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Fábrica química inundada pelo Harvey recusa-se a publicar lista de materiais perigosos

A Arkema, proprietária da fábrica química inundada pelo furacão Harvey onde deflagrou um incêndio na sexta-feira, tem um importante aliado na Agência de Proteção Ambiental (EPA): a ex-lobista da indústria química, Nancy Beck, nomeada por Trump.

No litoral da cidade norte americana de Houston, no Texas, concentram-se várias indústrias químicas e refinarias, algumas das quais sofreram danos causados pelo Harvey, libertando compostos tóxicos para o meio ambiente.

Na sexta-feira, um incêndio deflagrou em Crosby, a cerca de 35 quilómetros a nordeste de Houston, no mesmo complexo industrial que, na quinta-feira, já emitia um denso fumo tóxico após sofrer duas explosões.

A Arkema, companhia francesa proprietária da instalação que emprega 57 pessoas e produz peróxidos orgânicos - um composto que é usado para fabricar plásticos, poliestireno, polipropileno, PVC e produtos farmacêuticos - garantiu que a "toxicidade é relativa". Já a Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema) alertou na quinta-feira que o fumo emitido era "incrivelmente perigoso". As autoridades evacuaram os moradores num raio de perto de 3 quilómetros.

Na sexta-feira, a Arkema recusou-se a divulgar publicamente o inventário químico completo da sua fábrica de Crosby, citando "razões de segurança sob uma perspetiva de terrorismo".

A associação ecologista Sierra Club assinala que muitas das fábricas químicas, como a da Arkema, e refinarias estão localizadas em comunidades desfavorecidas. O representante da organização Bryan Parras, citado pela CNN, referiu que estas instalações poluem o ar e a água com toxinas mortais há anos, sendo que “o furacão Harvey não criou o problema que a comunidade enfrenta, mas ampliou-o".

Arkema tem um importante aliado na EPA

Nancy Beck integra a administração da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), tendo sido nomeada em abril para o Gabinete de Segurança Química e Prevenção da Poluição da agência, apenas um mês após depor perante o Congresso, enquanto Diretora Sénior no American Chemistry Council (ACC), o principal grupo de lóbi da indústria química, sobre a melhor utilização da ciência na EPA.

A mesma Nancy Beck que se dedicou a defender os interesses da indústria química e representou empresas como a Chevron Phillips Chemical, a ExxonMobil Chemical, a saudita SABIC, a Bayer, a Monsanto, a DuPont e a Dow Chemical, está agora na entidade que supervisiona o desenvolvimento de regras que regem produtos químicos tóxicos, como aqueles que agora transformaram as águas da região de Houston num caldo contaminado.

Melanie Benesh, do Environmental Working Group’s, referiu-se a Beck como “a mais assustadora nomeada de Trump de que nunca ouviu falar".

Nancy Beck entrou na EPA num momento crucial para a regulamentação de substâncias tóxicas. A agência finalizou recentemente as suas regras sobre como implementar uma atualização da Lei de Controlo de Substâncias Tóxicas (TSCA), que permitiu que a EPA regulasse produtos químicos tóxicos.

Essa atualização, a primeira desde que a lei foi aprovada em 1976, tomou a forma de uma lei bipartidária assinada pelo presidente Barack Obama em 2016, que conquistou o apoio da indústria (a Arkema e o ACC fizeram lobby durante o processo). Este ano, a EPA e Beck estão a desenvolver o enquadramento no qual a agência irá promulgar a nova lei.

Quando a EPA emitiu as regras finais sobre o ato no final de junho, foi alvo de críticas por enfraquecer as proteções de segurança, reduzindo a definição de "condições de utilização" de uma substância.

"A preocupação do Congresso é sobre a exposição agregada, e isso faz sentido, porque isso é importante para a saúde humana", afirmou Noah Sachs, diretor do Centro de Estudos Ambientais da Faculdade de Direito da Universidade de Richmond, em declarações à Scientific American. "Se essa regra for, é um enfraquecimento da TSCA e não o que o Congresso pretendia", assinalou.

Ainda que a Arkena se tenha recusado a revelar publicamente o inventário químico completo da sua fábrica, um relatório de 2014 apresentado pela Arkema à EPA, e citado pelo Wall Street Journal, revelava que as instalações armazenavam dióxido de enxofre anidro, dióxido de enxofre e isobutileno.

Num relatório de 2009 do Comité de Ciência e Tecnologia da Câmara, Beck é acusada de intervir na avaliação de produtos químicos abrangidos pela TSCA em nome da indústria.

Ambientalistas denunciam lobbys

Os ambientalistas denunciam que estamos perante um desastre evitável, e apontam o dedo aos políticos e aos patrões da indústria química, que exerceram pressão para influenciar os regulamentos sobre segurança nas instalações químicas que agora ameaçam o ambiente e a segurança das populações de Houston.

Mais concretamente, esgrimem acusações contra a EPA por adiar a entrada em vigor das novas regras de segurança nas indústrias químicas quando o presidente Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos. Se estivesse em vigor, a regulamentação teria garantido, por exemplo, que os serviços de emergência tivessem informação sobre quais os produtos químicos com os quais poderiam entrar em contato e como lidar com esses mesmos produtos.

"As regras que foram adiadas foram projetadas para reduzir o risco de libertação de produtos químicos", afirmou Peter Zalzal, diretor de projetos especiais e advogado principal do Environmental Defense Fund, citado pela CNN. Segundo Zalzal, este tipo de situação ressalta por que não devíamos estar a adiar a entrada em vigor desta regulamentação.

No início deste ano, deu entrada na Câmara dos Representantes e no Senado um projeto de lei para revogar regulamentação da EPA. De acordo com o International Business Times (IBT), a proposta na Câmara foi apoiada por um grupo de congressistas republicanos do Texas, e o projeto de lei complementar apresentado no Senado teve o apoio dos dois senadores do Texas, John Cornyn e Ted Cruz.

Conforme aponta a IBT, muitos daqueles que apoiaram a legislação aceitaram doações da indústria química, do American Chemical Council e da Arkema, Inc., que, por sua vez, apresentaram vários pareceres a contestar elementos chave da regulamentação sobre segurança química proposta pela administração Obama.

A aplicação de regras de segurança mais rigorosas em fábricas químicas como a de Crosby teria entrado em vigor a 14 de março, contudo, mediante a oposição dos patrões industriais, o chefe da EPA, Scott Pruitt, atrasou as medidas até 2019.

Numa declaração à CNN, a EPA afirmou que o Plano de Gestão de Riscos da agência para fábricas químicas como a Arkema atualmente em vigor “requer às instalações que usem substâncias extremamente perigosas que desenvolvam planos que identifiquem os possíveis efeitos de um acidente químico, identifiquem as etapas que uma instalação deverá pôr em marcha para evitar um acidente e especifique quais os procedimentos de resposta de emergência, caso ocorra um acidente”.

No entanto, as emendas da era Obama à regulamentação existente eram mais estritas e visavam fortalecer a segurança deste tipo de instalações, revendo vários requisitos de prevenção de acidentes, e estipulando o que deve ser comunicado às autoridades locais e ao público.

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