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Falar em direitos, considerar os animais

Uma política que, na sua totalidade pretende ser progressista, não pode descurar os direitos dos animais. Artigo de Sandra Almeida

Sim, falar em direitos, dignidade, qualidade de vida e progresso, é também falar em animais. É considerá-los. Pelo menos para o Bloco de Esquerda é assim. E por ser assim, as problemáticas relativas aos animais são contempladas nos programas eleitorais, fazem parte dos temas a tratar e a levar aos cidadãos nas sessões públicas organizadas, justificando também a criação de um grupo de trabalho que, na capital do país, atua para que aquilo que teoricamente concebe e defende, possa efetivamente ser posto em prática.

Podemos sempre perguntar: a crise que o país atravessa e as imensas dificuldades dos portugueses, dão margem para que um partido político atente às questões relacionadas com os animais? Não devem estar as pessoas em primeiro lugar? Não existem associações suficientes para que as respostas aos problemas dos animais se resolvam? É, de facto, tentador responder “sim”. Demasiado tentador, mas a realidade impõe-se particularmente dura e violenta para que a resposta seja tão imediata, tão simples, tão facilmente desligada daquela que é a complexidade da relação/unidade dos direitos, daquilo que caracteriza as sociedades evoluídas e onde a ética e os valores imperam. É, de facto, uma questão de civilização e de desenvolvimento que está em causa e que não pode, por isso, ser descurada.

Uma política que, na sua totalidade pretende ser progressista, não pode descurar os direitos dos animais. O direito ao seu bem-estar físico e psicológico, o direito a não ser considerado uma “coisa ambulante”, o direito a cuidados de saúde, a acompanhamento com qualidade, o direito à protecção e à defesa de todo o tipo de agressões. Se esta vertente da política (e da acção) não existir e for esquecida e/ou secundarizada, então o problema é dessa mesma política. E é um problema porque a torna mais frágil, mais incompleta e cúmplice do entendimento limitado ou tendencioso que se faz ou possa fazer dos direitos, mas também dos deveres e das obrigações. Uma política progressista não pode, pois, esquecer que deve promover no seio da sociedade para que se dirige um conjunto de deveres e obrigações que garantem e reforcem qualidade de vida e que procure soluções para erradicar práticas que dignificam muito pouco o ser humano e são altamente perniciosas para os animais.

Foi efetivamente tendo estes pressupostos em conta que, mais recentemente, o Bloco de Esquerda contemplou no seu programa eleitoral para a cidade de Lisboa, no âmbito do tema agregador “Lisboa solidária”, um capítulo relativo aos animais intitulando-o com uma frase/uma ideia particularmente feliz: “Uma cidade amiga dos seus melhores amigos”. Tendo em conta especialmente os animais de companhia mais comuns, os cães e os gatos, o programa procura alertar e, simultaneamente dar resposta às seguintes questões/problemas: a existência de um posto móvel para esterilizações e tratamentos, a constituição de redes de intervenção a favor dos animais da comunidade, a realização de uma campanha de sensibilização contra o abandono, a possibilidade de existência do estatuto de animal comunitário, a defesa de um canil/gatil em condições, a importância de atender e castigar os maus tratos e abandono de animais, assim como a relevância de pôr espaços devolutos da CML ao serviço dos animais. Estamos perante um programa de ação bastante abrangente, mas absolutamente essencial para dar resposta às realidades e às dificuldades verificadas na cidade.

Tendo o Bloco de Esquerda conseguido eleger elementos para a Assembleia Municipal, não retomar estas questões faz ou faria algum sentido? Os problemas terão, porventura, deixado de existir? Importa secundarizá-los em detrimento de outros problemas e realidades igualmente graves e descaracterizadoras da cidade? Não, não faz e porque assim é, na sessão ordinária da Assembleia Municipal do dia 26 de novembro de 2013, o Grupo Municipal do Bloco de Esquerda apresentou a moção intitulada “Posto móvel para esterilizações e tratamentos”.

Em Lisboa, o Bloco de Esquerda iniciou, portanto, a “luta” para que o seu programa relativo aos “melhores amigos” comece a ser posto em prática. A moção, no enquadramento à deliberação pretendida, faz referência à predominância em Portugal de uma política de erradicação de cães e gatos baseada no abate anual de dezenas de milhares de animais, à condenação ética do abate, porque desvalorizadora da vida e banalizadora da violência, à não resolução dos problemas de reprodução e abandono existentes, sem deixar de referir a venda de animais e adoções insuficientes, assim como a inexistência de campanhas de esterilização por parte da autarquia. Contrapõe, a tudo isto a importância da esterilização para redução da sobrepopulação de cães e gatos, atendendo a aspectos relacionados com eficácia mas também com verbas/montantes fixados, assim como a necessidade de envolver um maior número possível de famílias e de animais reduzindo dificuldades de deslocação até ao canil/gatil de Monsanto. Face ao exposto é então proposto que a Assembleia Municipal delibere “Que a Câmara Municipal de Lisboa crie um posto móvel para efetuar esterilizações e tratamentos de cães e gatos, com atendimento prioritário aos bairros onde possa existir um maior número de animais negligenciados/abandonados, trabalhando com as associações e grupos de proteção dos animais da cidade, hospitais e clínicas veterinárias e outras entidades da sociedade civil para o lançamento e manutenção desta estrutura.”

O primeiro passo neste novo mandato autárquico está dado. Outros certamente se seguirão para acrescentar valor à ideia de direitos defendida pelo Bloco de Esquerda e para, no seu âmbito, tornar mais protegidos e felizes os animais existentes na cidade de Lisboa.

Artigo de Sandra Almeida. Funcionária Pública. Membro do Núcleo de S. Vicente/Lisboa e do Grupo de Trabalho “Direitos dos Animais”.

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