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“Povo saharaui jamais deixará de lutar pela autodeterminação”

A ativista dos direitos dos saharauis, Né Eme, afirma em entrevista ao esquerda.net que as instâncias internacionais não têm mostrado empenho na resolução do problema do Sahara Ocidental.
Marrocos usa a intimidação e a violência para subjugar os saharauis
Marrocos usa a intimidação e aviolência para subjugar os saharauis

Quais as razões que fundamentam a luta pela autodeterminção do povo saharaui?

Qualquer povo ambiciona ser independente. O Sahara Ocidental reúne todos os requisitos necessários à sua independência. A República Árabe Saharaui Democrática (RASD), com um território bem definido, a sua população com a sua língua, a sua vasta cultura e o seu representante legítimo, a Frente Polisário.

Com as riquezas que existem na região não tenho dúvidas que faz todo o sentido o reconhecimento internacional da RASD e da Frente Polisário como seu legal e único representante.

Como é que está organizada a estrutura de poder?

A Republica Árabe Saharaui Democrática foi declarada em 27 de Fevereiro de 1976. e a sua Constituição foi actualizada em 2007.

A estrutura é composta pelo poder executivo com um Presidente e 18 ministérios do Governo, um poder Legislativo composto por um Parlamento com 53 membros e um poder Judicial. O atual Presidente da República, Brahim Ghali é igualmente o Presidente da Frente Polisário e Comandante Supremo das Forças Armadas.

E  essa estrutura é eleita democraticamente?

Há eleições de quatro em quatro anos e assim a vontade popular é respeitada.

Os saharauis têm vindo a demonstrar uma enorme capacidade de organização gerindo de uma forma inteligente os cinco campos de refugiados . Ao longo dos últimos 30 anos aperfeiçoaram a sua democracia parlamentar. Por isso, estou certa que se lhes for dada a oportunidade que merecem criarão o primeiro país completamente democrático do Norte de África.

Há atos de violência por parte das forças marroquinas?

Eles são frequentes e fazem parte de uma estratégia de intimidação. Importa realçar que a 11 de agosto deste ano teve lugar o mais grave incidente militar desde o cessar fogo entre Marrocos e a Frente Polisário assinado a 6 de Setembro de 1991.

Marrocos invadiu a região de El Guerguerat, levando a que os soldados daquele país tivessem transposto o muro por si construído para “medir o pulso” à Frente Polisário uma vez que o seu objetivo é chegar a La Aguera.

Como se vive nas zonas ocupadas?

Eu diria antes, como se sobrevive nas zonas ocupadas, porque o quotidiano chega a ser insuportável.

Os saharauis são maltratados quer pelas forças de ocupação marroquinas, quer pelos seus vizinhos colonos que vieram povoar os territórios com a referida “Marcha Verde”. Os que então lá chegaram eram na sua maioria marginais.

Os colonos são um factor de desestabilização?

Não tenho dúvidas sobre isso. Receberam propostas tentadoras para ter uma vida melhor, tendo-lhe sido proporcionadas condições que os saharauis não têm. Além disso, são responsáveis pelo aumento demográfico nos territórios ocupados

Pode concretizar?

Qualquer colono que instale um negócio tem de imediato regalias que passam inclusivamente pela isenção no pagamento de impostos. No limite se matarem um Saharaui raramente são condenados. Marrocos pretende que sejam “votantes” a favor da ocupação.

A justiça está ao serviço dos interesses marroquinos?

É mais um instrumento de repressão. Posso citar o caso do jovem Mohamed Lamin Haidala, de 21 anos, que foi atacado por cinco colonos com tesouradas e pedradas.

O jovem agredido foi preso e passou 48 horas na esquadra, sem qualquer assistência médica e acabou por falecer enquanto aguardava tratamento num hospital para onde foi posteriormente transferido. Para que não se conhecessem as razões que conduziram à sua morte foi enterrado sem que a família permitisse.

A mãe de Haidala esteve em greve de fome, para exigir que o corpo fosse autopsiado de forma imparcial. Atualmente reside nas Ilhas Canárias mas não desiste de pedir justiça.

Há presos políticos?

É uma questão difícil e delicada. Poderia falar em cerca de 80, contudo receio que o número esteja errado, porque as autoridades marroquinas procedem à transferência de prisioneiros com frequência para que não se saiba com rigor o número daqueles que estão encarcerados por lutarem pela independência.

Porque é que não há uma reação mais firme por parte dos saharauis?

"O quotidiano nas zonas ocupadas chega a ser insuportável", afirma Né Eme
 

Há manifestações pacíficas mas são quase sempre dispersas pelas forças marroquinas com demasiada brutalidade. Muitos são presos, espancados e obrigados a assinar confissões que nem sequer podem ler e cujo conteúdo serve para os incriminar de atos que não cometeram.

As autoridades policiais marroquinas não permitem sequer que se juntem mais de cinco ou seis pessoas nas ruas porque se o fizerem são imediatamente alvo de atos de recriminação que frequentemente terminam de forma violenta.

Como é a vida nas zonas ocupadas?

As dificuldades são muitas e por vezes as pessoas chegam a desesperar.

Por exemplo, a água é-lhes fornecida apenas durante três horas ao longo de dois dias e muitas vezes não tem condições de salubridade. Esta situação obriga os saharauis a ter de a comprar e também a recolher a água das chuvas em bidons.

E a educação das crianças?

As crianças não têm creches públicas. Ter uma criança numa creche privada custa entre 50 a 100 euros por mês. Desta forma, até aos seis ou sete anos as crianças têm que ficar em casa e só depois entram para a escola pública.

Está a dizer que são alvo de discriminação?

Começam de imediato a tentar convencê-los que são diferentes dos filhos de colonos e que se não quiserem não precisam de ir à escola porque terão na mesma as suas notas. Desta forma tentam impedir a instrução das crianças saharauis.

E em termos de emprego?

A falta de emprego é generalizada entre os saharauis. Os jovens licenciados não conseguem trabalho porque as vagas são todas preenchidas pelos filhos dos colonos.

Nos últimos meses, tem havido muitas manifestações de desempregados licenciados saharauis devido a esta situação. Foi-lhes prometido um determinado número de empregos através da abertura de vagas em diversos setores. Contudo, quando essas vagas abriram os colonos ocuparam todos os lugares.

Mas está confiante em relação ao futuro?

Claro que sim. Nunca devemos esquecer a frase “A única luta que se perde é a que se abandona”, que se adapta perfeitamente a este povo e à sua causa. Os saharauis jamais deixarão de lutar pela sua autodeterminação.

Mas a ocupação já tem 40 anos.

O povo saharaui descende de nómadas e é por natureza um povo pacífico, paciente e resiliente.

Mas creio que se chegou a um ponto em que a paciência se começa a esgotar, especialmente entre os mais jovens que já nasceram e cresceram nos campos de refugiados sem nunca terem tido oportunidade de sair de lá.

A luta dos saharauis pela independência poderá endurecer?

Se esta situação se mantiver durante muito mais tempo a forma de luta pode deixar de ser pacífica. Digo isto com tristeza mas sei que o farão sem reservas.

Não acredita na resolução do problema através dos canais diplomáticos?

Pessoalmente, creio que o trabalho da Missão das Nações Unidas para o Sahara Ocidental [MINURSO] é um fracasso.

Para além de não monitorizar os direitos humanos e nunca ter incluído uma cláusula com este assunto nas suas competências, não tem hoje qualquer utilidade. Tal como eu, há milhares de saharauis que pensam da mesma forma.

Importa ainda recordar que a MINURSO foi criada com o propósito de mediar o referendo aceite em 1988 por Marrocos e pela Frente Polisário (Frente Popular para a Libertação de Saguia el-Hamra e Rio de Oro), mas nada fez até ao momento.

Essa atitude fica a dever-se ao facto de Marrocos ser um país com uma influência política significativa?

Com certeza que sim.

Entrevista de Pedro Ferreira

Manifestação a favor da independência do Sahara Ocidental

 


 

 

 

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