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Perante a impotência securitária, que resposta ao terrorismo?

"A resposta securitária ao terrorismo está claramente num beco sem saída. Não há solução policial para esta situação, nem militar. Uma solução estrutural só pode ser política." Um artigo de Daniel Tanuro.
Homenagem às vitimas do atentado em Bruxelas, Bélgica, foto de Christophe Petit Tesson/Lusa

Quando detiveram Salah Abdeslam, as autoridades belgas cantaram vitória: "Temo-lo! "... Uns dias mais tarde, os criminosos do Daesh atacaram no coração de Bruxelas. Trinta e dois mortos, centenas de feridos, crianças mutiladas. Uma horrível barbárie. Teria sido possível evitá-la? Talvez. O mau funcionamento dos serviços de segurança no caso de Ibrahim Barkhaoui é óbvio, e é uma reminiscência do caso Dutroux.

Mas Dutroux estava (quase) só, enquanto que o Daesh é uma organização criminosa que não tem escassez de aspirantes a suicidas. Incluindo aspirantes de círculos não muçulmanos, menos "identificáveis" que Barkhaoui. O ataque de Verviers pôde evitar-se, mas não os restantes. Se Barkhaoui Ibrahim tivesse sido detido no seu regresso da Turquia, o que teria acontecido? Teria recrutado na prisão outros jihadistas – antes de eventualmente ser solto. Não se deve, no entanto, tapar o sol com a peneira. É um erro achar que podemos superar o flagelo do terrorismo com "melhor política", "melhor informação" vigilância "seletiva", etc.[fn]Não nos surpreenderia ver Jan Jambon tirar proveito do mau funcionamento, recolocando em cima da mesa as sentenças incompreensíveis que a extrema direita exigiu aquando do caso Dutroux, e que a mobilização cidadã impulsionada por Russo permitiu contrariar. A esquerda deve, portanto, ser muito prudente hoje em dia na denúncia do mau funcionamento.[/fn]

É um erro achar que podemos superar o flagelo do terrorismo com "melhor política", "melhor informação" vigilância "seletiva", etc.

Atentados suicidas

O problema é o seguinte: nada pode impedir que um atacante suicida fanático se imploda no meio de uma multidão inocente. A partir do momento em que toda a gente é um alvo potencial, o número de possíveis alvos é tão alto que nem sequer se pode protege-los a todos. A verdade é que nem um estado policial do tipo Big Brother poderia acabar com o terrorismo jihadista. Nem sequer um estado desse tipo poderia proteger contra um ataque suicida uma de nossas centrais nucleares "microfissuradas". Além disso, queremos viver num estado assim?

A resposta securitária ao terrorismo está claramente num beco sem saída. É evidente que os responsáveis pelos serviços não têm nenhuma ideia. A OCAM (Órgão de Coordenação para Análise da Ameaça, sigla em francês) elevou o nível de ameaça para 4... depois dos ataques. E agora o que se segue? Impor um bloqueio policial generalizado, como o que paralisou Bruxelas depois dos ataques em Paris em novembro? Os empresários não querem, custa demasiado à economia. O Governo exclui esta "solução". De todos as formas, o bloqueio só pode durar um poucos dias: os terroristas podem esperar que seja levantado…

Nem os tanques nas ruas nem um submarino no canal seriam minimamente úteis contra ataques suicidas. Os responsáveis pelo governo sabem-no. O envolvimento do exército não tem para eles outro objectivo que tranquilizar a população

O quê mais, por mais soldados nas ruas? É inútil, evidentemente. Os soldados estavam no aeroporto de Zaventem. Nem os tanques nas ruas nem um submarino no canal seriam minimamente úteis contra ataques suicidas. Os responsáveis pelo governo sabem-no. O envolvimento do exército não tem para eles outro objectivo que tranquilizar a população, demonstrar – a grande custo – que o Estado a protege.

A decisão de filtrar os passageiros nas entradas e saídas das estações de Bruxelas é um exemplo da impotência da resposta securitária. É provável que este filtro se tenha decidido como alternativa ao bloqueio de emergência para tranquilizar as pessoas. Mas não tranquiliza, pelo contrário, preocupa mais. De facto, um terrorista com explosivos pode apanhar o comboio numa estação no campo e implodir-se em Bruxelas no meio da multidão de viajantes que percorrem os corredores e plataformas para a saída do edifício. Quem poderia ter imaginado um dispositivo tão absurdo?

Guerra total?

Poderíamos continuar o jogo das hipóteses sobre o que fará o governo. Nenhuma delas será uma solução estrutural. Pôr em marcha uma guerra total para eliminar ao Estado Islâmico do mapa no Iraque e na Síria transforma-se, entretanto, na "solução", com a qual sonha a direita mais ou menos extrema. Mas há um senão: foi precisamente o que Bush filho fez no Afeganistão e conhecemos o resultado. Não só a Al Qaeda não está morta (ao contrário de milhares de civis), como a organização de Bin Laden deu à luz a uma outra, ainda pior, o Daesh. Queremos repetir o mesmo erro? Não vemos que as cruzadas do Ocidente contra o mundo árabe e muçulmano são uma parte da máquina que gera o ódio vingativo que leva alguns à loucura?

Pôr em marcha uma guerra total para eliminar ao Estado Islâmico do mapa no Iraque e na Síria transforma-se, entretanto, na "solução". Não vemos que as cruzadas do Ocidente contra o mundo árabe e muçulmano são uma parte da máquina que gera o ódio?

Dizemos parte da máquina. Há outras partes: a cumplicidade com os crimes do estado sionista contra o povo palestiniano; a venda de armas a ditaduras fundamentalistas; a rejeição brutal dos requerentes de asilo; o abandono e a guetisação dos bairros pobres das nossas cidades, onde vivem as populações de origem imigrante; o racismo e a islamofobia, o perfil racial feito pela polícia, a discriminação no emprego, as campanhas de ódio contra as mulheres que usam véu; a estigmatização dos meios de comunicação; para não falar da cobardia odiosa em nome da realpolitik dos crimes atrozes do chamado regime "laico" (de facto, não o é em absoluto) de Bashar Al Assad, o carrasco do povo sírio. O surpreendente, não é que semelhante "máquina" fomente tanto ódio, é que alguns se surpreendam com ele.

Mecanismo sectário

Não falamos das possíveis razões pelas quais o ódio toma a forma de uma violência ultra-destrutiva, e se mascara de uma ideologia de outra época: pseudo-religiosa, sexista, autoritária e profundamente reacionária. Tudo indica que os jovens desorientados que deixam os nossos bairros para se juntar à jihad não o fazem empurrados por uma radicalização do Islão, mas por uma pseudo-islamização da seu radicalização, ou da sua criminalidade. É na realidade a "radicalização" do seu ódio sem perspectivas o que leva alguns, em algum momento, a se envolver nesta fantasia: o islamismo radical dará significado à sua vida, o estado islâmico oferece-lhes um reino de irmandade e o seu martírio (em realidade: a sua conversão em assassinos) abrir-lhes-á as portas do paraíso.

Uma solução estrutural só pode ser política: deve assegurar-se de que a fonte do ódio seca. Isto requer uma mudança radical de orientação conjunta, tanto em política externa como em política interna.

Em poucas palavras, o mecanismo é sectário, não é religioso. Ora bem, nesta seita a exaltação do suicídio é tal que cada vez que um "mártir" se implode, dúzias de candidatos querem tomar o seu lugar. Não há solução policial para esta situação, nem militar. Uma solução estrutural só pode ser política: deve assegurar-se de que a fonte do ódio seca. Isto requer uma mudança radical de orientação consistente em todas as áreas relacionadas com as "partes" da máquina. Uma mudança de orientação conjunta, tanto em política externa como em política interna.

Retirar as tropas belgas das operações onde participam. Enviar o exército para quartéis (enquanto não é eliminado por completo). Apoiar a luta legítima do povo palestiniano pelos seus direitos. Unilateralmente pôr fim à venda de armas à Arábia Saudita e a outras ditaduras (até eliminar a produção de armas, com a reciclagem dos trabalhadores). Apoiar as lutas populares pela democracia na Síria e noutros lugares. Acolher os refugiados e os requerentes de asilo. Aproveitar qualquer oportunidade para uma política de renovação urbana digna desse nome nos bairros desfavorecidos. Pôr fim às provocações e à violência policial. Criar postos de trabalho de qualidade, investir em infraestrutura pública. Abrir os meios de comunicação à livre expressão. A prática de uma verdadeira democracia participativa com capacidade efetiva de tomada de decisões de associações, comités de vizinhos, etc. Estas são algumas ideias que há que desenvolver.

A solução só se encontrará rompendo com a lógica atual de uma sociedade baseada na injustiça, na violência e na exclusão. Há que seguir a via de uma política social generosa, baseada na solidariedade, nas liberdades democráticas, a distribuição da riqueza e na luta contra a desigualdade no país e no mundo

A razão da emoção

Não existem soluções simples para problemas complicados e certamente não temos a solução definitiva para lutar contra o terrorismo. O desenvolvimento de um programa deste tipo tem a ver com os atores sociais. Levará tempo e não eliminará os perigos, mas a mobilização social proporciona uma proteção melhor que as forças especiais. Em qualquer caso, uma coisa é certa: a solução só se encontrará rompendo com a lógica atual de uma sociedade baseada na injustiça, na violência e na exclusão. Há que seguir a via de uma política social generosa, baseada na solidariedade, nas liberdades democráticas, a distribuição da riqueza e na luta contra a desigualdade no país e no mundo. Para citar a declaração do partido belga LCR (lida por mais de 10 000 pessoas no site): "É com a vida como se luta contra a política da morte”. De facto, é uma questão de vida ou morte. A emoção embarga tudo. A que nos mobiliza hoje deve-se apoiar na razão para sair do ciclo de barbárie.

Publicado originalmente a 24 de março de 2016 na Europe Solidaire Sans Frontières. Daniel Tanuro é engenheiro agrícola, ecólogo e sociólogo. Tradução de Joana Louçã para o esquerda.net.

 

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