Está aqui

Poder ao Povo – a esquerda italiana (de novo) em movimento

No passado dia 17 de dezembro foi apresentada em Roma a plataforma Potere al Popolo, que agrega sectores da esquerda social e política que não se revêem nas duas vias da social democracia em presença.
Foto Potere al Popolo/Facebook

O alinhamento centrista do Partido Democrático de Matteo Renzi marca o actual quadro de recomposição da esquerda italiana. No centro esquerda formou-se uma nova plataforma, Liberi e Uguali, agregadora de sectores que, dentro e fora do PD, romperam com o ex primeiro ministro durante o presente mandato. A iniciativa é apadrinhada por históricos como Massimo D’Alema, Pier Luigi Bersani ou Nichi Vendola e, nas legislativas de 2018, a sua lista eleitoral será encabeçada por Pietro Grasso, actual presidente do Senado.

Mas as novidades não ficam por aqui, as águas da esquerda radical também não estão paradas. No passado dia 17 de dezembro foi apresentada em Roma a plataforma Potere al Popolo, que agrega sectores da esquerda social e política que não se revêem nas duas vias da social democracia em presença [ler manifesto disponível em português].

Na origem da iniciativa está um apelo lançado por um colectivo de Nápoles, o Ex Opg Je so pazzo[1], que teve na internet a sua grande alavanca e contagiou, entre outros, jovens, precários/as, colectivos ambientalistas, sindicalistas, feministas gente da cultura. A primeira assembleia aconteceu a 18 de Novembro, tendo-se seguido um processo participativo de um mês, com 60 encontros de norte a sul do país.

Várias organizações decidiram estreitar laços com a plataforma e participar activamente no diálogo, entre as quais se encontram a Sinistra Anticapitalista, Refundação Comunista e Partido Comunista Italiano.

Para compreender um pouco melhor este projecto, que está a sofrer de um relativo isolamento mediático, o jornalista Giuseppe Manzo entrevistou Viola Carofalo, activista do colectivo napolitano e umas das porta vozes da plataforma Potere al Popolo.

O que é o Potere al Popolo?

“Potere al Popolo” é uma lista para as próximas legislativas mas também um projecto que se quer afirmar para lá das eleições. No seu interior tem partidos, movimentos, organizações e comités que se empenham em áreas como o trabalho ou o ambiente: pretende reconstruir a esquerda radical em Itália.

Como é que esta ideia nasce? Especialmente para aqueles sujeitos que nunca foram um partido que é medido pelo voto…

Nasce do facto de que – e no Ex Opg Je so Pazzo somos disso exemplo - depois do cancelamento do encontro conclusivo do Teatro Brancaccio[2], nos demos conta de que num momento crítico como este não existe nenhum sujeito político em que se possa votar. E dissemos: “porque não o fazemos nós”? “Tentemos falar com pessoas que, como nós, não votam ou nunca votaram”. E assim foi aberta a estrada para a Assembleia de dia 18 [de novembro].

Além dos movimentos e centros sociais, a quem pretende falar esta lista?

Para nós trata-se de falar com todos, tal como indica o nome da lista. Do nosso ponto de vista, quem foi expulso do mercado de trabalho, quem não se pode reformar, quem está preocupado com a devastação ambiental e não se reconhece nesta esquerda que defendeu políticas deste género são as pessoas a quem nos dirigimos. Escrevemos um programa com poucos pontos, que contêm estas reivindicações e podem ir ao encontro do eleitorado de esquerda mas também de quem não se considera como tal,

Quais são os temas estratégicos do Potere al Popolo nesta campanha eleitoral? Qual será o papel do trabalho e da precariedade?

O tema do trabalho é central. Dele resultam um conjunto de consequências sociais. Poder ter contratos não precários, poder ter uma reforma, poder trabalhar sem pôr em risco a saúde. Da Escola e da formação, passando pelos estágios e contratos intermitentes, até à possibilidade de reforma e de pensões dignas. Ligado a isto está a questão do estado social, do ambiente, do acolhimento dos migrantes. 

A questão dos migrantes será o tema quente da campanha

Há uma perspectiva ideológica, fundamentalmente racista, que põe o acolhimento como um perigo. Depois há o negócio e a especulação em torno da vida dos refugiados. Nós queremos um acolhimento humano, de iniciativa pública e regulamentado, com procedimentos correctos.

No plano estritamente político, De Magistris[3] não apoiou esta lista e algumas línguas indiscretas põem-no próximo da lista de Piero Grasso. Qual é a ligação dialético-eleitoral com o Presidente da Câmara?

Não sabemos porque não fez nenhuma declaração. Calculamos que o DEMA [partido de De Magistris] esteja a avaliar a situação, mas um dos seus dirigentes veio a Roma apresentar uma saudação de De Magistris. Teríamos gosto em que ele estivesse porque é um Executivo com quem partilhamos ideias em temas de política geral. 

E, na galáxia dos Centros Sociais[4], qual é a resposta a este momento? O Slogan “não votes, Luta” ainda resiste?

Percebemos muito bem quais possam ser as suas dúvidas porque também foram as nossas ao longo destes anos. Mas estão a dar atenção à questão. Creio que muitos ainda estão a tentar compreender como se irá concretizar o projecto, do programa à candidatura. Mesmo da parte dos mais críticos, como a InfoAut, há o reconhecimento do valor deste percurso. Para nós seria positivo que muitos entrassem neste projecto, mesmo aqueles mais indecisos. No entanto, nas assembleias realizadas por toda a Itália, esta componente fez-se representar pontualmente, através de comités de base e dos centros sociais. Para nós são sujeitos fundamentais para construir esta lista.

À vossa volta ou há um grande silêncio mediático ou então são definidos como a “terceira esquerda”: neste quadro, como vão tentar romper o muro de comunicação da campanha eleitoral?

Nós não consideramos de esquerda nem o PD nem o Liberi e Uguali, que votaram numerosas iniciativas que não têm nada a ver com as causas e valores da esquerda: Pacote Treu[5], guerras e outros. Não  estamos preocupados em ser definidos como a primeira ou a terceira lista de esquerda mas sim em encontrar uma forma para reconstruir uma esquerda em que as pessoas se reconheçam. O silêncio mediático é evidente e, no entanto, na primeira assembleia éramos 800 e na segunda 1000. Ficaremos contentes se a comunicação social começar a falar deste projecto. Mas se não acontecer nós continuaremos a utilizar os nossos canais, as praças e a porta a porta.

Entre os abstencionistas, o grupo etário dos 18-40 anos é o mais numeroso. Qual é a vossa composição etária nesta fase do percurso?

Há muitos jovens. E isso depende de cidade para cidade, de tal modo que na Catania temos muitos jovens da escola secundária, sem idade para votar. Mas há outros contextos onde a média de idade é mais alta. É seguramente necessário recuperar esta geração, que está aí e é muito combativa.

Reunir as assinaturas[6] [para legalizar a lista] será uma empreitada e ultrapassar a cláusula de barreira[7] para garantir eleitos é ainda mais difícil. Posto isto, como imaginam o pós-voto?

Para nós o resultado baseia-se em dois factores. O primeiro é superar a cláusula de barreira e ter representação. O segundo é igualmente importante: avançar com a construção desta rede política. E não pediremos a ninguém para se dissolver, nem aos partidos nem aos comités, porque é na diversidade que se pode construir uma esquerda capaz de falar ao povo.


Entrevista de Giuseppe Manzo publicada aqui.
Introdução e tradução por André Beja

Notas:

[1] Movimento Social que que ocupou um antigo hospital psiquiátrico no centro de Nápoles e aí desenvolve intensa actividade de base comunitária.

[2] Iniciativa das esquerdas que teve lugar em junho de 2017 no teatro Brancaccio. A intenção unitária dos seus promotores esbarrou no conflito entre quem defendia a herança política do passado e um suporte crítico a Renzi e os adeptos de uma leitura crítica e de um distanciamento dessa via.

[3]  Presidente da Câmara de Nápoles, eleito com o apoio da esquerda e por movimentos cívicos. Fundou o partido DemA que, na Europa, ligações ao movimento DiEM25 de Varoufakis.

[4] Em Itália existem centros sociais em todas as grandes cidades. São colectivos de base com intensa actividade politica e cultural de orientação libertária ou de esquerda radical. 

[5]  Lei aprovada em 1997, no tempo do governa das esquerdas, que introduz medidas para facilitar entrada no mercado de trabalho. Na prática abriu a porta a estágios e vínculos precários.

[6] Para legalizar a lista são necessárias 700 mil assinaturas, recolhidas em todo o território.

[7] Para entrar no parlamento ou no senado, as listas têm de atingir uma determinada % de votos. O valor desta barreira varia conforme se trate de um partido (5%) ou de uma coligação (3%). As regras são complexas e, ao longo dos anos, a sua revisão tem sido polémica pois o resultado deste processo é sempre em prejuízo das forças minoritárias.

(...)