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Parlamento brasileiro rejeita redução da maioridade penal

Por apenas 5 votos, os conservadores não conseguiram reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes mais graves. Eduardo Cunha, presidente da Câmara e ferrenho defensor da redução declarou que 'A votação ainda está muito longe de acabar.'
A vitória desta madrugada é mérito incontestável dos movimentos sociais da juventude que ocuparam Brasília nesta terça (30) e gritaram a plenos pulmões que os jovens são as vítimas da violência, não os algozes

Os gritos de vivas explodiram dentro e fora do plenário da Câmara, na madrugada desta quarta (1), quando o painel eletrónico apontou que os conservadores não conseguiram os 308 votos necessários para aprovar o substitutivo à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes mais graves .

“Pula, sai do chão, quem é contra a redução”, gritavam os manifestantes que conseguiram, à base de muita pressão, acesso às galerias do parlamento. “Fascistas, não passarão”, diziam os deputados progressistas que comemoravam a vitória, ainda que parcial. No relvado do Congresso, os em vigília explodiam em choro e vivas.

Mas Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara e ferrenho defensor da redução, não se deu por vencido. Anunciou que colocará agora em votação o texto original do projeto, ainda mais duro que o substitutivo, que reduz a maioridade para qualquer tipo de crime. “A votação ainda está muito longe de acabar. Foi apenas uma etapa”, declarou.

Portanto, o momento é delicado: tal como ocorreu com a votação da reforma política, a depender das manobras de Cunha, as forças progressistas do país podem amargar mais uma derrota. O presidente da Câmara não marcou uma data para a nova votação. Poderá ocorrer na próxima semana ou no próximo semestre, a depender dos seus interesses.

Resultado apertado

Foi uma vitória apertada, dado que os conservadores fizeram maioria de 303 votos, cinco a menos do que os dois terços exigidos por lei para a mudança da constituição. Os contrários à redução conquistaram suados 184 votos. Fizeram a diferença, inclusive, as três abstenções registadas. Entre elas a do deputado Heráclito Fortes (PSB-PI) que, durante a tarde, havia sido derrubado no chão durante um tumulto provocado pelos manifestantes que tentavam entrar no plenário para assistir à votação.

Embora a imprensa tenha tentando usar o episódio para mostrar o quanto “os podem ser perigosos”, Fortes preferiu o bom-senso. Em testemunho em plenário, confessou que fora incitado por muitos a acusar os agressores e buscar vingança. Mas o deputado não comprou a provocação. Lembrou que já fora jovem um dia, que também participou do movimento estudantil e que também já viveu situações que fugiram ao controle.

Dez deputados falaram contra a redução e outros dez a favor. Os debates, exaltados, deixaram evidente a falta de argumentação conservadora para justificar a redução. A base era o discurso de ódio, desamparado de dados concretos, pesquisas e bom-senso. O velho e odioso discurso fascista, que não reconhece o outro como ser humano.

Todos os especialistas do país já haviam dito que a redução não é solução para a violência. Os números apontam que os de 16 a 18 anos são responsáveis por apenas 1% dos crimes cometidos no país. E trancafiá-los nas celas do falido sistema prisional brasileiro só os ajudaria a serem ainda mais aliciados pelo crime organizado. Jamais recuperados. Além disso, a história mostra que países desenvolvidos que reduziram a maioridade, como Alemanha e Espanha, tiveram que voltar atrás e aumenta-la, após a explosão ainda maior da violência.

Ainda assim o deputado Capitão Augusto (PR-SP), argumentou que os que seriam afetados pela proposta são “marginais”, não “garotos inocentes”. “O ECA é fraco, não pune, tanto é que, após atingir a maioridade penal, esse marginal sai com ficha limpa, independentemente dos crimes bárbaros que tenha praticado”, disse.

Outros adeptos da ‘Bancada da Bala’ se amparavam no que entendiam como a manifestação da opinião pública, dado que uma sondagem realizada pelo Instituto Datafolha apontou que 87% dos brasileiros são favoráveis à redução. "É um desejo do povo brasileiro. Quase 90% da população brasileira, nas pesquisas, exige essa redução”, disse o relator da proposta de substitutivo, deputado Laerte Bessa (PR-DF).

O líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) orientou voto contrário à redução da maioridade penal. Segundo ele, o parlamento precisa é discutir o aprimoramento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a exemplo do que propõe um projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP), rival político do Planalto.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), inclusive, direcionou seu discurso aos parlamentares do PSDB que, nos cálculos dele, poderiam fazer a diferença na votação. Teixeira lembrou que a viabilidade da redução não era consenso entre os tucanos, dado que não só Serra, como também o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, eram contrários à medida. O partido, no entanto, orientou a sua bancada a votar favorável à redução.

Também orientou a sua bancada a votar favorável à votação o PMDB de Cunha que, embora seja o maior partido da base aliada do governo, vem reiteradamente votando contra as orientações do planalto. A bancada, porém, se dividiu na votação. Da mesma forma, comportaram-se o PP e o PR.

Orientaram voto contrário à redução as bancadas do PT, PCdoB, PSOL, PV, PDT, PROS, PPS, esse último a grande surpresa do grupo. Sem consenso, liberaram suas bancadas para votar como quisessem partidos como o PHS e o cada vez mais confuso ideologicamente PSB.

A luta continua

A vitória desta madrugada é mérito incontestável dos movimentos sociais da juventude que ocuparam Brasília nesta terça (30) e gritaram a plenos pulmões que os jovens são as vítimas da violência, não os algozes. Uma daquelas raras pautas que unem governo, esquerdas, movimentos sociais e brasileiros de bom senso para lembrar que é na luta que se dão as conquistas civilizatórias.

Acampados em frente ao Congresso desde a segunda (29), os jovens ocuparam a Esplanada na manhã da terça para dizer não à redução. Foram cerca de 5 mil manifestantes que coloriram com pipas o céu de Brasília e deram novas esperanças aos deputados que, em minoria, lutavam do lado de lá da trincheira.

Os jovens contaram com o apoio de vários ministros. O da Cultura, Juca Ferreira, usou o carro de som para dizer que a redução da maioridade não é solução para a violência. Miguel Rosseto, da Secretaria Geral da Presidência, visitou o acampamento juvenil, assim como o secretário Nacional de Juventude, Gabriel Medina. O ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, convocou coletiva de imprensa para avisar que a aprovação da PEC 171 significaria um colapso nas já superlotadas prisões do país.

Também marcaram presença no protesto líderes de movimentos sociais, sindicais, associações de moradores, coletivos de periferias e políticos do campo progressista. O rapper GOG afirmou que a juventude da favela precisa se contrapor às bancadas da Boi, da Bala e Bíblia para acabar com o preconceito e a violência que vitima os jovens negros da favela. O deputado Wadh Damous (PT-RJ) registou que o número de registo da PEC, 171, não poderia ser mais apropriado, porque ela representa um verdadeiro estelionato contra o povo brasileiro. “A redução da maioridade penal não diminuirá a violência. Pelo contrário”, alertou.

O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) lembrou que, no Congresso, são muitos os parlamentares que se beneficiam da cultura do medo, tanto financeiramente quanto como moeda eleitoral. “Eles têm medo que o medo acabe. E a redução da maioridade aumentará a violência, como já ocorreu em outros países”, afirmou. A deputada Maria do Rosário (PT-RS), ex-ministra dos Direitos Humanos do governo Dilma, avaliou que àqueles que propõem a redução estão desistindo dos direitos da juventude brasileira, sem tratar a questão da segurança com a seriedade que ela requer. “Vamos dizer não à barbárie”, propôs.

O legislativo policialesco de Cunha

Com o avançar do dia, os ânimos foram ficando cada vez mais exaltados, dentro e fora da Câmara. Apesar da prática de Cunha de proibir o acesso do povo ao legislativo, a União Nacional dos Estudantes (UNE) conseguiu uma liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para ingressar no plenário. O presidente da Câmara declarou que não iria cumprir a decisão e distribuiria senhas para os 200 lugares vagos na galeria entre os partidos.

Houve tumulto dentro e fora do prédio. Do lado de dentro, a vítima foi o deputado Heráclito Fortes. Do lado de fora, dezenas de jovens, atacados com violência e gás de pimenta. Alguns chegaram a ser detidos pela Polícia Legislativa e passaram horas presos, na expectativa de prestarem ou não depoimento. Caso dos estudantes Wesley Machado e Kenedy Alessandro, que foram agredidos por seguranças do deputado Alberto Fraga (DEM-DF) e ficaram 5h30 horas à disposição da Polícia de Cunha.

Artigo publicado em Carta Maior

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