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Não à ampliação da vida das centrais nucleares

Não é momento de falar de como e por quanto tempo prolongar a vida das nucleares que estão em funcionamento, mas sim do seu calendário de encerramento. Artigo de Iván Calvo, Marta Victoria, Juan López de Uralde e Josep Vendrell.
Foto Ministério do Interior/Flickr.

Em princípio, as centrais nucleares espanholas estão desenhadas para ter uma vida útil de 40 anos. No entanto, há algum tempo tem-se vindo a desenvolver uma estratégia por parte do Governo do PP e das eléctricas do oligopólio para renovar as permissões de exploração das centrais ainda que já se tenham cumprido esses 40 anos. As próximas semanas são fundamentais a este respeito, pois a data limite para que a central de Almaraz I (a mais antiga das que estão em funcionamento) solicite a renovação tem lugar na primeira metade de junho (legalmente, a solicitação tem de realizar-se três anos antes do fim da autorização, que ocorre em junho de 2020 no caso de Almaraz). A seguir, de forma progressiva, seria previsível que chegasse a solicitação de renovação das permissões das restantes centrais nucleares.

É interessante recapitular e explicar brevemente alguns passos significativos nesta operação de alargamento da vida das nucleares. A desconexão da rede da central de Santa María de Garoña é um bom ponto de partida para a história. Os 40 anos de vida desta central cumpriam-se em 2011. Em 2009, o Governo do PSOE ampliou a autorização de operação até 2013. No entanto, em dezembro de 2012, a central de Garoña deixou de funcionar por decisão da empresa proprietária, Nuclenor (participada em 50% pela Iberdrola e Endesa), que alegou que não era economicamente rentável manter aberta a central.

A partir de aqui começa uma longa batalha, não sempre fácil de interpretar. Em 2014, a Nuclenor solicitou a reabertura de Garoña e a extensão da sua autorização de funcionamento até 2031, quando cumpriria 60 anos. Perante esta solicitação, o Conselho de Segurança Nuclear (CSN) exigiu uma série de reformas em matéria de segurança como condição necessária e prévia à emissão de um potencial parecer positivo à reabertura. Não está claro que a Nuclenor reabra Garoña se finalmente receber luz verde para tal, mas conseguir o parecer positivo do CSN era fundamental por outro motivo: como precedente para solicitar a ampliação da vida útil das centrais nucleares em funcionamento.

Em todo o processo, a independência do CSN como organismo supervisor foi sendo, cada vez mais, posta em causa, resultando evidente que actuava como colaborador essencial no projecto para ampliar a vida útil das nucleares. De facto, no final de 2016, a Associação Profissional de Técnicos do Conselho de Segurança Nuclear enviou uma carta à Comissão de Indústria, Energia e Turismo do Congresso dos Deputados alertando para a “grave diminuição” da função regulatória do organismo. Pouco depois, em fevereiro de 2017, o CSN aprovou um relatório chave, com efeitos de longo alcance. Em primeiro lugar, nele dá-se aval à reabertura de Garoña, com a condição de que se façam os investimentos em segurança exigidos. Sublinhe-se que isto representava uma viragem face à proposta anterior do próprio CSN, segundo o qual as melhorias de segurança eram uma condição prévia à emissão de um parecer a favor da reabertura. A segunda decisão do relatório é ainda mais importante: até esse momento, as permissões de operação das centrais podiam renovar-se, como máximo, por períodos de 10 anos. O relatório eliminou esse limite ao mesmo tempo que emitia o parecer sobre Garoña.

Existindo este relatório do CSN, o Governo tem a última palavra. A oposição política à reabertura de Garoña é avassaladora, pelo que esperamos que não receba a autorização do Governo. Em todo caso, já dissemos que a batalha principal, na realidade, não passa por Garoña. O objectivo do PP e das eléctricas era chegar a junho de 2017 com as peças adequadamente colocadas no tabuleiro. Como indicávamos no início, esta data marca a data limite para que Almaraz I solicite a renovação da sua autorização de operação.

O motivo pelo qual as eléctricas querem conseguir a renovação das autorizações de exploração é simples: as centrais nucleares são muito rentáveis para elas. Antes da liberalização do sector eléctrico, as nucleares espanholas gozaram de um quadro normativo regulado que lhes garantia a recuperação do seu importante investimento inicial (tão importante que foi necessário resgatar as empresas) e uns benefícios que se consideraram razoáveis. Convém recordar, além disso, que nos primeiros anos depois da liberalização do sector eléctrico estas centrais cobraram a título de Custos de Transição à Concorrência (os famosos CTC), os quais tinham o objectivo de garantir que as potenciais incertezas do mercado (ou seja, os potenciais baixos preços do mercado, que não tiveram lugar, como bem sabemos) não pusessem em perigo a recuperação do investimento. Desde 1998, e graças aos elevados preços da electricidade determinados pelo já “livre” mercado eléctrico, as nucleares geraram enormes lucros para os seus proprietários, conhecidas como “rendimentos caídos do céu”, uma denominação quase auto explicativa. Obviamente, as eléctricas não admitem a existência destes lucros caídos do céu. E não só isso, senão que a Iberdrola deu início a uma campanha de comunicação em que afirma, nada menos, que as suas centrais nucleares geral prejuízos e que não são economicamente viáveis com os impostos e taxas que actualmente suportam, sugerindo que a empresa poderia não estar interessada em continuar com a sua operação. É inquestionável que, em particular, se trata de uma forma de pressionar ao Governo para que reduza os encargos fiscais a que estas centrais estão submetidas.

Opomos-nos a que se prolongue a vida das centrais nucleares porque não queremos que as eléctricas engordem ilegitimamente os seus lucros à custa da cidadania. Mas não só por isto, evidentemente. Opomos-nos porque as centrais nucleares são perigosas, podendo originar acidentes catastróficos; porque enquanto estiverem em funcionamento continuam a gerar resíduos radioativos que contaminam durante milhares de anos e cujo tratamento não está resolvido; e, não menos importante, porque as centrais nucleares são um obstáculo para a transição para um sistema eléctrico 100% renovável. Ao contrário do que frequentemente ouvimos, as renováveis intermitentes como a eólica e a fotovoltaica não precisam da produção em suporte constante das nucleares. Ao invés, requerem apenas o apoio de fontes que forneçam uma potência regulável. De facto, se a penetração da eólica e fotovoltaica é suficientemente alta, estas tecnologias e a nuclear são, directamente, incompatíveis.

Aqueles que estão a favor do alargamento da vida das nucleares costumam esgrimir o argumento de que o seu encerramento repercutiria num aumento da factura de electricidade que pagam os consumidores eléctricos e das emissões de CO2. Nenhum destes efeitos é inevitável. Ambos dependem do tipo de política energética que se leve a cabo antes, durante e após o encerramento da nuclear. Por exemplo, em vez de continuar a pagar os lucros caídos do céu das nucleares, faz mais sentido investir as quantidades correspondentes na instalação de renováveis que substituam a potência nuclear sem aumentar as emissões de CO2.

Por tudo isto, apoiamos a manifestação antinuclear convocada por diversos colectivos da sociedade civil para o dia 10 de junho em Madrid. Achamos que não é momento de falar de como e por quanto tempo prolongar a vida das nucleares que estão em funcionamento, mas sim do seu calendário de encerramento. A nossa proposta é conhecida: que as autorizações de exploração não se renovem, de maneira a que o encerramento nuclear ocorra progressivamente à medida que aquelas expirem.

Iván Calvo y Marta Victoria
Membros da Secretaria de Economia, Energia e Modelo Produtivo do Podemos
Juan López de Uralde
Coporta-voz do Equo e deputado do Unidos Podemos no Congreso
Josep Vendrell
Deputado do En Comú Podem no Congreso

Artigo publicado no Público.es

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