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Pressões nada secretas

As notícias da ameaça de divulgação de detalhes da vida privada duma jornalista do Público na internet, por causa da investigação sobre as ligações entre serviços secretos, empresas e políticos, é o mais recente caso que envolve o ministro adjunto. Há poucos meses, Relvas foi acusado de mandar calar as crónicas incómodas ao presidente angolano na rádio pública.
Foto Mário Cruz/Lusa

Relvas disse aos deputados que recebe mais de duas mil mensagens sms por mês e começou por afirmar em comunicado não ter ideia de ter recebido alguma de Jorge Silva Carvalho. Mas nas declarações à Comissão, a memória do ministro avivou-se e disse lembrar-se de duas mensagens enviadas pelo ex-dirigente dos serviços secretos que foi trabalhar para a Ongoing e agora é acusado de ter passado informações dos serviços para a empresa de Nuno Vasconcellos. Segundo o semanário Sol, Silva Carvalho e Vasconcellos partilhavam as cerimónias maçónicas na loja Mozart 49, acompanhados do atual líder parlamentar laranja Luís Montenegro, o chefe de gabinete do Secretário de Estado da Presidência, Francisco Martins, o antigo deputado Agostinho Branquinho, que atualmente toma conta dos negócios da Ongoing no Brasil e outros quadros da empresa e da secreta.

Memória de Relvas traída por George W. Bush
A relação de Relvas com Silva Carvalho, na versão do ministro, seria apenas a de receptor destes sms com sugestões de nomes para nomeações nas secretas e de emails com recortes de imprensa selecionados pelos serviços de informação, que Silva Carvalho reencaminhava a alguns dos seus contactos. Mas por causa destes inocentes "clippings", o ministro entrou em contradição e o Público apanhou-a. O comunicado do Conselho de Redação diz que Relvas ameaçou o jornal com uma queixa na Entidade Reguladora da Comunicação, um blackout total do Governo, para além da divulgação na internet de dados da vida privada da jornalista. Tudo porque Maria José Oliveira lhe perguntou a razão de ter dito na Comissão Parlamentar que só conheceu Silva Carvalho depois de 2010, quando também afirmou recordar-se que o primeiro clipping que recebeu trazia uma notícia da Reuters sobre a viagem de Bush ao Mexico. Qual a contradição? Essa notícia foi publicada três anos antes da data em que o ministro diz ter conhecido o ex-espião entretanto apanhado numa busca domiciliária com a listagem dos nomes dos espiões portugueses no estrangeiro. A diferença de datas revelaria uma relação bem mais antiga, do tempo em que Miguel Relvas operava negócios no Brasil quando era deputado do PSD.

Apesar de não ter sequer completado um ano de mandato, esta não é a primeira que Miguel Relvas é acusado por jornalistas de tentativas de silenciamento. Logo após ter tomado posse, o jornalista Pedro Rosa Mendes, então correspondente da Lusa em Paris,  acusou o ministro de ter "expressamente pedido" ao presidente da agência de notícias o encerramento da delegação, duas semanas depois de ter sido convidado a renovar o contrato por dois anos. Em declarações ao semanário Expresso, o presidente da Lusa alegou razões de contenção de custos.

"Reencontro" em Angola marca o fim de "Este Tempo"
Alguns meses depois, Rosa Mendes voltou a acusar Miguel Relvas de ser o autor da suspensão do seu espaço de crónicas na Antena 1. Relvas tinha promovido pouco antes uma emissão especial da RTP em Angola, intitulada "Reencontro"  e apresentada por Fátima Campos Ferreira com a presença de empresários e figuras ligadas ao regime de Luanda, para além do próprio Relvas. Não era segredo para ninguém o interesse dos angolanos pela aquisição do canal da RTP que Relvas prometeu privatizar, e nos meios técnicos de pós-produção e restauro da Tobis Portuguesa, que entretanto adquiriram. Por isso caiu muito mal junto do ministro e da elite próxima de Eduardo dos Santos a crítica impiedosa que Rosa Mendes fez ao programa aos microfones da Antena 1: "A nossa televisão foi a Luanda socializar com os apparatchiks do regime", acusou o jornalista naquela que seria a sua última crónica na estação, arrastando com ele os restantes cronistas da rubrica "Este Tempo" - Raquel Freire, António Granado, Gonçalo Cadilhe e Rita Matos. O caso culminaria com a demissão da direção de informação da RDP e a recusa do diretor da estação, Luís Marinho, em admitir terem existido pressões de Relvas.

Todos os intervenientes neste caso passaram pela Comissão Parlamentar, mas o noticiário da RTP apenas transmitiu a versão do seu director, omitindo imagens dos depoimentos do ex-adjunto da direção de informação da RDP, Ricardo Alexandre, e do Provedor da RDP, Mário Figueiredo, que sustentavam a versão contrária.

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