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Os salários e honorários secretos da Sonangol

Há três grandes mistérios na Sonangol que ensombram os repetidos pronunciamentos da sua administração sobre transparência e boa governação. Por Rafael Marques, Maka Angola.
Isabel dos Santos, Bruno Fonseca/Lusa.

Há três grandes mistérios na Sonangol que ensombram os repetidos pronunciamentos da sua administração sobre transparência e boa governação. O secretismo das remunerações dos membros do Conselho de Administração, os honorários pagos aos mais de 60 consultores portugueses afectos a Isabel dos Santos, a presidente do Conselho de Administração, e os vistos de turista usados pela maioria.

Recentemente, Isabel dos Santos reiterou nos Estados Unidos da América que constam, entre os objectivos da sua liderança, “elevar a transparência” e “melhorar capacidades de gestão” na petrolífera estatal.

Maka Angola tem informações segundo as quais as remunerações dos membros do actual conselho de administração, incluindo Isabel dos Santos, não obedecem à tabela salarial da Sonangol e, por essa razão, os pagamentos são efectuados de forma secreta através de contas actualmente sob controlo e movimentação exclusiva de Sarju Raikundala, administrador financeiro, e da própria Isabel dos Santos.

Por outro lado, este portal apurou que os consultores portugueses estão a ser pagos no exterior do país, através da Sonangol Londres, com recurso às contas offshore da Sonangol no Investec Bank, nas Ilhas Maurícias e Hong-Kong.

O valor mensal da consultoria que assessora da filha do presidente na gestão da Sonangol, avaliado em muitos milhões de dólares segundo dados ainda sob investigação, chegam a ser equivalentes aos salários mensais de todos os funcionários do Grupo Sonangol. O escritório português de advogados Vasco Vieira de Almeida, a norte-americana Boston Consulting Group e pelo menos uma empresa da própria Isabel dos Santos, a Wise Intelligence Solutions, fazem parte do leque de consultores ao seu serviço, empregando sobretudo cidadãos portugueses.

Fonte do Ministério das Finanças, que prefere o anonimato, indica o potencial de violação da legislação em vigor, particularmente o Regime Especial de Retenção na Fonte do Imposto Industrial (Lei n.º 7/97). “A entidade a quem é prestado o serviço tem de fazer a retenção de impostos em Angola, mesmo em relação aos residentes não-cambiais, porque o serviço efectivo é prestado no país”, refere a fonte.

“Com esse esquema, os consultores não pagam impostos em Angola e a Sonangol foge às suas responsabilidades fiscais a esse nível”, acrescenta.

Por sua vez, um jurista que prefere o anonimato nota que “a lei angolana aplica taxas a transferências para o exterior para evitar fugas de capitais e fugas ao fisco (Decreto Legislativo Presidencial n.º 2/15) e tem revelado a tendência para dificultar os movimentos financeiros de estrangeiros para fora de Angola.”

“A utilização destas empresas e contas offshore representará uma maneira de contornar as restrições impostas em Angola aos movimentos financeiros para o exterior e de fugir ao pagamento de impostos em Portugal e/ou em Angola”, explica o jurista.

O jurista refere também o facto de a Sonangol Ltd (fundada em 1983), conhecida como Sonangol Londres, e a Sonangol Offshore Services Ltd (fundada em 2012) serem empresas de direito inglês para, respectivamente, a transação de crude a nível internacional e actividades combinadas de serviços administrativos de escritório. “Se porventura a utilização das empresas inglesas está a servir para fugir ao fisco português, então são aplicáveis todas as normas da União Europeia referentes a essas situações, obrigando à troca de informações e pagamento dos respectivos impostos.”

Consultores turistas

Há um caso caricato sobre a utilidade e os avultados custos de alguns dos consultores que têm a tarefa de reestruturar a Sonangol. Fontes do Ministério dos Petróleos referem, por exemplo, que dois funcionários portugueses do gabinete de Sarju Raikundalia recebem, só de subsídios de habitação, o equivalente a sete mil dólares mensais cada, um valor superior ao salário mensal de qualquer director de serviço da Sonangol. Estes valores são pagos localmente, enquanto os salários dos referidos funcionários também são canalizados através de Londres. Mas quais são as funções desses dois consultores? Têm a tarefa de fazer a pré-leitura dos documentos enviados pelas finanças para aprovação do administrador financeiro Sarju Raikundalia, cuja função, pasmem-se, é não-executiva. Este é o mesmo administrador que também tem de aprovar os pagamentos mensais da creche do filho do administrador para a área jurídica, César Paxe, entre outros detalhes comezinhos.

Consta na Sonangol que Sarju Raikundalia impede que qualquer documento que não passe pela pré-leitura dos seus dois compatriotas mereça sequer a sua atenção.

Através da Sonangol Londres, as operações financeiras também abrangem o pagamento das escolas dos filhos de Sarju Raikundalia no Porto, cidade de onde provém, entre outros custos similares.

Por outro lado, segundo apurou o Maka Angola junto de fontes fidedignas, grande parte dos cerca de 60 consultores portugueses trabalha na Sonangol com vistos de turistas, já que muitos, pelas suas qualificações, não têm como justificar os contratos de trabalho. São esses indivíduos, a maioria do Porto, e sob liderança do gestor da fortuna privada de Isabel dos Santos, Mário Leite Silva, originário do Porto, que controlam hoje toda a informação confidencial da Sonangol, grande parte dela relacionada com o seu envolvimento em questões de defesa e segurança do país.

Mário Leite Silva, actual presidente do Conselho de Administração do Banco de Fomento de Angola, passa grande parte do seu tempo no edifício da Sonangol, onde não tem qualquer função oficial. Continua, segundo fontes da empresa, a expedir ordens como o PCA de facto, exclusivamente através de Sarju Raikundalia, que lhe deve a nomeação para o cargo.

Segredos de Estado em mãos alheias

Vejamos um exemplo desta situação: actualmente, a Sonangol deixou de honrar os seus compromissos de pagamento da dívida do Estado de sete biliões de dólares a Israel, o que implica a suspensão do carregamento de petróleo para este país. Parte dessa dívida tem a ver com a prestação de serviços e equipamentos para a defesa e segurança do regime.

Agora, uma vez que o antigo correspondente da RTP em Angola, Paulo Catarro, trabalha directamente para Mário Leite Silva, enquanto assessor do gabinete de Comunicação da Sonangol, os leitores do Maka Angola e o público em geral serão certamente brindados com uma explicação imediata sobre as questões ora levantadas. Aguardamos ansiosamente.

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