lutas, ou as suas problemáticas neste processo.

Apesar de uma organização como a CUP, da esquerda anticapitalista independentista, ter tido um resultado muito importante a nível dos votos e de ter hoje um peso muito significativo na hora de negociar com a candidatura de Junts pel Sí, que é a candidatura do nacionalismo catalão hegemónico. Esta candidatura anticapitalista vai ter um peso muito importante nas negociações com o Junts pel Sí e pode dar ênfase às questões sociais. Apesar disto, há uma dificuldade clara porque há uma pressão do establishment dos mass media em relação a um discurso de ruptura e de desobediência a um estado espanhol que não reconhece os direitos do povo catalão de decidir sobre o seu futuro.

Em dezembro há eleições legislativas no estado espanhol. Que mudanças poderão trazer?

Hoje, na situação de crise do regime, que se vive no estado espanhol, um dos principais elementos de crise do regime é o debate sobre o processo soberanista na Catalunha. E esta questão será um dos elementos centrais nas próximas eleições de 20 de dezembro no Estado Espanhol. Precisamente porque partidos como o PP, PSOE e agora Ciudadanos, que é um partido a emergir com muita força, e que será determinante nos resultados eleitorais de 20 de dezembro e nos pactos que se possam levar a cabo, com o PP ou o PSOE, são forças que fazem da unidade de Espanha uma bandeira. E fazem da unidade de Espanha um instrumento para terem votos, à custa do debate independentista. De tal modo, que essas organizações não reconhecem o direito democrático da Catalunha poder decidir o seu futuro, nem que seja mediante um referendo. Portanto, a questão Catalã vai ser decisiva nos resultados eleitorais do próximo dia 20 de dezembro.

Vemos um desgaste dos partidos tradicionais, do bipartidismo, mas um desgaste que apesar de tudo lhes permite sobreviver. Apesar de há alguns meses parecer que se iam dividir muito mais, por baixo de forças como o Podemos ou o Ciudadanos. O Ciudadanos é um partido que se lançou com força a partir da reivindicação da banca de que era preciso um Podemos de direita. A partir daqui, emergem a nível estatal espanhol.

Neste cenário das próximas eleições, no panorama político vemos um desgaste dos partidos tradicionais, do bipartidismo, mas um desgaste que apesar de tudo lhes permite sobreviver. Apesar de há alguns meses parecer que se iam dividir muito mais, por baixo de forças como o Podemos ou o Ciudadanos. O Ciudadanos é um partido que se lançou com força a partir da reivindicação da banca de que era preciso um Podemos de direita. A partir daqui, emergem a nível estatal espanhol.

Nestas eleições, a perspectiva é uma debilitação do bipartidismo como estão indicando todas as sondagens, um aumento importante do voto em Ciudadanos. Ciudadanos é um partido de origem catalã e que, depois do bom resultado que obteve nas eleições na Catalunha, em que ficou como segunda força política, apresenta-se como sendo o único partido capaz de parar o independentismo e o soberanismo na Catalunha.

Ao mesmo tempo, apresenta-se como um partido capaz de ser a mudança necessária, capaz de lutar contra a corrupção, de regeneração democrática, mas na verdade tudo isto é falso e é marketing político. O Ciudadanos negou-se, por exemplo, no parlamento da Catalunha, onde há vários anos tem representação política, a condenar o franquismo. Quando teve alguns casos de corrupção envolvendo o partido, destituiu os seus deputados manchados pelos escândalos, mas recolocou-os, sem a menor hesitação, em postos de assessores políticos no Parlamento Europeu. No entanto, é um partido que, apesar de se apresentar como nova política, é mais do mesmo, mas tem o apoio do establishment, da banca, do poder económico e dos meios de comunicação privados. E isto deu-lhe uma força muito importante e aos olhos de uma parte importante da sociedade apresenta-se como sendo a mudança que faz falta, mas na verdade se o Ciudadanos tiver um bom resultado, vai representar uma mudança para que nada, absolutamente nada, mude.

E na realidade o Ciudadanos é a organização que permite travar politicamente o Podemos. O Podemos saiu com força do resultado eleitoral das últimas eleições europeias, mas desde então houve uma pressão mediática muito importante para desgastar o Podemos. A banca, meses depois dos bons resultados do Podemos nas eleições europeias, disse que era necessário um Podemos de direita e curiosamente ao fim de um tempo, a nível estatal, surge o Ciudadanos, que era até então uma organização basicamente catalã. Deram o salto para os palcos das televisões espanholas, chegando a muitíssimas pessoas e visualizando-se como uma alternativa mais séria, do ponto de vista do establishment, em relação ao Podemos. E portanto o Podemos foi perdendo força, não só a nível eleitoral, mas também entre as suas bases, a partir de uma aposta muito clara na sua direcção, para uma aposta eleitoral muito forte que deixou de lado todo o trabalho de construção, de organização das suas bases.

Acho que agora, neste momento, um dos aspecto mais importantes da política no Estado Espanhol é o que chamamos as “Câmaras Municipais pela mudança”. Há uma série de Câmaras Municipais governadas por organizações políticas que significaram novos atores no panorama político, integrados por pessoas significativas de movimentos sociais, por pessoas que nunca estiveram na política ou por militantes de organizações políticas de esquerda, que configuraram novos instrumentos políticos a nível local, a nível municipal. Foram capazes de ganhar Câmaras Municipais e que estão a levar a cabo políticas que estão a significar uma aposta em lutar contra os despejos, uma aposta por lutar por uma agricultura ecológica e por outras medidas no que diz respeito à economia social e solidária. Eu acho que hoje estas “Câmaras Municipais pela mudança” são o gérmen da alternativa política no Estado Espanhol, a alternativa política do amanhã.

Entrevista | Esther Vivas | ESQUERDA.NET

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