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Offshores: “Tenhamos a coragem de não deixar tudo na mesma”

Intervenção de Mariana Mortágua no debate de urgência sobre o escândalo financeiro dos "Panama Papers".
Mariana Mortágua, foto de António Cotrim/Lusa.

Reproduzimos na íntegra a intervenção de Mariana Mortágua no debate de urgência sobre o escândalo financeiro dos "Panama Papers", que foi marcado pelo grupo parlamentar do Bloco de Esquerda:

"Milionários, jogadores de futebol, políticos, estrelas de cinema, prestigiados bancos, traficantes, terroristas ou simples e respeitados homens de negócios. Todos eles se encontram no Panamá, nas Bahamas ou nas ilhas Caimão, mas também na Suíça, no Luxemburgo ou na ilha da Madeira. Todos com o mesmo objetivo: fugir aos impostos e fugir à lei.

E não vale a pena dizer que há fugas aos impostos que são lícitas e outras que são ilícitas. Que há um sigilo que é legítimo e outro que não é. Porque todas estas operações, sejam para traficar droga ou para esconder uma mala de dinheiro corrupto, fazem uso de mecanismos legais, criados para isso mesmo. Neste sistema paralelo de segredo bancário, e de empresas fictícias e de contas fantasma, não há distinção entre o bem e o mal, não há distinção entre o que é moral e o que é imoral.

Todos os que procuram um offshore querem o mesmo: fugir às regras e às leis que regem a vida de todos os outros. E os outros são os povos, os trabalhadores, os mais pobres, os que não têm dinheiro para aceder à justiça, quanto mais para fugir à lei. São os que pagam com o seu salário ou com a sua reforma os impostos que Messi ou Ricardo Salgado não quiseram pagar. E não são os únicos.

Não nos esquecemos dos 220 portugueses apanhados em esquemas na Suíça e que constam de uma lista que a Presidente do FMI Christine Largarde nunca cuidou de enviar para Portugal. É difícil saber, mas estima-se que os portugueses tenham 69 mil milhões de euros em offshores e que todos os anos o valor da fuga aos impostos chegue aos 10 mil milhões.

E por isso, Sras e Srs Deputados, olhamos com atenção para o escândalo dos documentos do Panamá, mas perguntamos: Qual é a novidade?

Só a hipocrisia pode justificar a surpresa de quem finge só agora ter percebido que afinal os offshores até são mesmo para fugir ao fisco e que afinal os offshores até são mesmo para fazer lavagem e branqueamento de capitais. Qual é a novidade sras e srs Deputados?

Não conhecemos por acaso a forma como Jardim Gonçalves no BCP utilizou 31 offshores para manipular o mercado? Não houve por acaso uma Comissão de Inquérito a essas operações em 2008?

Não conhecemos por acaso a forma como o BPN utilizou centenas de offshores para orquestrar um dos maiores crimes económicos que o país já viu? Não houve por acaso uma Comissão de Inquérito ao BPN em 2009?

Não conhecemos por acaso as sociedades nas ilhas Caimão que o BPP usou para manipular resultados, ou para fazer pagamentos a administradores?

Não conhecemos por acaso o esquema de financiamento montado pela ESCOM e pelo Concelho Superior do Grupo Espírito Santo para esconder a comissão paga pelo consórcio alemão no negócio da compra dos submarinos pelo Estado Português? Não houve por acaso uma Comissão de Inquérito em 2015 a esse negócio?

Não conhecemos, por fim, a teia de offshores montada pelo grupo Espírito Santo para todo o tipo de operações, muitas delas que ainda hoje não conhecemos, muitas delas passando pelo Panamá? E não concluímos, nessa mesma Comissão de Inquérito, que a opacidade, a facilidade de circulação de capitais, e os offshores são instrumentos de fraude e foram centrais para a queda do BES?

Sras e srs Deputados, é ou não verdade que uma das recomendações da Comissão de Inquérito ao BES, aprovada nesta casa no ano passado, foi, e cito:

“A Imposição de total transparência, com identificação das transacções e seus beneficiários últimos sempre que entidades veículo, intermediários financeiros ou empresas ‘offshore’ estejam envolvidos em movimentações financeiras efectuadas por instituições bancárias."

Então, srs Deputados do PSD, do PS e do CDS, se isto é verdade, não deviam explicar ao país por que é que, dias depois da aprovação daquele relatório, chumbaram as propostas do Bloco de Esquerda para acabar com as transações para veículos offshore com beneficiários desconhecidos? Não é uma explicação que devem ao país depois de quatro Comissões de Inquérito a quatro falências bancárias, todas usando offshores?

O escândalo dos documentos do Panamá exige-nos muito mais que uma hipócrita exclamação de surpresa, seguida de uma igualmente hipócrita declaração de impotência.

Não temos ilusões - sabemos que não podemos determinar o que se passa nas Bahamas. Mas também não alimentamos falsas esperanças de uma suposta coordenação internacional - Jean-Claude Junker, antes de ser presidente da Comissão Europeia, era Primeiro Ministro do Luxemburgo, e dedicava-se a negociar esquemas de evasão fiscal com os maiores bancos europeus.

Não temos ilusões, não alimentamos falsas esperanças, mas somos exigentes com o nosso país e recusamos participar nesta farsa coletiva. Há coisas que este Parlamento, sim, pode fazer para acabar com os offshores:

O mínimo, para começar, será aprovar as propostas que o Bloco reapresentará para obrigar à identificação dos beneficiários últimos das entidades que tenham capital em bancos; para proibir transações com entidades não cooperantes; para criminalizar o enriquecimento ilícito e para taxar pesadamente transações para offshores.

Não ignoramos também o elefante na sala. Portugal tem o seu próprio offshore. A Madeira ficou conhecida internacionalmente como um paraíso especializado na manipulação de contabilidade de inúmeras empresas por esse mundo fora. É preciso separar de vez o que são incentivos legítimos e devidos a uma zona ultraperiférica daquilo que são instrumentos de beneficio fiscal e legal absolutamente injustificados. Os cidadãos da Madeira não mais podem ser reféns do seu próprio offshore, utilizado como chantagem para a falta de apoio que é dada à Madeira para ultrapassar o seu nível de subdesenvolvimento e probreza.

Finalmente, é urgente dotar as unidades de investigação fiscal e criminal dos meios financeiros e humanos, mas também da vontade política necessária para tornar o combate à fraude e à evasão fiscal uma prioridade. Do lado de lá estão os maiores bancos mundiais, poderosos escritórios de advogados, estão reputadas empresas de consultoria. Do lado de cá tem de haver muito mais que uma simples declarações de intenções.

Sras e srs Deputados,

O apelo que o Bloco de Esquerda hoje traz à Assembleia da República no rescaldo do maior escândalo financeiro, provavelmente, do século, é este: para além da indignação fácil é preciso que este caso possa provocar a coragem para não deixarmos que tudo fique na mesma."

Mariana: "É urgente vontade política para tornar o combate à fraude e à evasão uma prioridade"

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