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Era uma vez... neutrinos mais rápidos que a luz

Os neutrinos não ultrapassam a velocidade da luz. Esta é a conclusão definitiva de uma sessão especial celebrada, no passado dia 8 de junho, aquando da XXVª Conferência Internacional sobre Física de Neutrinos, em Quioto, Japão. Por Michel de Pracontal.
Os neutrinos não ultrapassam a velocidade da luz.

Os resultados de cinco equipas de físicos confirmam em uníssono que os "neutrinos supralumínicos" não são mais do que o produto de um erro de medição. Até que se demonstre o contrário, todas as partículas respeitam a limitação cósmica da velocidade da luz, de acordo com a teoria da relatividade especial formulada, em 1905, por Albert Einstein.

Os neutrinos supralumínicos foram objeto de grandes títulos de imprensa, em setembro de 2011, originados por uma equipa internacional de físicos do CERN, a organização europeia de investigação nuclear. Esta equipa, que trabalha com o detetor de neutrinos Opera, instalado em baixo do maciço do Grande Sasso (Abruzos, Itália), tinha registado um excesso de velocidade, que contrariava as leis vigentes da física.

Segundo a sua cronometragem, os neutrinos tinham percorrido 730 quilómetros, que separam Genebra do Grande Sasso, em 60 nanosegundos; menos que o tempo que teria gasto um raio de luz a percorrer a mesma distância. Esta diferença, de 60 milmillonésimas de segundo, era ínfima, pois supunha um excesso de velocidade da ordem de 0,0025%. Ainda assim, esta mínima superação da velocidade da luz é contrária aos princípios da relatividade, que foram confirmados por múltiplos dados experimentais, desde há um século.

Em novembro de 2011, a equipa Opera insistiu em anunciar novos resultados que supostamente confirmavam a velocidade supralumínica dos neutrinos. E mais, a nova medição era mais precisa e respondia a certas objeções formuladas pelos físicos depois da primeira publicação. Havia que pôr em dúvida, portanto, todo o edifício teórico construído por Albert Einstein? E estava Jim Al Kahlili - professor de Física da Universidade de Surrey que tinha declarado que "se a experiência do CERN for correta e os neutrinos tiverem realmente ultrapassado a velocidade da luz, estou disposto a comer os meus gayumbos em direto nas câmaras de televisão"- condenado a sofrer uma indigestão?

A objetividade obriga a reconhecer que os físicos da equipa de Opera fizeram gala de uma grande moderação nas suas declarações, mesmo que alguns cientistas tenham acreditado que se precipitaram com os seus anúncios. Num comunicado de novembro de 2011, Fernando Ferroni, presidente do instituto italiano INFN, que gere o detetor Opera, fez uma modesta declaração: "Uma medição tão delicada, que pode ter profundas consequências numa teoria tão sólida como a relatividade especial de Einstein, exige um grau de verificação extraordinário. A experiência Opera realizou uma prova crucial da coerência do seu resultado. O resultado positivo desta prova faz com que confiemos mais nas nossas medições, mas a última palavra só pode vir de uma confirmação mediante uma experiência análoga realizada nalguma outra parte do mundo."

A última palavra, de fato, foi dita tanto pelos controles efetuados no dispositivo de Opera como com várias experiências. Em fevereiro de 2012, a equipa Opera descobriu que um erro de cableado duma fibra ótica pode induzir um atraso da cronometragem, o que explicaria o excesso de velocidade constatado anteriormente. Em março de 2012, outra equipa do CERN, a da experiência Icarus, efetuou uma medição cujo resultado contradisse o da Opera. Pouco depois,  conheceu-se a demissão de dois responsáveis da equipa Opera, o seu porta-voz, Antonio Ereditato (Universidade de Berna, Suiça), e o seu coordenador de temas físicos, Dario Autiero (Instituto de Física Nuclear de Lyon). Autiero deu a entender que a sua demissão tinha a ver com fortes tensões no seio da sua equipa; tensões que parecíame existir antes do assunto dos neutrinos.

Posteriormente, outras duas equipas do CERN, a da experiência Borexino (detetor de neutrinos solares de baixa energia) e a do LVD (Large volume detector, detetor de grande volume), repetiram as medições. A equipa Opera também  realizou uma nova prova. Os quatro grupos do CERN apresentaram os seus resultados a 8 de junho, ao mesmo tempo que uma equipa norte-americana, a do detetor Minos, que depende da Fermilab, perto de Chicago. As cinco equipas coincidenm os neutrinos circulam à velocidade da luz, nem mais, nem menos.

O CERN emitiu um comunicado no qual confirma que a medição inicial de Opera, que está na origem desta história, podía "atribuir-se a um componente defeituoso de um sistema de fibra ótica de medição do tempo". Segundo Sergio Bertolucci, director de investigação do CERN, ainda que o resultado final "não seja tão sensacional, como teriam desejado alguns, de fato corresponde ao que no fundo esperávamos todos nós." Bertolucci acrescentou este comentário: "A noticia sacudiu a imaginação e brindou o público com a ocasião de ver actuar o método científico: um resultado inesperado foi submetido ao exame dos científicos, foi estudado à lupa, e a solução atingiu-se graças, em parte, à colaboração entre equipas de experimentação que normalmente competem entre si. Assim avança a ciência." Pelo menos, não retrocede...

Artigo de Michel de Pracontal1, publicado em Mediapart. Tradução deAntónio José André para esquerda.net


1 Michel de Pracontal é um jornalista científico francês; trabalha para Nouvel Observateur e Mediapart.

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