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Moçambique não paga dívida

O governo moçambicano anunciou que o país entra em incumprimento, não pagando 59,7 milhões de euros de juros da dívida pública, que deveriam ter sido pagos a 18 de janeiro.
Marcha pelo Direito à Esperança contra a crise política e a situação económica, Maputo, 18 de junho de 2016 – Foto de António Silva/Lusa
Marcha pelo Direito à Esperança contra a crise política e a situação económica, Maputo, 18 de junho de 2016 – Foto de António Silva/Lusa

Na passada segunda-feira, 16 de janeiro de 2017, o ministério da Economia e Finanças da República de Moçambique tornou público um comunicado onde informava “os detentores dos 726,5 milhões de dólares (...) emitidos pela República que o pagamento da prestação dos juros dos Títulos, no montante global de 59,7 milhões de dólares, devidos a 18 de janeiro de 2017, não será feito pela República de Moçambique”.

No comunicado refere-se que a “degradação da situação macro-económica e a situação fiscal da República afetou severamente as Finanças Públicas do país” e que a capacidade de pagamento é “bastante limitada em 2017”.

O Governo de Moçambique diz que “está a trabalhar ativamente com o FMI para estabelecer as condições necessárias para uma retoma da assistência financeira a Moçambique pelo FMI, apoiado por um programa ambicioso de reformas a serem acordadas, o que jogará um papel importante na melhoria das finanças da República e estabilização da situação macroeconómica do País”.

No comunicado afirma-se ainda que “de modo a que o FMI retome o apoio financeiro a Moçambique será necessário que a República de Moçambique tome passos em conjunto com os credores externos de modo a trazer a dívida para uma trajectória de sustentabilidade”.

O Governo de Moçambique assumiu a 16 de janeiro o incumprimento dos juros, que eram devidos em 18 de janeiro de 2017, apesar de ter um período de tolerância de 15 dias para o pagamento.

Empréstimos ilegais

Segundo o afrique.latribune.fr, a dívida de 726,5 milhões, cujos juros não serão pagos agora, foi contraída em março do ano passado, com o país sob uma forte pressão de endividamento e perante escândalos de empréstimos ilegais. Três empresas (Ematum, a Empresa Moçambicana de Atum, Proindicus e MAM – Mozambique Assett Management) tinham contraído, em anos anteriores, empréstimos, com cobertura governamental, mas ilegais e sem registo nas contas do Estado.

Segundo o afrique.latribune.fr, os mais de 1,37 mil milhões de dólares destes empréstimos ilegais serviram para “adquirir material militar”.

Em abril do ano passado o FMI suspendeu o “programa de assistência financeira” a Moçambique, aprovado em dezembro de 2015, sob pretexto de ter conhecido a existência desses empréstimos escondidos, e em novembro passado confirmou publicamente que Moçambique tinha dívida escondida. O Governo de Moçambique tem vindo então a tentar que o FMI antecipe a retoma do programa suspenso, mas tal não aconteceu e o FMI parece exigir mais medidas.

Analistas, referidos pela agência Lusa, apontam que, com o incumprimento, Moçambique “estica a corda” na negociação com os credores. O economista-chefe da Exotix Partners, Stuart Culverhouse, disse à Bloomberg que “nenhum dos lados está numa posição confortável” e afirmou, segundo a Lusa, que as negociações entre o Governo moçambicano e os credores da dívida pública podem resultar num corte nos pagamentos [“haircut”] de 20 a 40% face ao valor dos títulos”.

O afrique.latribune.fr diz que o FMI não é a única entidade internacional em rotura com Moçambique, apontando também o Banco Mundial, a União Europeia e investidores privados.

A situação política e económica do país é grave e, em junho passado, realizou-se uma forte marcha pelo Direito à Esperança em Maputo, capital de Moçambique, promovida por organizações da sociedade civil. O protesto foi contra a dívida e a crise política, pela responsabilização dos autores das dívidas escondidas e em defesa da liberdade de expressão.

Bancos portugueses com "exposição pequena"

Sobre possíveis implicações do incumprimento na bolsa de Lisboa, o Negócios apontou na passada terça-feira, citando analistas do BPI, as empresas Mota-Engil, Navigator e o setor da banca. De acordo com a notícia, a Mota-Engil “gera 12% do EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações)” e a Navigator “sinalizou reavaliação” de reforço de investimento no projeto de desenvolvimento florestal de Moçambique, após descoberta da dívida escondida. Quanto à banca, o artigo refere que "as exposições são relativamente pequenas", mesmo no caso do BCP e da CGD, que “são os nomes com maior exposição ao terem participações maioritárias em subsidiárias locais".

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