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O debate sobre política fiscal na Conferência "Que Orçamento para Portugal?"

Na Conferência "Que Orçamento para Portugal?", José Gusmão defendeu um “IRS progressivo e sério” e criticou a queda constante das receitas do IRC. Carlos Pimenta falou de evasão e fraude fiscal e Paulo Ralha de como a combater.
Mesa da sessão sobre política fiscal na Conferência "Que Orçamento para Portugal?"
Mesa da sessão sobre política fiscal na Conferência "Que Orçamento para Portugal?"

Na sessão sobre política fiscal na Conferência "Que Orçamento para Portugal?", intervieram José Gusmão da comissão política do Bloco de Esquerda, Paulo Ralha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) e Carlos Pimenta, fundador do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (Obegef).

Evolução regressiva da tributação em Portugal

Na sua exposição (aceda à apresentação), José Gusmão criticou a evolução profundamente regressiva na tributação em Portugal, nos últimos anos, e apontou “o muito que há a fazer” sobre a fiscalidade em Portugal.

Salientando que dois impostos (IVA e IRS) representam mais de 70% da receita fiscal, defendeu a necessidade de “um IRS progressivo a sério”, destacando que este é essencialmente pago por trabalhadores por conta de outrem e pensionistas. José Gusmão criticou então um conjunto de medidas profundamente regressivas, penalizadoras para a esmagadora maioria dos contribuintes, como a imposição da sobretaxa, que em 2017 terminará, e a alteração da estrutura de escalões.

O dirigente bloquista destacou o elevado peso do IVA nas receitas fiscais, o maior peso dos impostos indiretos em relação aos diretos e alertou para um parágrafo do OE2017.

Os impostos indiretos, que incidem sobe o consumo ou a despesa, representam mais de 50% das receitas fiscais. As receitas do IVA são quase 40% das receitas fiscais e mais de 70% das receitas dos impostos indiretos. Os impostos indiretos, que em geral atingem todos os contribuintes por igual, pesam mais sobre os mais pobres do que sobre os contribuintes mais ricos.

José Gusmão alertou que o Governo defende a substituição de impostos diretos por impostos indiretos, citando um parágrafo do OE 2017:

Impostos diretos e indiretos

Relativamente à receita, o Governo prosseguirá a atual política de recomposição da receita fiscal, substituindo impostos diretos por impostos indiretos, o que permite fomentar a utilização dos factores produtivos, aumentar o rendimento disponível das famílias e a melhoria das condições sociais.”
Relatório do OE 2017

O dirigente bloquista apontou também medidas para aumentar a justiça social na tributação indireta: penalização dos bens de luxo, proteção de um cabaz de bens essenciais e promoção de uma fiscalidade indireta com critérios sociais, ambientais e económicos.

Criticou igualmente as reformas que têm sido feitas no IRC, que levam a que as receitas deste imposto venham caindo desde 2000 e, ironizando, afirmou “IRC: sabe bem pagar cada vez menos”. Enquanto que o peso do excedente bruto de exploração (EBE) no PIB cresceu de 45% para quase 50%, entre 2000 e 2015, as receitas do IRC caíram, em igual período, de 40% do PIB para menos de 30%.

O dirigente bloquista realçou ainda e criticou o facto de a União Europeia ser “uma zona de concorrência fiscal desenfreada”.

Por fim, destacou o baixo peso que a tributação da propriedade tem em Portugal (1,1% do total dos impostos, em 2013), enquanto que na maior parte dos países europeus essa percentagem é bem mais elevada e a própria média da UE era de 1,7% em 2013.

Faltam recursos para combater evasão e fraude

Paula Ralha destacou na sua intervenção que faltam recursos no combate à evasão fiscal e defendeu uma reorganização da Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA).

Salientando que a maior parte dos dados da ATA vêm automaticamente por meios digitais, Paulo Ralha apontou a necessidade de “ver quem está fora do sistema” e ver “quem vai para além do planeamento fiscal” e, para isso, falta inspeção.

Segundo o sindicalista, a ATA tem 10.500 funcionários, mas grande parte deles está ocupado em tarefas secundárias no atendimento em relação com a tributação do património e com esclarecimento sobre o IRS. Paula Ralha defendeu a necessidade de medidas que aliviem o atendimento, como o pré-preenchimento do IRS, em aplicação, ou o documento patrimonial único, e a reorganização da ATA, aumentando os recursos para “investigar o que é relevante”. Existem duas equipas neste trabalho, uma de combate à fraude e outra dos grande contribuintes e, segundo o sindicalista, todos os grandes casos conhecidos e julgados nos últimos anos “dependem apenas de uma equipa”.

O sindicalista defendeu também a importância de as instituições financeiras reportarem à ATA os saldos bancários superiores a 50 mil euros, sublinhando que se trata apenas do reporte, que considera necessário para o combate à fraude e à evasão.

Paula Ralha sublinhou a necessidade desta tomada de medidas, sublinhando que sem isso “a justiça fiscal é uma utopia”.

50 mil milhões/ano de economia não registada

Carlos Pimenta, que falou de evasão e fraude fiscal (ver apresentação), começou por apontar que a Economia Não Registada (ENR) representa é de 50 mil milhões de euros por ano, cerca de 26% do PIB, e tem tendência a aumentar. Na ENR, a economia subterrânea constitui uma parte significativa. A ENR compõe-se ainda de Economia ilegal, economia informal e autoconsumo.

O investigador defendeu a necessidade de conjugação de esforços, de todas as entidades que fazem estimativas, nomeadamente o INE e a ATA, para cálculos mais exatos e comuns sobre a fuga ao fisco em Portugal.

Carlos Pimenta defendeu também a necessidade de um estudo feito “criteriosa e cientificamente”, sobre a moral fiscal em Portugal e que “esse conhecimento sirva de suporte a uma intervenção política”.

Por fim, o investigador abordou os paraísos fiscais e judiciários, apontando que representam entre 21 e 32 biliões (milhões de milhões) de dólares, têm fluxos financeiros transfronteiriços de um a 1,6 biliões de dólares.

Salientando que grande parte dos paraísos fiscais e judiciários estão na Europa, Carlos Pimenta apontou três medidas:

- defesa do fim dos paraísos fiscais, no plano internacional;

- ampliação da lista oficial portuguesa de paraísos fiscais;

- fim do branqueamento do “entreposto da Madeira”.

(...)