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Por que é que o glifosato deve ser banido?

A 7 de março, os governos da União Europeia votam se se renova ou não a autorização ao uso do glifosato. A licença expira a 30 de junho, a Comissão coloca-se ao lado do agronegócio e propõe um prolongamento até 2031. Estaremos condenados a viver rodeados por este composto? Por Nelson Peralta
A Organização Mundial da Saúde considera que o glifosato é potencialmente carcinogéneo para o ser humano

O glifosato é o herbicida mais utilizado no país e no planeta. Está na agricultura e é aplicado pelas autarquias nos jardins, praças, passeios, estradas e cemitérios. A Organização Mundial de Saúde considera-o potencialmente carcinogéneo e relaciona-o com um dos cancros mais comum no país. Até tampões e pensos higiénicos contém resíduos de glifosato.

Boas práticas fitossanitárias versus proteção integrada

Comecemos pelo início. Quando se fala de pesticidas, importa o modelo a seguir. Até há uns anos, aplicava-se o que se designa por “boas práticas fitossanitárias”: avaliação da situação e escolha do melhor pesticida para o problema. Atualmente, a “proteção integrada” é defendida por especialistas e pela legislação comunitária (Diretiva n.º 2009/128/CE): avalia-se a situação e define-se qual a melhor intervenção para resolver o problema, seja através de métodos não químicos (mecânicos, térmicos, etc) ou químicos. Um dos objetivos é precisamente reduzir o recurso aos pesticidas.

Princípio da precaução

Continuemos pelo princípio. Quando a saúde pública e o ecossistema podem estar em causa, optamos pelo princípio da precaução. A Organização Mundial da Saúde considera que o glifosato é potencialmente carcinogéneo para o ser humano. A ciência identificou a relação entre a exposição ao glifosto e o Linfoma Não-Hodgkin. Este tipo de cancro de sangue é dos cancros que mais se regista em Portugal, com cerca de 1.700 novos casos por ano.

Esta semana, um estudo revelou que os tampões e pensos higiénicos contém resíduos tóxicos, nomeadamente de glifosato. Tal acontece porque são feitos de um produto agrícola: o algodão.

Não se trata de uma questão de uso individual. Falamos de um químico omnipresente nas nossas vidas, a que somos expostos diariamente sem escolha e sem proteção. Os interesses das multinacionais não se podem sobrepor à proteção da saúde pública.

A Monsanto e demais multinacionais agroquímicas

O glifosato é um composto usado em pesticidas criado Monsanto. É um best-seller de venda livre e agora é também comercializado pela Dow, Bayer e Syngenta. É não específico, ou seja mata todas as espécies. Por esse motivo, o seu uso está intimamente ligado à produção de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) que são criados para serem resistentes ao glifosato. A proibição do glifosato seria também uma grande vitória na luta contra os OGM.

A Monsanto não está desatenta e está na ofensiva. No período mais problemático para o seu produto, a multinacional lançou uma campanha de publicidade televisiva. O anúncio merece ser visto: http://www.roundup-jardim.pt/videos/anuncio-tv-roundup-gel. O produto é ridículo. É dirigido para utilizadores casuais e amadores, direcionado para jardins e é aplicado planta a planta. Portanto, tem o mesmo volume de trabalho de métodos não químicos mas imensamente mais impactos. Mas não é essa a questão. Estamos na guerra das ideias e a Monsanto quer naturalizar um dos produtos mais estruturais para o seu negócio.

A sociedade mobiliza-se contra o glifosato

Várias organizações não governamentais da área do ambiente - nacionais e internacionais - desenvolvem campanhas pela proibição do uso do glifosato. No que respeita ao seu uso no espaço público, a Quercus e a Plataforma Transgénicos Fora lançaram a campanha “Autarquias sem glifosato”. A Ordem dos Médicos também é clara: considera inaceitável a inação do governo ao não proibir o glifosato. Uma das primeiras medidas da nova presidente da câmara de Barcelona, Ada Colau, foi a proibição do glifosato.

Não existe alternativa?

A realidade mostra que sim. E não há argumento mais poderoso que a realidade. O Bloco questionou todas as autarquias do país se utilizavam glifosato no espaço público. A maioria (83 de 100 respostas) usa, mas 17 utilizam métodos alternativos. Falamos de autarquias de diferentes tipologias geográficas, urbanas e rurais. O primeiro passo será certamente estudar os métodos que utilizam e criar metodologias melhoradas e partilhadas.

No que respeita à agricultura, o glifosato é apenas interessante para processos industrializados e para o cultivo de OGMs. Existem vários métodos, e mesmo compostos, alternativos e em uso. E, já agora, o DDT também era considerado imprescindível até ser posto de lado.

Estar adiantado é estar mais bem preparado

À medida que o conhecimento científico avança, vários pesticidas têm ficado pelo caminho. Os neonicotinoites estão interditos porque dizimam as populações de abelhas. O clorpirifos é cada vez mais contestado por poder ser um disruptor endocrino. Mas bem sabemos das pressões das multinacionais, que conseguiram até reintroduzir o uso de um dos componentes do agente laranja (uma arma química usada na guerra do Vietname e que ainda hoje provoca vítimas).

Substituir o uso do glifosato é não só proteger a saúde pública, é também adiantar o país. Num momento em que o glifosato seja restringido, estaremos já preparados e adaptados à nova realidade, o que é uma vantagem competitiva para a agricultura nacional.

Defendemos a saúde pública

O manifesto eleitoral do Bloco às legislativas 2015 (página 52) é claro: “o Bloco propõe a proteção integrada como o princípio orientador da aplicação de pesticidas, com a avaliação das culturas e de métodos não químicos e químicos. Defende ainda o princípio da precaução e da proteção dos polinizadores”.

Temos estado na linha da frente desta luta. Apresentamos na Assembleia da República uma proposta para proibir o glifosato, chumbada pelo PSD e CDS-PP, com a abstenção do PS e PCP e o voto favorável do Bloco e PEV. A defesa das populações e do ambiente é uma luta justa. Continuaremos do lado certo, do lado das populações e das movimentações populares.

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Sobre o/a autor(a)

Biólogo. Dirigente do Bloco de Esquerda
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