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Estudo recomenda alternativas à praxe e fim de financiamento público

João Teixeira Lopes, um dos coordenadores do estudo promovido pela Direção-Geral do Ensino Superior, frisa que “é fundamental que existam alternativas de integração e sociabilização”. Deputado bloquista Luís Monteiro espera que conclusões do relatório “sirvam para Governo acionar medidas”.
Foto soniart/Flickr.

“Em Portugal não existem alternativas socializadoras na rotina dos estudantes para a integração”, afirmou João Teixeira Lopes, um dos coordenadores do estudo “A praxe como Fenómeno Social”, em entrevista ao jornal Público.

O sociólogo da Universidade do Porto, assinalou, por outro lado, que os “caloiros” são hoje mais críticos das situações de abusos ou violência, e que “o ambiente político e social em relação à praxe mudou”. “A praxe é hoje mais contestada, particularmente depois do 'caso Meco'”, frisou, salientando que “há uma maior plasticidade que resulta de um ambiente global que começa a ser menos favorável à praxe tal como ela existia”.

Há uma maior plasticidade que resulta de um ambiente global que começa a ser menos favorável à praxe tal como ela existia

À margem da apresentação do documento, promovido pela Direção-Geral do Ensino Superior e elaborado por uma equipa conjunta de investigadores do Centro de Investigação e Estudos Sociais do ISCTE-IUL (CIES), do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (ISUP) e do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES), sob coordenação de João Teixeira Lopes(ISUP) e João Sebastião (CIES), o sociólogo assinalou ainda, em declarações aos jornalistas, a sua preocupação por alguns valores transmitidos nas praxes académicas, como a "obediência, humilhação e sujeição", serem encarados como "valores fundamentais" para a vida adulta.

"A legislação que existe é muito completa, é avançada, prevê várias situações, não é preciso nenhum tipo de bula legislativa para resolver esta situação, mas era preciso que as instituições do ensino superior tivessem todas elas, por exemplo, gabinetes de apoio à integração do estudante ou gabinetes de apoio jurídico nos casos de abuso, humilhação do estudante", referiu João Teixeira Lopes.

Para o investigador, "é fundamental que no ensino superior existam alternativas de integração e sociabilização que não sejam apenas as da praxe".

João Teixeira Lopes apontou que, na elaboração do estudo, "muitos estudantes diziam que [a praxe] era uma atividade para a vida, que era preciso submeterem-se à autoridade, à humilhação, cultivarem os valores da disciplina e obediência para serem reconhecidos e para serem alguém, porque a vida supostamente é assim, a vida adulta, a vida no mercado de trabalho".

Bloco espera que conclusões do estudo sirvam para Governo acionar medidas

Em declarações ao Esquerda.net, o deputado bloquista Luís Monteiro, que, em 2016, foi um dos promotores da carta aberta a todas as instituições de ensino superior, subscrita por 100 personalidades, em defesa de "uma alternativa" à praxe, enalteceu o estudo agora apresentado.

Não podemos continuar a admitir que as universidades, através das suas direções, as associações académicas e o próprio Estado, com organismos tutelados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, continuem a legitimar e a apoiar práticas praxísticas

Referindo que o Bloco é um “partido que mantém um património na luta contra a violência na praxe”, e lembrando que o documento sobre a praxe “existe por proposta do Bloco na Assembleia da República”, Luís Monteiro frisou que espera que “todas as conclusões que o estudo retira sirvam para o Governo acionar medidas sobre as praxes académicas”.

O dirigente bloquista destacou que “o financiamento indireto do Instituto Português do Desporto e Juventude a atividades praxísticas tem de ser posto em cima da mesa”.

“Não podemos continuar a admitir que as universidades, através das suas direções, as associações académicas e o próprio Estado, com organismos tutelados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, continuem a legitimar e a apoiar práticas praxísticas”, defendeu.

Luís Monteiro assinalou que o Bloco vai fazer um debate aprofundado sobre as praxes e apresentar iniciativas legislativas sobre esta matéria.

Ministro promete combater a humilhação como "tradição académica"

Presente na apresentação do estudo, que teve lugar em Braga, na Universidade do Minho, o ministro do Ensino Superior destacou que “temos que dar a volta às praxes, e garantir um processo positivo de integração dos estudantes".

O que o estudo mostra é que as praxes estão enraizadas e, por isso, temos que valorizar as práticas e as boas práticas de integração com mais cultura, com mais ciência por isso é verdadeiramente a tradição académica

"O que o estudo mostra é que as praxes estão enraizadas e, por isso, temos que valorizar as práticas e as boas práticas de integração com mais cultura, com mais ciência por isso é verdadeiramente a tradição académica", apontou.

Manuel Heitor garantiu que irá trabalhar "para que a humilhação não seja uma tradição académica" e afirmou-se preocupado com “o financiamento da indústria de bebidas alcoólicas a algumas dessas praxes ". Já sobre o financiamento público a associações académicas, o ministro afirmou que o mesmo "está totalmente regulado".

Estudo deixa inúmeras recomendações ao Governo

O estudo “A praxe como Fenómeno Social” avança inúmeras recomendações ao Governo, quer no que respeita a medidas a serem aplicadas diretamente pelo executivo, quer no que se refere a medidas a serem implementadas em articulação com as instituições de ensino superior, as autarquias, o sistema de justiça, a administração interna e as associações de estudantes.

A nível da articulação com as instituições do ensino superior, sugere-se o levantamento sobre o enquadramento do fenómeno da praxe académica nos regulamentos internos das instituições; o enquadramento, nas funções do Provedor do Estudante, de competências associadas ao combate às situações de abusos e de violência nas praxes académicas; a elaboração, por parte do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, de um relatório anual nacional sobre a situação da praxe académica em Portugal; um levantamento das estruturas de apoio psicológico e jurídico existentes em todas as Instituições de Ensino Superior; a criação de gabinetes de apoio à vida académica; a sensibilização das direções das Instituições de Ensino Superior para o não reconhecimento das estruturas informais e não legitimadas das praxes académicas; e a recomendação às instituições, em articulação com as associações de estudantes, a abertura de um debate interno sobre as vantagens e desvantagens da proibição das práticas de praxe no campus da instituição.

Segundo os autores do documento, a articulação com as autarquias é fundamental para garantir uma prática concertada. Recomenda-se também o envolvimento dos Conselhos Municipais de Juventude na dinamização de ações de informação sobre a praxe académica e de prevenção de comportamentos abusivos ou violentos no contexto dos respetivos territórios.

A nível da justiça, é assinalado que o Governo deve garantir o acompanhamento jurídico e a isenção de custas judiciais de todos os estudantes que pretendam recorrer à justiça para denunciar situações passiveis de serem consideradas crime.

No que concerne à articulação com a Administração Interna (AI), deve ser celebrado um protocolo entre este ministério e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior para garantir um reforço da articulação entre as forças de segurança, as direções das Instituições de Ensino Superior e as Associações Académicas e de Estudantes.

O estudo prevê ainda, no âmbito da articulação com as associações de estudantes, a celebração de um protocolo tripartido entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, as Direções das Instituições de Ensino Superior e as Associações Académicas e de Estudantes, no sentido de garantir que em todas as Instituições de Ensino Superior se organizará, a partir do próximo ano letivo, uma semana de receção e integração aos novos aluno, bem como o lançamento de um debate público, em colaboração com as Associações de Estudantes, sobre um programa nacional para tutorias no ensino superior.

Por fim, são elencadas algumas recomendações a serem aplicadas diretamente pelo Governo, como a criação de uma linha gratuita e permanente de apoio a vítimas de violência no contexto das praxes académicas que garanta aconselhamento jurídico; a distribuição no início de todos os anos letivos, no ato da matrícula, de um folheto informativo produzido pela Direção-Geral do Ensino Superior, sobre a realidade da praxe; a criação de um website que centralize informações e recursos sobre a praxe académica; que seja impedido o financiamento público de atividades de praxe académica; a criação de uma linha de financiamento a iniciativas e projetos de integração de estudantes do ensino superior na vida académica; a inclusão, nos currículos da disciplina de Formação Cívica no Ensino Básico e Secundário, de um ponto sobre a praxe académica em Portugal e a realização de sessões de debate nas escolas do 3.º ciclo do ensino básico e secundárias sobre o fenómeno.


 

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