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EUA: Republicanos propõem criminalização de protestos pacíficos

Em alguns estados, participar em manifestações pacíficas pode, em breve, acarretar mais riscos legais, incluindo multas e penas de prisão. Por Spencer Woodman.
Propostas dos Republicanos vêm em resposta a uma série de cortes de estradas e outras ações realizadas por ativistas do Black Lives Matter e pelos opositores do oleoduto Dakota Access Pipeline
Propostas dos Republicanos vêm em resposta a uma série de cortes de estradas e outras ações realizadas por ativistas do Black Lives Matter e pelos opositores do oleoduto Dakota Access Pipeline

No sábado, a Marcha das Mulheres em Washington iniciou o que os opositores da nova administração esperam ser uma nova era de manifestações contra a agenda Republicana. Mas em alguns estados, as manifestações pacíficas podem, em breve, aumentar os riscos legais – incluindo multas e penas de prisão – para as pessoas que participarem em protestos que envolvam desobediência civil. Nas últimas semanas, deputados Republicanos em todo o país introduziram, silenciosamente, uma série de propostas para criminalizar e desencorajar protestos pacíficos.

As propostas, que fortalecem ou complementam leis existentes referentes ao bloqueio ou obstrução do tráfego, vêm em resposta a uma série de cortes de estradas e outras ações realizadas por ativistas do Black Lives Matter e pelos opositores do oleoduto Dakota Access Pipeline. Os Republicanos esperam o aumento dos protestos durante os próximos anos no mandato de Trump.

No Dakota do Norte, os Republicanos introduziram uma lei, que permitirá que os motoristas atropelem e matem qualquer manifestante que esteja a obstruir uma estrada

No Dakota do Norte, por exemplo, os Republicanos introduziram uma lei, na semana passada, que permitirá que os motoristas atropelem e matem qualquer manifestante que esteja a obstruir uma estrada, se o motorista o fizer acidentalmente. No Minnesota, uma lei introduzida pelos Republicanos, na semana passada, procura endurecer dramaticamente as multas por protestos em rodovias e permitirá que os promotores peçam um ano inteiro de prisão para os protestantes que bloqueiem rodovias. Os republicanos no estado de Washington propuseram um plano para reclassificar como crime os protestos de desobediência civil que são considerados como “terrorismo económico”. No Michigan, os republicanos introduziram e depois arquivaram uma lei anti-piquete que aumentaria as multas contra manifestantes e tornaria mais fácil as empresas processarem manifestantes individuais pelas suas ações. E no Iowa um deputado Republicano prometeu introduzir uma lei para acabar com os protestos nas rodovias.

Leis anti-protestos alarmam defensores das liberdades civis

“Essa tendência de leis anti-protesto travestidas de leis de 'obstrução' é altamente perturbadora”, disse Lee Rowland, advogado da União Americana das Liberdades Civis (American Civil Liberties Union), que vê tais leis como violações da Primeira Emenda. “Uma lei que permita que o estado cobre a um manifestante 10.000 dólares por pisar um lugar errado, ou que encoraje um motorista a cometer um massacre porque a vítima estava a protestar, quer uma coisa: inibir os protestos”.

“Uma lei que permita que o estado cobre a um manifestante 10.000 dólares por pisar um lugar errado, ou que encoraje um motorista a cometer um massacre porque a vítima estava a protestar, quer uma coisa: inibir os protestos”

No Dakota do Norte, o autor da lei que permitirá a matança de manifestantes ligou a lei diretamente aos protestos exitosos dos ativistas anti-oleodutos que envolveram obstrução de rodovias. Mesmo a lei exigindo que os motoristas tenham agido “com negligência” ou acidentalmente, o co-autor da lei, o Deputado Estadual Republicano Keith Kempenich, disse que alguns acidentes podem ocorrer se os motoristas “apertarem o acelerador em vez do travão”, de acordo com o Bismarck Tribune.

“Se você ficar fora da rodovia, isso não será um problema”, disse Kempenich. “Esses motoristas estão a seguir a lei, o seu direito legal de conduzir na rodovia”.

Os deputados Republicanos que estão por detrás da lei anti-protesto no Minnesota também disseram que os seus esforços são em resposta a um número crescente de bloqueios de rodovias por ativistas. Nos últimos meses, os protestos do Black Lives Matter alcançaram a comunicação social nacional por terem bloqueado rodovias importantes em Minneapolis, mais recentemente em julho quando um grupo de protestantes bloqueou uma via principal no centro para protestar contra o assassinato de Philando Castile, um homem negro desarmado, pela polícia. A lei marca esse tipo de protesto como uma “contravenção grosseira”, passível de pena de um ano de prisão e multa de 3.000.

Além da lei de protestos em rodovias, deputados de Minnesota também propuseram uma lei separada que aumenta significativamente as multas em casos não violentos envolvendo “obstrução do processo legal”. Na linguagem da lei, obstrução não violenta de autoridades levaria ao “encarceramento de no mínimo 12 meses” e uma multa de até 10.000 dólares.

Jordan S. Kushner, advogado de direitos civis de Minneapolis que já representou manifestantes do Black Lives Matter, disse que essa última lei é “mais alarmante” por causa do aumento na multa e o facto de pôr como alvo os protestos não violentos.

“O estatuto é fortemente violado pela polícia para condenar as pessoas por crimes em resposta a resistências menores à polícia baseadas em discussões de boa fé contra o que eles estão a fazer”, disse Kushner ao The Intercept por email. “É frequentemente usado em resposta à pessoas que desafiam verbalmente ou tentam observar/filmar polícias nos protestos”.

Enquanto outras propostas anti-protestos nos estados de Washington e Iowa se focam nos manifestantes que bloqueiam as rotas de tráfego, uma lei que foi lançada no Michigan pôs o alvo nos sindicatos. A lei, que passou pela Câmara de Deputados do Michigan, antes de ser posta de lado pelo Senado estadual no mês passado, teria permitido que o estado multasse piqueteiros individuais com 1.000 dólares por dia de piquete e cobraria multas diárias de 10.000 aos sindicatos que convocassem tais protestos. Um projeto de lei complementar teria tornado mais fácil que os empresários substituam trabalhadores em greve.

Mesmo não estando claro se os Republicanos do Michigan irão reintroduzir a lei, os Democratas não estão otimistas. “Eu acho que eles irão reintroduzi-la certamente”, disse a Deputada Estadual Democrata Leslie Love ao The Intercept.

“Eu creio que as motivações para os deputados Republicanos terem proposto leis para penalizar manifestantes são para levar em consideração a hostilidade do público geral para com o Black Lives Matter nos distritos maioritariamente brancos e rurais que representam”

Em Washington, um estado onde os Democratas controlam ambas as casas do poder estadual, há poucas hipóteses de o plano de rotular os manifestantes como “terroristas económicos” vá avançar. As perspetivas são melhores para as leis anti-protesto em Iowa, Minnesota, e Dakota do Norte, onde as legislaturas são dominadas por Republicanos.

No caso do Minnesota, Kushner diz que as leis em questão são vistas como “uma preocupação séria”, e ele caraterizou a nova legislação estadual como sendo puramente política.

“Eu creio que as motivações para os deputados Republicanos terem proposto leis para penalizar manifestantes são para levar em consideração a hostilidade do público geral para com o Black Lives Matter nos distritos maioritariamente brancos e rurais que representam”, disse Kushner por email. “O objetivo é criminalizar o ato de protestar em níveis cada vez maiores e, com isso, desencorajar a discordância do público”.

Artigo de Spencer Woodman, publicado em The Intercept. Tradução de Carta Maior

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