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EUA: Mais de 3200 condenados a perpétua por crimes não-violentos

Há casos inacreditáveis – como o roubo de um casaco que valia 159 dólares, a intermediação da venda de marijuana no valor de 10 dólares ou a permissão para esconder drogas em casa – que levaram cidadãos à cadeia para o resto das suas vidas, sem possibilidade de condicional. A denúncia consta de um relatório da ACLU.
Dicky Joe Jackson, 55 anos, já cumpriu 17 anos de uma sentença de prisão perpétua sem direito a condicional porque vendeu metanfetamina para pagar um transplante de osso e outros tratamentos médicos para o filho. Foto do relatório da ACLU

A American Civil Liberties Union (ACLU, União Americana das Liberdades Civis) publicou na quarta-feira o primeiro estudo jamais realizado sobre a aplicação de sentenças de prisão perpétua sem possibilidade de condicional a delitos não-violentos que concluiu que há nos Estados Unidos 3.279 presos nestas condições.

Os casos são estarrecedores, como o de Thimoty Jackson, que tentou sair de uma loja com um blusão de 150 dólares sem pagar. Apanhado por um segurança, foi condenado a passar o resto da vida na cadeia. O caso ocorreu em 1996. Dezassete anos depois, Jackson tem agora 53 anos e a sua única perspetiva é a de continuar na prisão até morrer. É uma nova espécie de morto-vivo.

Roubou duas t-shirts de Michael Jackson

O mesmo se passa com Ronald Washington, que roubou duas t-shirts de Michael Jackson; com Andrew Jackson, que furtou uma carteira de um quarto do hotel onde trabalhava como cozinheiro; e com Stephanie Yvette George, que tinha drogas escondidas num armário, drogas que não lhe pertenciam.

Dos 3.279 condenados a viver na cadeia até morrerem, 65% são negros, 18% brancos e 16% latinos.

Os Estados Unidos são o país com o maior índice de população prisional do mundo: há 2,3 milhões de pessoas presas na atualidade, um número que vem a aumentar devido às leis cada vez mais rigorosas em relação a delitos relacionados com drogas. Entre os “mortos-vivos” não-violentos, cerca de 80% cumprem pena relacionada com pequenos delitos envolvendo drogas.

Sentença obrigatória para punir os “criminosos habituais”

Até aos anos 70, as penas de prisão perpétua sem condicional eram quase inexistentes. Começaram a crescer como uma forma alternativa à pena de morte, e foram-se tornando mais abrangentes à medida em que começou a ser aplicada uma política de endurecimento na punição de crimes relacionados com drogas. Mesmo sendo pequenos e não-violentos.

De facto, em 37 estados e no sistema federal, a sentença de perpétua sem condicional pode ser aplicada a delitos sem violência, como venda de drogas, furto, roubo de carros. E, em 29 estados, a perpétua sem condicional é obrigatória para crimes específicos, impedindo o magistrado de julgar casos particulares e de admitir atenuantes. Nalguns estados, essa sentença é obrigatória para punir os chamados criminosos habituais, isto é, quando são condenados, mesmo por pequenos delitos, e já foram condenados antes um certo número de vezes – duas ou três – mesmo que também por pequenos delitos.

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou este tipo de sentença

A autora do estudo, Jennifer Turner, sublinha que os Estados Unidos estão isolados na sua vontade de condenar pessoas a passar o resto dos dias na cadeia por delitos não-violentos. Aliás, esta pena já foi considerada uma violação dos direitos humanos pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Para além da flagrante injustiça e desproporção, há ainda o lado financeiro: a ACLU calcula que os contribuintes pagam 1.800 milhões de dólares para manter estes presos encerrados até a morte chegar.

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