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Presidenciais em Chipre: Reeleição de Anastasiades mantém o país na encruzilhada

Com o resultado das presidenciais de 2018, pouco mudará, quer no que respeita à continuação das políticas austeritárias, quer na resolução do chamado “problema cipriota”. Por Jorge Martins.
A segunda volta das Presidenciais do Chipre decorreu em 4 de fevereiro e foi eleito presidente Nikos Anastasiades do partido conservador DISY e do PPE
A segunda volta das Presidenciais do Chipre decorreu em 4 de fevereiro e foi eleito presidente Nikos Anastasiades do partido conservador DISY e do PPE

O presidente Nikos Anastasiades, do partido conservador DISY, foi, no passado dia 4, reeleito presidente da República de Chipre, ao obter, na 2ª volta das eleições presidenciais, 56% dos votos, contra 44% de Stavros Malas, candidato apoiado pelo partido comunista (AKEL).

Com este resultado, pouco mudará, quer no que respeita à continuação das políticas austeritárias, quer na resolução do chamado “problema cipriota”, isto é, a divisão da ilha entre a República de Chipre (a única reconhecida internacionalmente) e a autodenominada República Turca do Norte de Chipre (apenas reconhecida pela Turquia).

Esta eleição é crucial para a definição das políticas do país, já que Chipre é o único estado membro da UE cujo regime é presidencialista. Uma originalidade que radica na conturbada História recente do país.

Situada a sul da Anatólia, relativamente próxima da costa meridional turca e também do Médio Oriente, mas habitada, maioritariamente, por uma população de origem grega, a ilha foi ocupada, no séc. XVI, pelo Império Otomano, que a administrou até 1878.

Colónia da Coroa Britânica

A fraqueza deste, expressa nas suas sucessivas derrotas nos Balcãs, levaram-no a alugar a ilha aos britânicos, que ficaram encarregados da sua administração, embora os otomanos mantivessem a posse do território. O Império Britânico, então a maior potência naval do mundo, pretendia controlar todos os pontos estratégicos nos principais oceanos e mares e Chipre, pela sua proximidade ao Canal de Suez, era um deles.

Com a 1ª guerra mundial, britânicos e otomanos entraram no conflito em lados opostos, pelo que os primeiros se apressaram a proclamar a sua soberania sobre a ilha, que, em 1925, viria a ser declarada colónia da Coroa Britânica.

Se, no início, os cipriotas gregos saudaram a passagem para o domínio britânico, que viam como um poder evoluído, democrático e cristão, ao invés do otomano, arcaico, autocrático e muçulmano, depressa se desiludiram. As autoridades coloniais mantinham todo o poder e os autóctones continuavam a ser cidadãos de segunda. Daí que uma parte significativa das elites cipriotas gregas, com destaque para a poderosa Igreja Ortodoxa, começasse a desejar a “enosis”, isto é, a união com a Grécia, que consideravam a sua pátria-mãe.

Enosis

Em 1931, estalou uma revolta anticolonial, duramente reprimida pelos britânicos, que proibiram os partidos políticos e sindicatos e passaram a nomear as autoridades locais. Este regime ditatorial durou até à 2ª guerra mundial. Nesta, numerosos cipriotas (gregos e turcos) combateram integrados nas fileiras britânicas.

Manifestação cipriota em 1930 em favor da Enosis – Foto wikimedia
Manifestação cipriota em 1930 a favor da Enosis – Foto wikimedia

Após o fim do conflito, o Reino Unido propôs um regime de autonomia para o território, acompanhado de um programa de desenvolvimento económico e social, mas tal foi rejeitado pelos cipriotas gregos. Considerando que Chipre constituía um problema colonial, estes, com o apoio do governo helénico, apresentaram na ONU, através do arcebispo Makarios III, o mais alto dignitário da Igreja Ortodoxa na ilha e líder político da comunidade, uma proposta de autodeterminação. O cálculo era óbvio: como a maioria da população era cipriota grega e adepta da enosis, qualquer referendo teria como resultado a legitimação daquela. Contudo, os cipriotas turcos opuseram-se e os britânicos não cederam, apesar das pressões internacionais nesse sentido. Os primeiros temiam que lhes acontecesse o mesmo que aos seus compatriotas que viviam em Creta, forçados a abandonar aquela ilha quando, no início do sec XX, ela fora integrada na Grécia; os segundos pretendiam manter as suas bases militares aí estacionadas, agora que o Egito se tornara independente e, com Nasser, hostil ao ocidente.

Perante a intransigência britânica, o movimento nacionalista cipriota grego radicalizou-se. Em 1955, foi criada a organização guerrilheira EOKA (Ethniki Organosis Kyprion Agoniston, que significa Organização Nacional dos Combatentes Cipriotas), tendo como chefe militar o coronel Giorgos Grivas. Cipriota de nascimento, foi oficial do exército grego. Ferozmente anticomunista, fizera parte de um pequeno grupo nacionalista (a Organização X), que, durante a ocupação, se afirmava de resistência, mas combatia mais os resistentes de esquerda que os nazis, havendo, mesmo, fortes suspeitas de colaboração com os ocupantes. Após a libertação, foi um dos principais comandantes das tropas monárquicas, que derrotaram os comunistas na guerra civil grega de 1946-49. Em breve, a EOKA passou à luta armada, tendo como alvo as instituições e os militares britânicos, bem como as forças policiais. O Reino Unido decretou o estado de emergência e levou Makarios e outros políticos e clérigos favoráveis à enosis para um exílio-prisão nas Seychelles. Um ano depois, libertou-os, mas impediu-os de regressar a Chipre, pelo que continuaram exilados, agora em Atenas.

Violência intercomunitária

Entretanto, os elementos cipriotas gregos integrados na polícia ou desertavam ou passavam informações aos guerrilheiros. Numa estratégia de “dividir para reinar”, o poder colonial decide substitui-los por cipriotas turcos, jogando com a rivalidade entre as duas comunidades. Esta decisão deu início a uma espiral de violência intercomunitária que não mais pararia. Em resposta, a EOKA passou a visar, igualmente, a comunidade turca nos seus atentados. Esta, por seu turno, criou uma organização de autodefesa, a TMT (Türk Mukavemet Teşkilatı, ou seja, Organização de Resistência Turca), igualmente responsável por atos de violência contra a comunidade grega. Se, até aí, os dirigentes cipriotas turcos apoiavam a continuação da administração britânica, passaram, a partir de então, a defender a “taksim”, isto é, a partição da ilha entre turcos (que ficariam com o norte, mais próximo da Anatólia) e gregos (que dominariam o sul).

Acordos de Londres e Zurique

Para pôr fim à violência, os britânicos convocam uma conferência, em fevereiro de 1959, para definir o futuro da ilha. Esta teve início em Zurique, com a presença do Reino Unido, da Grécia, da Turquia e de representantes das duas comunidades do território e terminou com um acordo, assinado poucos dias depois, em Londres, que garantia a independência de Chipre como um estado unitário bicomunitário. Foi aprovada a Constituição da República de Chipre assinados três tratados: o de Estabelecimento, que permitia ao Reino Unido manter como território britânico as bases militares de Akrotiri (perto de Limassol) e de Dhekelia (entre Larnaka e Famagusta); o de Garantia, entre o Reino Unido, a Grécia e a Turquia, em que os três países se comprometiam a impedir tanto a enosis como a taksim, reservando-se o direito de intervir para repor a ordem constitucional, caso esta fosse violada, e o de Aliança, entre Chipre, Grécia e Turquia, em que gregos e turcos seriam autorizados a manter, cada qual, uma pequena guarnição militar na ilha (na proporção 2:1), com um quartel-general tripartido, e a formar a futura Guarda Nacional cipriota.

Acordo assinado em fevereiro de 1959 por Makarios, presidente do Chipre, Constantinos Karamanlis, primeiro-ministro da Grécia, e Adnan Menderes, primeiro-ministro da Turquia
Acordo assinado em fevereiro de 1959 por Makarios, presidente do Chipre, Constantinos Karamanlis, primeiro-ministro da Grécia, e Adnan Menderes, primeiro-ministro da Turquia

A Constituição consagrava um regime presidencialista, em que o presidente (obrigatoriamente um cipriota grego) e o vice-presidente (obrigatoriamente um cipriota turco), eleitos pelas respetivas comunidades, por sufrágio direto e universal, para um mandato de cinco anos, eram chefes do executivo e ambos tinham direito de veto sobre a legislação parlamentar e governamental. O governo teria sete ministros da comunidade grega (escolhidos pelo primeiro) e três da turca (nomeados pelo segundo e onde seria obrigatório um deles ter a seu cargo uma destas três pastas: negócios estrangeiros, defesa ou finanças). Por seu turno, o Parlamento, designado por Câmara dos Representantes, com 50 lugares, seria igualmente constituído por 70% de deputados cipriota gregos e 30% de cipriota turcos (mais tarde, a lei estabeleceria 80 deputados, cabendo 56 para os primeiros e 24 para os segundos), eleitos também numa base comunitária, para um mesmo período de cinco anos. Qualquer revisão constitucional só se tornaria efetiva se fosse aprovada por 2/3 dos parlamentares de cada uma das comunidades, enquanto alterações referentes à lei eleitoral, às divisões administrativas e à fiscalidade necessitavam de uma maioria simples tanto entre gregos como turcos. Existiriam, ainda, duas Câmaras Comunais (uma para cada comunidade, eleitas diretamente pelos seus cidadãos), que funcionariam como uma espécie de Câmaras Altas: teriam poderes exclusivos em matéria de educação, cultura, religião e apoio a associações recreativas, culturais, desportivas e de assistência social, bem como a cooperativas do respetivo grupo étnico. Podiam, ainda, cobrar taxas e tarifas aos seus cidadãos. Já o Supremo Tribunal Constitucional seria composto por um juiz de cada uma das comunidades, sendo o respetivo presidente um magistrado estrangeiro (mas nem grego, nem turco, nem britânico) de reconhecido prestígio. O mesmo critério se aplicaria à nomeação do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que, além deste, incluiria dois juízes da comunidade grega e um da turca. Os altos cargos (Procurador-Geral da República, Fiscal-Geral do Estado e Governador do Banco Central) seriam bicéfalos, com o respetivo titular e o seu adjunto a serem, obrigatoriamente, de comunidades diferentes, o mesmo se passando com as chefias militares e policiais. Para as primeiras, tal como para a administração pública, eram, ainda, exigidas quotas de 70% de gregos e 30% de turcos, enquanto para as segundas a proporção era de 60%-40%, respetivamente. Todas as nomeações seriam da responsabilidade conjunta do presidente e vice-presidente da República, mas, em caso de desacordo, prevaleceria a posição daquele a cuja comunidade pertencesse o nomeado. Admitia, também, a criação de municípios separados para a comunidade turca nas cinco maiores cidades do país (Nicósia, Limassol, Larnaka, Famagusta e Paphos), com a eleição de dois conselhos municipais independentes. Cada um destes elegeria, por sua vez, dois membros para um conselho de coordenação intermunicipal, que se encarregaria das tarefas que exigiam um tratamento conjunto, e cujo presidente seria cooptado por acordo entre os restantes quatro. Entretanto, consagrava o grego e o turco como línguas oficiais, uma bandeira neutra e chegava ao ponto de instituir um mínimo de 75 horas por semana de emissões televisivas e radiofónicas em língua turca. Por fim, proibia expressamente tanto a enosis como a taksim.

Independência e Makarios presidente

Em dezembro de 1959, Makarios foi eleito presidente, obtendo cerca de 2/3 dos votos da comunidade grega. Simultaneamente, a comunidade turca escolheu para vice-presidente Fazıl Küçük, que chefiara a sua delegação nas negociações.

Arcebispo Makarios, presidente do Chipre eleito em 1959
Arcebispo Makarios, presidente do Chipre eleito em 1959

A independência foi aprazada para 16 de agosto de 1960, data em que a Constituição e os tratados anexos entraram em vigor. Contudo, apesar das boas intenções dos autores do texto constitucional, que procuraram garantir um mínimo denominador comum entre as duas comunidades, a verdade é que os acordos de Zurique e Londres não agradaram a grande parte dos cipriotas gregos, já que afastavam a sua aspiração à enosis e garantiam à Turquia a possibilidade de intervir nos assuntos de Chipre. Aqueles, que representavam, então, cerca de 82% da população da ilha, queixavam-se que a Constituição protegia demasiado a minoria turca, que constituía os restantes 18%. Criticavam, em especial, a sobre representação dos cipriotas turcos nas instituições do Estado e na administração pública, que consideravam injusta para os cidadãos da sua comunidade. Alegadamente, Makarios só terá assinado os acordos devido à intensa pressão que os primeiros-ministros britânico, Harold MacMillan, e grego, Konstantinos Karamanlis, sobre ele exerceram. Pela parte turca, a reação foi mais positiva, mas os radicais continuavam desconfiados das intenções do lado grego e lamentavam a proibição da taksim. A falta de confiança entre as duas comunidades e, em particular, os seus dirigentes teve como consequência a paralisia das instituições, já que os equilíbrios constitucionais se tornaram, na realidade, mecanismos de bloqueio, que impediam a tomada de decisões importantes quando se chocavam os interesses das duas comunidades.

No final de 1963, Makarios propõe uma série de emendas constitucionais que limitavam as rígidas linhas étnicas definidas nos acordos de Zurique e Londres. Os dirigentes da comunidade turca consideram que elas restringiam os direitos e a representação que a Constituição lhes garantia e opõem-se. A tensão interétnica cresce e, no dia 21 de dezembro, ocorrem, por toda a ilha, atos de violência que provocam numerosas vítimas, em especial entre os cipriotas turcos. Muitos deles são obrigados a fugir das áreas maioritariamente habitadas por gregos e refugiam-se em povoações onde a maioria da população é turca, as quais, a partir de então, passam a constituir verdadeiros enclaves. Ainda hoje não é clara a responsabilidade pelos incidentes: os turcos acusam os gregos de terem organizado uma campanha de terror contra a sua comunidade, que conduzisse ao seu abandono da ilha, de forma a facilitar a enosis; já os segundos consideram que os primeiros organizaram provocações que conduziram à violência para se vitimizarem e justificarem a necessidade da taksim. Dois dias depois, o vice-presidente demite-se, no que é seguido pelos deputados e por todos os representantes da comunidade turca nos altos cargos do Estado. A partir daí, apesar de, formalmente, continuar em vigor, a Constituição de 1960 tornou-se, em grande parte, letra morta, já que todo o aparelho de Estado ficou nas mãos da comunidade grega, deixando vagos os lugares reservados aos turcos. Um desenvolvimento significativo foi a Guarda Nacional, embrião das forças armadas cipriotas, passar a ser constituída apenas por cipriotas gregos, liderados por Grivas, entretanto promovido a general. Para pôr fim à violência, a ONU enviou uma força de “capacetes azuis” para Chipre.

Se Makarios era ideologicamente conservador, praticou, no entanto, uma política internacional relativamente progressista, participando, de forma destacada, no Movimento dos Não Alinhados, que defendia os interesses dos novos países independentes do então chamado “3º mundo” e a neutralidade no conflito da “guerra fria”. Talvez o contacto com alguns líderes progressistas mundiais explique, em parte, a sua inflexão política, já que, progressivamente, o arcebispo-presidente deixa cair a ideia da enosis e passa a abraçar a causa da independência cipriota nos termos constitucionais. Esta sua mudança de posição acentua-se com o golpe militar de abril de 1967, na Grécia, que Makarios repudia. Tal atitude vai valer-lhe a hostilidade da chamada “junta dos coronéis”. Nesse mesmo ano, a morte de vários cipriotas turcos pela Guarda Nacional origina um ultimato da Turquia, que ameaça intervir militarmente caso Grivas não abandone a ilha. O arcebispo cede e o general vai para Atenas.

Entretanto, a partir da capital grega, e com o apoio da junta militar, este último começa a conspirar contra Makarios, que considera um traidor por ter abandonado a defesa da união com a Grécia. Em 1971, Grivas regressa a Chipre e forma um movimento terrorista, com o objetivo de depor o presidente e forçar a enosis. Designa-o por EOKA-B, procurando fazer crer que se trata da continuação do movimento de libertação nacional dos anos 50. Mas, na verdade, os seus apoios são limitados aos setores ultranacionalistas da comunidade grega. Apesar de tudo, a organização instaura um clima de terror, visando não apenas os cipriotas turcos, mas também o presidente e seus apoiantes. Makarios é, então, vítima de quatro tentativas de assassinato. Ao mesmo tempo, alguns simpatizantes do grupo vão infiltrando a Guarda Nacional.

A morte de Grivas, vítima de ataque cardíaco, em janeiro de 1974, parecia significar o atenuar da violência e o arcebispo-presidente, num gesto de boa vontade, decreta uma amnistia aos combatentes da EOKA-B que renunciem à luta armada. Mas, sem o prestígio do general, rapidamente o movimento se torna uma marioneta da junta militar grega. Em novembro do ano anterior, esta passara a ser liderada, na sombra, pelo sinistro brigadeiro Dimitrios Ioannidis, responsável pelo massacre de dezenas de estudantes em greve e seus apoiantes civis na Escola Politécnica de Atenas. O regime militar tornara-se cada vez mais impopular, enfrentando uma crescente resistência, apesar da feroz repressão exercida sobre os opositores. Por isso, a concretização da enosis era, para os governantes militares gregos de então, uma forma de obter popularidade, algo de que nunca gozaram.

Golpe de Estado e invasão turca

No dia 15 de julho de 1974, um grupo de oficiais da Guarda Nacional depõe Makarios
No dia 15 de julho de 1974, um grupo de oficiais da Guarda Nacional depõe Makarios

No dia 15 de julho de 1974, um grupo de oficiais da Guarda Nacional, que incluía gregos apoiantes da junta militar e cipriotas simpatizantes da EOKA-B, depõe Makarios e coloca na presidência Nikos Sampson, um feroz apoiante da enosis. Este antigo combatente da EOKA e diretor de um jornal de extrema-direita fora autor de vários assassinatos de cipriotas turcos nos incidentes de 1963, pelo que a sua chegada ao poder provocou alarme no seio daquela comunidade, que pede a proteção das forças da ONU destacadas na ilha. O golpe foi rapidamente aplaudido por Atenas, que reconheceu de imediato o novo regime, a autodenominada República Helénica de Chipre, destinava a ser anexada pela Grécia. A Turquia reagiu rapidamente e o seu primeiro-ministro, Bülent Ecevit, propôs ao Reino Unido uma intervenção militar conjunta, ao abrigo do Tratado de Garantia, mas os britânicos, a braços com uma grave crise política, económica e social, declinaram. No dia 20, tropas turcas invadem Chipre, invocando aquele tratado, e ocupam uma pequena parte do norte da ilha. Três dias depois, incapaz de reagir, a junta militar grega abandona o poder, que entrega ao ex-primeiro-ministro conservador, Konstantinos Karamanlis. Nesse mesmo dia, Nikos Sampson deixa a presidência cipriota, sendo substituído, interinamente, pelo presidente do Parlamento, Glafkos Klerides. Por iniciativa britânica, realizam-se, em Genebra, conversações de paz, que terminam em impasse. Em 14 de agosto, novas forças militares turcas invadem o território cipriota e avançam pela sua zona setentrional e oriental, perante a débil resistência da pequena guarnição grega e da Guarda Nacional. Quando a ONU consegue um acordo de cessar-fogo, já as tropas turcas controlam 36% da ilha. Nessa parte do território, é instalada uma autodenominada Administração Autónoma Cipriota Turca, presidida por Rauf Denktaş, um membro da direita nacionalista turcófona, que fora um dos fundadores da TMT e sempre advogara a taksim. A divisão do país fica consumada, com o norte e leste da ilha sob domínio cipriota turco e o sul e oeste sob autoridade do governo de Chipre. A separar as duas áreas, fica uma zona desmilitarizada, controlada pelos “capacetes azuis” da ONU, que passa pelo meio da capital, Nicósia, igualmente dividida, através da chamada “linha verde”. Em consequência, entre 150 e 200 mil cipriotas gregos que viviam na região setentrional foram expulsos ou fugiram para o sul. Meio ano depois, os cerca de 50 mil cipriotas turcos residentes na zona meridional foram deslocados para o norte. Progressivamente, milhares de colonos vindos da Anatólia começam a instalar-se no norte da ilha.

Entretanto, Makarios, que fugira para Londres, regressou à presidência em novembro, cargo em que se manteria até à sua morte, em 1977. Em março de 1975, a ONU condenou a intervenção turca, pois, mesmo à luz do Tratado de Garantia, ela apenas poderia ter como objetivo o restabelecimento da legalidade constitucional e nunca a partição da ilha, que a Constituição expressamente proibia. Daí que o Conselho de Segurança tenha considerado o governo do arcebispo como o único legítimo de Chipre.

Em 1983, a Assembleia cipriota turca proclama a independência do território ocupado, com a designação de República Turca do Norte de Chipre (RTNC). Tal declaração foi declarada inválida pela ONU e só a Turquia reconheceu o autoproclamado Estado.

Adesão à UE

O “status quo” foi-se mantendo sem avanços significativos até 1997, quando a União Europeia aceitou a candidatura de Chipre à adesão. Numa altura em que a UE ainda possuía um grande poder de atração, em especial nos países do leste e sul do continente, que viam nela uma oportunidade para o seu desenvolvimento, a possibilidade de adesão levou alguns setores de ambos os lados da ilha a encarar a possibilidade de resolver pacificamente a disputa. Em 1999, o Conselho de Segurança da ONU insta o secretário-geral de então, Kofi Annan, a promover um encontro entre os líderes das duas comunidades, pretensão a que estes só viriam a aceder em 2001. O diplomata ganês elabora, então, uma proposta para a resolução do conflito. As negociações prosseguiram com altos e baixos e só à quinta versão o Plano Annan foi aprovado pelos dirigentes cipriotas gregos e turcos. Para o efeito, muito contribuiu a alteração política no seio da entidade turca, quando, em 2003, Mehmet Ali Talat, à frente de uma coligação de partidos moderados, venceu as eleições legislativas e se tornou primeiro-ministro. Apesar de se ter aliado à formação política liderada pelo filho do presidente Rauf Denktaş, que se mantinha firme na defesa da independência da RTNC, Talat conseguiu garantir o apoio parlamentar à proposta de Annan. Em contrapartida, do lado grego, o presidente Glafkos Klerides, fervoroso defensor do plano, foi substituído pelo mais intransigente Tassos Papadopoulos, que defendia a reposição do estado unitário cipriota.

Assinatura do tratado de adesão à UE, por Tassos Papadopoulos, presidente (esquerda) e George Iacovou (ministro dos Negócios Estrangeiros)
Assinatura do tratado de adesão à UE, por Tassos Papadopoulos, presidente (esquerda) e George Iacovou (ministro dos Negócios Estrangeiros) - 2003

A proposta de Kofi Annan propunha a criação de uma federação bicomunitária, constituída por dois Estados - o Estado Cipriota Grego (que ocuparia 71,5% da superfície da ilha) e o Estado Cipriota Turco (que ficaria com os restantes 28,5%) – denominada República Unida de Chipre. Assim, os cipriotas gregos recuperariam algum território, entre os quais a cidade de Famagusta. Haveria uma Constituição federal e cada um dos estados teria, igualmente, o seu próprio texto constitucional. Inspirado no modelo suíço, propunha a existência de um Conselho Presidencial, eleito pelo Parlamento e composto por seis elementos com direito a voto e três apenas com funções executivas, em proporção ao efetivo proporcional de cada comunidade (o que significaria quatro gregos e dois turcos nos primeiros e dois e um, respetivamente, nos segundos). O seu mandato seria de cinco anos e teria como função eleger, de entre os seus membros, o presidente e o vice-presidente, um de cada comunidade, que alternariam nesses cargos a cada 20 meses. Por seu turno, haveria um Parlamento bicameral: ambas as câmaras teriam 48 membros, mas enquanto a composição étnica da Câmara dos Representantes seria proporcional ao peso demográfico das duas comunidades (embora nenhuma pudesse ter menos de 12), o Senado seria paritário, sendo constituído por 24 de ambas. Por sua vez, o Supremo Tribunal teria igual número de juízes gregos e turcos e mais três magistrados estrangeiros, escolhidos pelo Conselho Presidencial. Era proposta uma nova bandeira, seria criado um novo hino e estabelecida uma Comissão de Reconciliação, segundo o modelo sul-africano. Mas as questões mais controversas diziam respeito às limitações ao direito de retorno dos cipriotas gregos às propriedades perdidas em 1974 e a autorização para a presença, mesmo que gradualmente reduzida, de tropas turcas e gregas na ilha, a par com a dissolução da Guarda Nacional.

Apesar de tudo, ambas as partes aceitaram submeter a proposta a referendos separados, a realizar simultaneamente em 24 de abril de 2004, exatamente uma semana antes da data prevista para a adesão do país à UE. Para que ela fosse adotada, era necessário que ambas as comunidades a aprovassem.

Porém, por pressão grega, que ameaçara bloquear o alargamento aos restantes nove países candidatos se Chipre ficasse de fora, a UE toma uma decisão absurda, ao arrepio de qualquer bom senso: a adesão cipriota não estaria dependente do resultado da votação. Assim, se o Plano Annan fosse aprovado, todo o território se tornaria membro da UE; se fosse rejeitado por qualquer uma das partes, a adesão aplicar-se-ia igualmente, de jure, a todo o país, mas, de facto, apenas a parte grega, submetida ao governo da República de Chipre internacionalmente reconhecido, entraria, ficando a parte turca à espera da reunificação. Dessa forma, enquanto os cipriotas turcos sabiam que tinham de votar “sim” para poderem integrar a UE, os seus homólogos gregos poderiam votar “não” sem que isso implicasse a rejeição da sua adesão. Neste quadro, o desfecho da consulta não surpreendeu: com uma alta participação de ambos os lados (89% do lado grego e 87% do turco), os primeiros rejeitaram massivamente a proposta (24% a favor e 76% contra), enquanto os segundos a aprovaram (65% favoráveis e 35% contrários). Com efeito, para os cipriotas turcos, a reunificação e consequente adesão à UE era vista como uma oportunidade de melhorar a sua situação económica, quer pelo acesso aos fundos europeus quer pelo fim do isolamento internacional, e de reduzirem a sua dependência face à Turquia, para além de as garantias constitucionais e legais previstas no Plano serem consideradas suficientes pela maioria da comunidade. Ao invés, para os cipriotas gregos, o facto de não poderem recuperar as propriedades perdidas e de as indemnizações serem limitadas e pagas pelo tesouro nacional (ou seja, maioritariamente pelos cidadãos da sua comunidade) e não pela Turquia, o não prever o repatriamento dos imigrantes turcos que se instalaram no norte após a invasão, o fim da Guarda Nacional e a presença perpétua de tropas turcas no país, a sobre representação da comunidade turca nas instituições e o facto de, com a adesão à UE, ser a região turca, muito mais pobre, a beneficiar da maior parte dos fundos europeus foram algumas das razões apontadas para a sua rejeição do Plano Annan. Logo, com a sua decisão, a UE acabou por beneficiar o “infrator”.

Vitória do Akel e federação bicomunitária

A partir daí, as negociações só foram retomadas em 2008, após a histórica vitória do comunista Dimitris Christofias nas presidenciais desse ano. Em fevereiro de 2014, o seu sucessor, Nikos Anastasiades, e o presidente da RTNC, Derviş Eroğlu, assinaram uma declaração conjunta, cujas bases assentam na essência da proposta de Annan: uma federação bicomunitária, constituída por dois Estados federados. Mas, em outubro desso mesmo ano, um conflito sobre a soberania das águas territoriais da ilha (que se crê serem ricas em gás natural) levaram à interrupção das negociações, pelo que o impasse continua.

Dimitris Christofias
Dimitris Christofias, do AKEL, venceu as eleições presidenciais de 2008

Não será por acaso que falámos muito da disputa intercomunitária e quase nada das questões económico-sociais e políticas a elas associadas e que afetam a sociedade cipriota. Na verdade, a situação de conflito entre as comunidades grega e turca foi a forma de as elites de ambas fazerem face a um movimento laboral e sindical robusto, expresso na existência de um dos mais fortes partidos comunistas do mundo ocidental. Na verdade, o AKEL (Anorthotikó Kómma Ergazómenou Laoú, que se traduz por Partido Progressista do Povo Trabalhador) teve quase sempre votações entre os 30% e os 35% e só por duas vezes (em 1985 e em 2016) se quedou entre os 25 e os 30%. Foi o partido mais votado em 1970, 1981, 2001 e 2006 e a segunda força política nos restantes atos eleitorais, exceto em 1985, quando foi terceiro. Contudo, apenas entre 2008 e 2013 deteve a presidência.

 

Antes da independência e até aos anos 70, Chipre era um país pobre, essencialmente exportador de produtos minerais. A partir daí, começa a exportar produtos manufaturados, o que se traduz no crescimento da classe média e na melhoria das condições de vida de grande parte da população. Apesar de os acontecimentos de 1974 terem provocado uma recessão económica, a zona grega recupera e experimenta um rápido crescimento económico. Contudo, este deve-se, fundamentalmente, a uma economia baseada no turismo, na construção e nos serviços financeiros, que beneficiam do estatuto do país como “paraíso fiscal”. No início deste século, passou a ser conhecido como a “lavandaria” dos oligarcas russos.

Com a impropriamente designada crise “das dívidas soberanas”, que afetou de sobremaneira a Grécia, assistiu-se, em 2012, ao colapso da banca cipriota. Chipre teve, então, de pedir um resgate financeiro à “troika”, que impôs restrições ao levantamento dos depósitos e à circulação de capitais, a par com as habituais políticas de austeridade e a exigência das famigeradas “reformas estruturais”. O presidente Christofias, já fragilizado pela acusação de negligência do seu executivo na explosão ocorrida numa base militar no ano anterior, viu a sua impopularidade crescer e decidiu não se recandidatar em 2013. Assim, Nikos Anastasiades, do conservador DISY (Dimokratikós Sinagermós ou União Democrática) venceu as eleições, derrotando Stavros Malas, apoiado pelo AKEL, num duelo que viriam a reproduzir este ano, com desfecho semelhante. A desilusão com Christofias foi a causa de os comunistas terem obtido, nas legislativas de 2016, o seu pior resultado eleitoral de sempre, com 25,7% dos votos, apesar de ter sido Anastasiades a assinar o memorando e a aplicar as políticas da “troika”.

1ª volta das Eleições presidenciais de 2018

Nikos Anastasiades, do partido conservador DISY e do PPE (Partido Popular Europeu), foi reeleito presidente da República de Chipre, no passado dia 4 de fevereiro
Nikos Anastasiades, do partido conservador DISY e do PPE (Partido Popular Europeu), foi reeleito presidente da República de Chipre, no passado dia 4 de fevereiro

Na 1ª volta das presidenciais deste ano, Anastasiades obteve 35,5% dos votos, um recuo face aos 45,5% de há quatro anos. Porém, os 56% na ronda decisiva ficaram próximos dos 57,5% de então. O seu partido, o DISY, é uma força política liberal-conservadora e democrata-cristã, que representa os interesses do mundo dos negócios e de grande parte das elites cipriotas gregas mais abertas ao exterior. É abertamente pró-ocidental (apoia as orientações da UE e é favorável à adesão à NATO) e defende as políticas austeritárias impostas pela “troika”, bem como o estatuto do país como “paraíso fiscal”. Tem, porém, uma posição de abertura face ao conflito intercomunitário: é favorável ao diálogo com a parte turca e aceita a ideia de uma federação. A esta posição não é estranho o interesse da grande burguesia cipriota em alargar o mercado e a explorar o gás recém-descoberto nas águas territoriais da ilha. Contudo, o partido possui uma fação nacionalista (parte da qual, entretanto, o abandonou), em especial entre o eleitorado rural, pelo que, apesar de a cúpula do partido ter apoiado o Plano Annan, ele foi rejeitado por cerca de 60% dos seus eleitores.

Stavros Malas, candidato apoiado pelo AKEL, obteve 44% na segunda volta das eleições presidenciais de 2018 no Chipre
Stavros Malas, candidato apoiado pelo AKEL, obteve 44% na segunda volta das eleições presidenciais de 2018 no Chipre

Por sua vez, Stavros Malas, candidato apoiado pelo AKEL, ficou-se, no 1º turno, pelos 30,2% dos votos, uma subida face aos 26,9% de 2013. Contudo, na 2ª volta, os 44% representam um avanço modesto face aos 42,5% de há quatro anos. Bastante implantados entre as massas trabalhadoras e no movimento sindical, os comunistas são abertamente contra a austeridade e defendem o reforço do Estado Social e do investimento público e opõem-se às privatizações das empresas e dos serviços públicos e à redução dos direitos laborais. A questão nacional sempre foi incómoda para o partido, muito forte no seio da comunidade grega, mas com fraca implantação entre a turca. Nos anos 50, defendeu a enosis, mas opôs-se à violência da EOKA. Acusados por esta de colaboracionistas, vários dos seus militantes foram por ela assassinados, o mesmo acontecendo, na década seguinte, à maioria dos seus dirigentes cipriotas turcos, mortos pela TMT sob idêntico pretexto. Em meados dos anos 60, passou a apoiar Makarios e a defender independência da ilha, seguindo a posição soviética, que se opunha à enosis, por esta implicar a entrada automática de Chipre na NATO. Nos anos 90, abandonou a sua orientação ortodoxa e aproximou-se da esquerda radical. Apesar de, inicialmente, ter defendido o Plano Annan, acabou, por pressão das bases, por apelar à sua rejeição, a pretexto de haver pouco tempo para discutir o documento. Atualmente, defende um diálogo com a comunidade turca, que conduza a um Estado federal não alinhado e desmilitarizado, o que implica a saída das tropas turcas e gregas e o encerramento das bases britânicas. Assim, na campanha, Malas defendeu, abertamente, o objetivo de reunificar a ilha nessa perspetiva.

Em terceiro lugar, ficou Nikolas Papadopoulos, dos centristas do DIKO (Dimokratikó Kómma, ou seja, Partido Democrático), com 25,7% dos sufrágios. Este é o partido das elites mais nacionalistas e da classe média, sendo, do ponto de vista económico, partidário de um capitalismo de rosto mais humano que o defendido pelos liberal-conservadores. Daí que, apesar de ser considerado de centro ou, mesmo, de centro-direita, tenha, nesta legislatura, integrado o grupo socialista no Parlamento Europeu. Tem funcionado, geralmente, como “king maker”, ora se coligando com o DISY, ora com o AKEL. Porém, mantem uma posição de grande intransigência na questão nacional, opondo-se tanto à enosis como à transformação do país num estado federal bicomunitário, defendendo, antes, a existência de um estado unitário, nos termos da Constituição de 1960. Foi o principal opositor do Plano Annan e abandonou o governo após a declaração conjunta assinada por Anastasiades e pelo então presidente cipriota turco, Eroğlu. A sua candidatura teve, ainda, o apoio dos socialistas do EDEK (Kinima Sosialdimokraton, isto é, Movimento da Social-Democracia), dos nacional-conservadores do KA (Kinima Allilengyi, ou seja, Movimento Solidariedade) e do KO (Kinima Oikologon, o Movimento dos Ecologistas). Apesar das diferenças ideológicas, todos partilham a mesma posição nacionalista face à disputa intercomunitária, o que os levou a apoiar o candidato que representava a parte da população cipriota grega mais receosa face às intenções dos turcos. Teve também o apoio da maioria da Igreja Ortodoxa local, que viu as propriedades que detinha no norte ocupadas por aqueles e que pretende, por isso, recuperá-las ou ser indemnizada pela sua perda.

Na quarta posição, com 5,7% dos votos, ficou Christos Christou, líder do partido de extrema-direita ELAM (Ethniko Laiko Metopo, que se traduz por Frente Nacional Popular). É o partido-irmão da Aurora Dourada grega e partilha as mesmas ideias racistas, xenófobas e ultranacionalistas. Opõe-se a quaisquer cedências aos cipriotas turcos, que deverão ser tratados, não como uma comunidade distinta, mas como uma minoria num estado unitário dominado pelos cipriotas gregos. A médio prazo, defende a enosis. Por isso, opôs-se ao Plano Annan. É contra o acolhimento de refugiados, defende a expulsão dos imigrantes ilegais e são comuns as suas posições antissemitas, islamofóbicas, homofóbicas, antifeministas e anti turcas. É contra a UE e a NATO e defende uma aproximação à Rússia. Do ponto de vista económico, opõe-se à austeridade e preconiza a adoção de políticas protecionistas e a saída do euro. A maioria do seu eleitorado provem, em geral, das classes baixas e tem apoios entre os setores mais extremistas da Igreja Ortodoxa. Insignificante até ao deflagrar da crise bancária, registou uma importante subida face às anteriores presidenciais, onde o candidato do partido não chegou a 1% dos votos.

A grande desilusão destas eleições foi Giorgos Lillikas, líder do partido populista SYPOL (Symmachía Politón, isto é, Aliança dos Cidadãos), que ficou em quinto lugar, com apenas 2,2% dos sufrágios, depois de, em 2013, ter sido terceiro, com quase 25%, e ter estado perto de chegar à 2ª volta. Tendo sido deputado e ministro do AKEL, foi, em 2013, o candidato do EDEK e fundou, nesse mesmo ano, o seu atual partido. Este, opositor da austeridade e da privatização dos serviços públicos, tem uma posição de grande intransigência na questão da disputa intercomunitária, defendendo uma posição semelhante à de Papadopoulos e dos partidos que o apoiaram. Participou, aliás, nas conversações com estes para uma candidatura comum das forças nacionalistas democráticas, mas pretendia ser ele o candidato. Não tendo sido o escolhido, rompeu as negociações e avançou sozinho. Essa atitude levou uma parte significativa do seu potencial eleitorado a acusar Lillikas de colocar o seu ego à frente do interesse comum dos opositores à federalização do país, o que contribuiu muito para o seu péssimo resultado eleitoral.

Os restantes quatro candidatos, todos independentes, não somaram, juntos, 1% dos votos. Já os brancos e nulos, que foram 2,4% no 1º turno, aumentaram significativamente no segundo, onde representaram 5,6% dos sufrágios. Por sua vez, a participação eleitoral foi muito razoável: 71,9% na 1ª volta e 74% na segunda.

Questão nacional continua a ser fundamental

Apesar da crise bancária que atingiu o país e levou à intervenção da “troika” e à imposição das suas políticas austeritárias, parece que, para uma parte importante dos cipriotas gregos, a questão nacional continua a ser fundamental para a definição das suas opções eleitorais. Daí que, sendo os dois candidatos que passaram à ronda decisiva favoráveis à reunificação da ilha numa base federal intercomunitária, nenhum dos restantes (todos contrários a essa posição) deu indicação de voto para a 2ª volta, apesar das claras diferenças ideológicas entre o conservador e o comunista.

Apesar da crise bancária que atingiu o país e levou à intervenção da “troika” e à imposição das suas políticas austeritárias, parece que, para uma parte importante dos cipriotas gregos, a questão nacional continua a ser fundamental para a definição das suas opções eleitorais

Como pudemos verificar, o chamado “problema cipriota”, apesar de ter nascido durante o período da “guerra fria”, possui características que o aproximam dos conflitos da atualidade e não da maioria dos que ocorreram naquele período histórico. Na verdade, tanto a Grécia como a Turquia são membros da NATO e o papel da União Soviética na questão foi relativamente marginal, apesar da sua influência sobre os comunistas locais e dos esforços de Makarios em trazer os soviéticos para o seu lado, a partir de meados dos anos 60. Assim, não estamos em presença de um conflito entre burguesia e povo, esquerda e direita, socialismo e capitalismo, progressistas e conservadores mas antes perante um choque entre duas fações da burguesia, isto é, duas direitas, que se servem do nacionalismo como forma de perseguir os seus interesses, trazendo para o seu lado a respetiva “tribo”. A esquerda não conseguiu fugir dessa armadilha, como se pode ver pelas hesitações e tergiversações do AKEL, quiçá por pressão das respetivas bases, relativamente à questão identitária. Não por acaso, as políticas neoliberais, com destaque para as privatizações e a redução dos direitos laborais, foram fazendo caminho de ambos os lados da ilha, sem oposição significativa, em especial na parte grega, quando seria de esperar o contrário.

Resta, agora, saber se Anastasiades e o presidente da RTNC, Mustafa Akinci, um moderado eleito em 2015, conseguem retomar o diálogo interrompido no ano anterior, após a entrada de um navio de guerra turco nas águas territoriais de Chipre. Mas os resultados das legislativas de janeiro, na parte turca, que deram uma maioria absoluta às forças da direita nacionalista, opositoras da reunificação, não são bom augúrio.

Artigo de Jorge Martins para esquerda.net

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