Investigadores defendem fim de parecer médico para mudar género no registo

14 de fevereiro 2017 - 14:57

Mais de 50 investigadores secundam a proposta bloquista, afirmando que em causa está um “problema político e de acesso a direitos”, e manifestam ainda a sua concordância com a redução da idade legal dos 18 para os 16 anos.

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Foto de Paulete Matos.

Os investigadores entregaram esta terça-feira na Assembleia da República um parecer no qual defendem que o que a proposta bloquista, que visa o reconhecimento do direito à autodeterminação de género, faz é retirar “da alçada exclusiva dos/as profissionais de saúde a definição normativa que é o diagnóstico da disforia de género, transformando-o num acto através do qual o Estado garante e reconhece o direito a uma identidade de género e salvaguardando as pessoas de discriminações”.

“Trata-se de uma medida que promove uma maior democratização nas relações sociais de género e na relação dos indivíduos com o Estado, precisamente porque assenta no respeito integral pelas formas de subjetivação que cada pessoa expressa e com as quais se identifica, em vez de fazer assentar esse reconhecimento exclusivamente numa visão biomédica unilateral” assinalam, salientando que “este projeto de lei determina que o Estado aceite que cada cidadã/o tenha a sua identificação e expressão de género e que a/o reconheça nesse processo”.

O documento, da autoria de João Manuel de Oliveira, investigador em Estudos de Género, ISCTE-IUL , Nuno Santos Carneiro, investigador em estudos LGBT, Centro de Psicologia da Universidade do Porto , Liliana Rodrigues, investigadora em estudos de género e LGBT, Centro de Psicologia da Universidade do Porto, Ana Cristina Santos, Socióloga e Investigadora em Estudos de Género, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra , e Conceição Nogueira, professora associada com agregação e investigadora em Estudos de Género, foi subscrito por perto de meia centena de investigadores, entre os quais Gabriela Moita, Anália Torres, Manuela Tavares, Alexandra Oliveira, Pablo Peres Navarro e  Sandra Vilarinho.

No parecer, é referido que “os conceitos de homem e de mulher constituem-se como relativos, discutíveis e determinados por localização no espaço, no tempo e na cultura”.

“Um dos pressupostos centrais da perspectiva patologizante, que recorre a conceitos como disforia de género, implica a produção de uma normativa médica e psiquiátrica que separa pessoas com disforia de género de pessoas com género consentâneo com a (fabricada) homologia naturalizadora”, avançam os investigadores.

“A disforia de género apresenta problemas de verificabilidade e de testagem, mas com essa categoria se determina o modo como o Estado interage e reconhece direitos de cidadania. Logo, não se trata de um problema científico, mas antes político e de acesso a direitos”, acrescentam.

A par do fim do parecer médico para mudar o género no registo, os investigadores defendem ainda a redução da idade legal dos 18 para os 16 anos, referindo que “importantes trabalhos de investigação internacionais alertam para os benefícios desenvolvimentais decorrentes da não imposição precoce de escolhas sobre o sexo e/ ou das normas de género”.

Os investigadores contrariam assim o parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que defende que a proposta bloquista não merece aprovação: “Por estas razões, e face aos conhecimentos da área dos Estudos de Género, esta lei configura-se como perfeitamente adequada e é nosso entendimento que se aprovada, irá garantir uma maior igualdade e democratização das relações de género por consagrar as identificações de género como auto-determinadas”, lê-se no documento.

Pelo “direito à autodeterminação de género”

No Manifesto Eleitoral para as Legislativas de 2015, o Bloco propôs como caminhos a “adoção das recomendações europeias quanto à despatologização do reconhecimento jurídico do género, ao reconhecimento de identidades não-binárias” assim como o “reconhecimento da autonomia pessoal das pessoas trans e intersexo na decisão da alteração de sexo e nome no registo civil, com garantia de acesso a todos os cuidados de saúde através do SNS”. Propôs ainda a “promoção de políticas públicas que promovam a inclusão e proíbam a discriminação com base na orientação sexual ou identidade de género nos setores fundamentais do Estado como a Saúde, a Educação, a Justiça ou a Segurança”.

Na esteira dos compromissos eleitorais assumidos, os bloquistas apresentaram na Assembleia da República um diploma que visa consagraro direito à autodeterminação de género, bem como os termos do seu exercício, nomeadamente no que diz respeito à alteração do registo civil, assim como à proteção específica em matéria de acesso à saúde, educação, trabalho e proteção social”.

O projeto de lei agora apresentado reconhece o direito à autodeterminação de género, eliminando os requisitos abusivos e atentatórios da dignidade humana presentes no atual procedimento de reconhecimento jurídico do género, que exige a apresentação de um relatório de diagnóstico de saúde mental, colocando nas mãos de terceiros a decisão sobre a identidade das pessoas trans e de género diverso”, lê-se na proposta.

O Bloco “considera que a partir dos dezasseis anos deve ser reconhecido a qualquer pessoa o direito à autodeterminação de género”, lembrando que “é igualmente a partir dessa idade que uma pessoa pode contrair casamento e, por essa via, emancipar-se, começar a trabalhar, pagar impostos ou mesmo ser criminalmente responsabilizada”.

A autorização dos representantes legais abre a possibilidade ao reconhecimento jurídico do género também a crianças e jovens”, assinala.

O projeto garante ainda “o reconhecimento jurídico do género a pessoas estrangeiras residentes em Portugal e reconhece as alterações de registo do nome e sexo efetuadas noutros Estados ou por sentença judicial estrangeira” e “prevê, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, o acesso aos tratamentos farmacológicos e intervenções cirúrgicas destinados a fazer corresponder a identificação do corpo com o género com o qual a pessoa se identifica, aplicando-se, em caso da impossibilidade ou atraso do SNS em prestar estes serviços, as regras já estipuladas para as cirurgias programadas no que se refere a prazos e a alternativas médicas, por via dos cheques-cirurgia”.

Não se limita, no entanto, a melhorar este procedimento administrativo, promovendo também medidas contra o generismo e a transfobia e garantindo o direito de acesso à saúde, à educação e à não-discriminação no âmbito laboral”, refere o documento, que avança que “estas medidas e em especial o respeito pela privacidade e o cumprimento do tratamento digno das pessoas trans ou de género diverso, só podem ser efetivadas se forem garantidas as condições para a sua aplicabilidade”.