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"Guerra no Curdistão obriga curdos a serem mão de obra barata na Turquia"

Entrevista ao realizador curdo Kazim Öz, que esteve em Lisboa para mostrar o seu documentário "Once Upon a Time".
Kazim Öz
O realizador curdo Kazim Öz.

Esta estrevista foi incluída no oitavo programa Mais Esquerda, que pode ser visto aqui (e na íntegra aqui). Em baixo, pode ler e ver a entrevista completa a Kazim Öz, que decorreu no MOB - espaço associativo.

O teu filme "Once Upon a Time" descreve a situação vivida por mais de um milhão de trabalhadores na Turquia, que trabalham em agricultura. Podes descrevê-la?

Há um ou dois milhões de pessoas a trabalhar sazonalmente nesta situação, este filme realmente representa as vidas que um ou dois milhões de pessoas vivem neste momento. Podemos pensar nestas pessoas enquanto vemos o filme. Uma parte importante desta população são crianças e idosos, por isso está além de um contexto etário. A maior parte deles trabalham sem segurança, é a situação em que vivem.

E os salários também são baixos?

Sim, os salários são bastante baixos, e se pensarmos em euros, em 9 dias ganham 8 ou 9 euros, pelos 9 dias. E durante a filmagem do filme, ele conheceu algumas crianças mais novas, de 11 anos, a trabalhar constantemente nas quintas. 90% dessas pessoas são curdas e também têm a dificuldade desta questão nacionalista.

E o que levou as pessoas do filma a saírem da sua aldeia nativa para trabalhar nos campos? É essa a razão que leva a maior parte das pessoas a fazê-lo?

É uma muito boa questão. Essas pessoas não conseguem encontrar trabalho no Curdistão, é por isso que deixam as suas casas para irem trabalhar nessas condições. Uma razão é a questão curda, que no Curdistão não está solucionada e por causa deste problema, há um clima de guerra e eles tiveram de sair de lá. E a segunda razão é que, para o Oeste da Turquia, a mão de obra curda é barata, as pessoas têm de ir para lá trabalhar e são mão de obra barata. Esta é a política do Estado.

Disseste recentemente que “a arte deve continuar a ser a consciência da humanidade”, qual achas que é o papel da arte na mudança das vidas das pessoas? Eem particular, das pessoas que vivem numa situação de conflito, como a população curda?

A arte relaciona-se principalmente com os conflitos pessoais e também os conflitos da sociedade. No mundo há, neste momento, conflitos entre as classes, géneros, áreas e regiões. A arte deveria tocar essas questões em todos estes conflitos, deveria atuar nesse sentido. Se a arte não é uma ferramenta nas mãos dos Estados, é uma ferramenta importante para tocar nesses assuntos, e para tocar nas vidas das pessoas também. Mas a arte recentemente, infelizmente, é uma ferramenta do capital, dos Estados, é como uma droga da religião, é uma ferramenta, infelizmente. 

Documentários como este têm um impacto não só na vida das pessoas com quem trabalhaste na altura, mas também das pessoas que o vêem depois. Por isso também pode ser um meio de descrever internacionalmente esta situação vivida por mais de dois milhões de pessoas. De que forma achas que a comunidade internacional se poderia envolver naquilo que se está a viver neste momento na Turquia?

A razão de filmar este tipo de documentários é para mostrar esta realidade ao mundo e criar uma perceção disso. O objetivo é criar uma perceção e uma consciência das pessoas, para elas quebrarem o estranhamento que têm, porque o objetivo é mostrar, nos bastidores, de onde vêm os vegetais que comem e como chegam às vossas mesas.

Há muitas coisas que podem ser feitas sobre esta questão. Por exemplo, poderíamos ajudá-los os trabalhadores a ser mais conscientes e, sobretudo, organizados sobre esta situação, e dar-lhes a consciência e a luta, apoiarmos a sua luta. Na verdade, isto não é só para a população curda na Turquia, mas é uma questão internacional. Talvez em Portugal alguns indianos tenham este problema, nos Estados Unidos, são as pessoas do México, na China pessoas de Tamil têm este problema, é uma questão internacional, não é só nacional.

 

 

 

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