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Escolas privadas, hospitais privados e os pobres privados... de educação e saúde

Os partidos de direita, confinados à oposição balofa de uma Cristas em busca do populismo perfeito e de um Passos perdido na falta de memória de inaugurações enquanto primeiro-ministro e até depois de deixar de o ser, já têm a sua causa grande: a defesa dos colégios privados contra as limitações legais aos contratos de associação. Artigo de Carlos Vieira e Castro.

Nessa cruzada contra a esquerda “jacobina”, a direita, mal habituada ao saque dos recursos do Estado, logrou obter o apoio do seu aliado histórico, a hierarquia católica mal conformada com a laicidade da Escola Pública, e não teve pejo de mobilizar um exército protegido pelos deuses: as inocentes criancinhas que frequentam os colégios privados onde os seus pais julgam encontrar um estatuto de classe superior ou simplesmente a qualidade superior que supostamente não terão as escolas públicas.

Em vários debates na comunicação social tenho ouvido alguns defensores da Escola Pública a aceitarem o falso argumento de que os colégios privados são mais procurados (como assim, se representam apenas uma ínfima minoria das escolas do país?) porque têm melhor qualidade, alegadamente comprovada pelos lugares cimeiros dos rankings das escolas. Ora, nada melhor para refutar este argumento do que o estudo da Universidade do Porto, assinado por José Sarsfield Cabral e Paula Pechincha, do Serviço da Melhoria Contínua da Reitoria da UP, “Análise do percurso dos estudantes admitidos pelo regime geral em licenciatura – 1º ciclo e mestrado integrado na UP em 2008/09, 2009/10 e 2010/11”. Pode ser consultado online, mas deixo aqui uma citação do jornal Público de 10.01.2013, numa notícia intitulada: "Escolas Públicas preparam melhor os alunos para terem sucesso no superior" (e no lead) “Universidade do Porto analisou os resultados de 2226 alunos que concluíram pelo menos 75% das cadeiras ao fim de três anos e concluiu que os provenientes das privadas têm piores resultados”:

“As escolas privadas têm grande capacidade para preparar os alunos para entrar, mas o que se verificou é que, passados três anos, estes alunos mostraram estar mais mal preparados para a universidade do que os que vieram da escola pública”, adiantou ao PÚBLICO José Sarsfield Cabral, pró-reitor da UP para a área da melhoria contínua. Esta constatação baseia-se no facto de estes últimos estarem mais representados no grupo dos 10% melhores daquele ano lectivo. Exemplos? A secundária Garcia de Orta, uma escola pública do Porto, que naquele ano lectivo “colocou” 114 alunos em diferentes faculdades da UP, tinha, ao fim de três anos, 14 desses alunos (12%) entre os 10% melhores do ano. Já o Externato Ribadouro, também do Porto mas privado, colocou 154 alunos na UP, muitos dos quais em Medicina, mas, no fim do terceiro ano, apenas cinco integravam o grupo dos melhores (3%). A Garcia de Orta vinha colocada em 6.º no ranking das secundárias desse ano, enquanto o Externato Ribadouro beneficiava de um confortável 3.º lugar. Do Colégio do Rosário, que tem surgido nos três primeiros lugares dos rankings, transitaram 56 alunos para a UP. Três anos depois, apenas três se incluíam entre os 10% com melhor desempenho académico. Do mesmo modo, o Colégio Luso-Francês, com 39 alunos admitidos, tinha apenas dois no top 10.  (Neste estudo, a Universidade do Porto utilizou os critérios dos rankings do PÚBLICO, adaptando-os ao universo das escolas secundárias citadas neste trabalho da UP). “

Recordo que já em outubro de 2015, o Conselho Nacional de Educação denunciou que havia escolas privadas que inflaccionavam as notas de acesso ao ensino superior.

Liberdade de escolher com o dinheiro dos outros?

No passado dia 14, um homem telefonou para a sede de Viseu do Bloco de Esquerda a transbordar de indignação porque tinha o filho no Colégio da Via Sacra, no 1º ciclo, onde paga quase 400 euros por mês, na expectativa de que não pagaria propinas no 2º ciclo, conforme lhe garantiu o colégio. Aconselhámos o senhor a fazer queixa a uma associação de defesa do consumidor porque se tratou de publicidade enganosa, já que o colégio não podia prometer uma coisa que não está previsto na Lei de Bases do Sistema Educativo e na Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo que estipulam que os contratos de associação com escolas privadas apenas deve ocorrer onde existam carências na rede pública. Aliás, bem perto da sua residência há um excelente infantário público (Vildemoínhos) com ginástica, ioga, música e equitação por apenas mais 10 euros mensais, e uma excelente escola pública (a EB1,2 João de Barros), também com horário alargado.

O director do Colégio da Via Sacra admitiu numa entrevista que “a maioria dos pais dos nossos alunos está bem na vida, não o nego”. O que não o impediu de dizer que “os contratos de associação são a única maneira de os pobres poderem andar numa escola privada (…), porque, “ao cidadão o que deve interessar é que tenha um bom serviço, seja público ou privado, desde que tenha os mesmos custos”.

Na Educação, como na Saúde, basta de parasitar o Estado!

Sintomaticamente, foi esta mesma resposta que me deu o presidente da Câmara Municipal de Viseu quando o invectivei por ter anunciado alegremente que a unidade de radioterapia (há muito reivindicada pela Assembleia Municipal de Viseu, com moções aprovadas por unanimidade) vinha para Viseu, para o Hospital da CUF (em fase de construção pela Visabeira, precisamente em frente ao centro comercial Palácio de Gelo, propriedade da Visabeira). Para este edil, tanto lhe faz que o hospital seja público ou privado desde que o utente pague o mesmo. Ora,o problema é quando há na mesma área serviços públicos disponíveis, o Estado não pode financiar negócios privados.

Provavelmente não foi por acaso que o Conselho de Administração (CA) do Centro Hospitalar Tondela Viseu (CHTV) enviou com um dia de atraso, invalidando-a, a candidatura a Centro de Referência nas áreas do Cancro do Recto e do Cancro Hepatobílio-Pancreático. E quando o BE apresentou uma moção na Assembleia Municipal de Viseu a solicitar ao ministro da Saúde a reavaliação desta candidatura para que um erro administrativo não pusesse em causa uma avaliação que poderia colocar o CHTV numa rede europeia de hospitais de excelência, o PSD e o CDS chumbaram-na por termos recusado retirar o ponto 2 que solicitava esclarecimentos ao CA do CHTV para apurar responsabilidades no atraso, a pretexto de que o presidente do CA, indigitado pelo PSD, já se tinha prontificado para o fazer. A defesa de um “boy” vale mais do que a defesa de um hospital público e da instalação de uma unidade de radioterapia e de um Centro Oncológico no CHTV, em detrimento de negócios privados.

E assim se vai desmantelando, à custa do erário público, as melhores conquistas do 25 de Abril, a democratização da Escola Pública e o Serviço Nacional de Saúde. Já basta!

Carlos Vieira e Castro

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