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Edward Snowden oferece ajuda ao Brasil

Leia aqui a carta aberta que o ex-espião da NSA publicou esta terça-feira num diário brasileiro. Snowden vê com bons olhos a viagem para o país que tem liderado na ONU o protesto contra a vigilância eletrónica dos EUA.
Se a campanha der certo, em breve o Senado brasileiro poderá entrevistar Snowden em pessoa. Foto Agência Senado/Flickr

Tudo indica que a carta publicada na Folha de São Paulo está integrada numa campanha para levar as autoridades brasileiras a oferecerem asilo a Edward Snowden. Segundo o diário brasileiro, a campanha será apoiada por uma petição na plataforma Avaaz e coordenada por David Miranda, o companheiro do jornalista Glenn Greenwald, que revelou o escândalo e alguns documentos passados por Snowden sobre a dimensão global da espionagem de comunicações eletrónicas por parte da Agência Nacional de Segurança dos EUA.


Carta Aberta ao Povo do Brasil

Edward Snowden

"Há seis meses, emergi das sombras da Agência Nacional de Segurança (NSA) dos EUA para me posicionar diante da câmera de um jornalista. Compartilhei com o mundo provas de que alguns governos estão a montar um sistema de vigilância mundial para rastrear secretamente como vivemos, com quem conversamos e o que dizemos.

Fui para diante daquela câmera de olhos abertos, com a consciência de que a decisão custaria a minha família e o meu lar e colocaria em risco a minha vida. O que me motivava era a ideia de que os cidadãos do mundo merecem entender o sistema dentro do qual vivem.

O meu maior medo era que ninguém desse ouvidos ao meu aviso. Nunca antes fiquei tão feliz por ter estado tão equivocado. A reação em certos países está a ser especialmente inspiradora para mim, e o Brasil é um deles, sem dúvida.

Na NSA, testemunhei com preocupação crescente a vigilância de populações inteiras sem que houvesse qualquer suspeita de ato criminoso, e essa vigilância ameaça tornar-se o maior desafio aos direitos humanos de nossos tempos.

A NSA e outras agências de espionagem dizem-nos que, pelo bem da nossa própria "segurança" – em nome da "segurança" de Dilma, em nome da "segurança" da Petrobras –, revogaram o nosso direito de privacidade e invadiram as nossas vidas. E fizeram-no sem pedir autorização da população de qualquer país, nem mesmo do delas.

Hoje, se você carrega um telemóvel em São Paulo, a NSA pode rastrear onde você se encontra, e fá-lo: ela faz isso 5 mil milhões de vezes por dia com pessoas no mundo inteiro.

Quando uma pessoa em Florianópolis visita um site na internet, a NSA mantém um registo de quando isso aconteceu e do que você fez naquele site. Se uma mãe em Porto Alegre telefona ao seu filho para lhe desejar sorte no exame, a NSA pode guardar o registo da ligação por cinco anos ou mais tempo.

A agência chega a guardar registos de quem tem um caso extraconjugal ou visita sites de pornografia, para o caso de precisarem manchar a reputação dos seus alvos.

Senadores dos EUA dizem-nos que o Brasil não deveria preocupar-se, porque isso não é "vigilância", é "coleta de dados". Dizem que isso é feito para manter as pessoas em segurança. Estão enganados.

Existe uma diferença enorme entre programas legais, espionagem legítima, atuação policial – em que indivíduos são vigiados com base em suspeitas razoáveis, individualizadas – e esses programas de vigilância em massa para a formação de uma rede de informações, que colocam populações inteiras sob vigilância omnipresente e gravam cópias de tudo para sempre.

Esses programas nunca foram motivados pela luta contra o terrorismo: são motivados por espionagem económica, controlo social e manipulação diplomática. Pela busca de poder.

Muitos senadores brasileiros concordam e pediram a minha ajuda para as suas investigações sobre a suspeita de crimes cometidos contra cidadãos brasileiros.

Expressei a minha disposição de auxiliar quando isso for apropriado e legal, mas, infelizmente, o governo dos EUA vem trabalhando arduamente para limitar minha capacidade de fazê-lo, chegando ao ponto de obrigar o avião presidencial de Evo Morales a pousar para me impedir de viajar à América Latina!

Até que um país conceda asilo político permanente, o governo dos EUA vai continuar a interferir com a minha capacidade de falar.

Há seis meses, revelei que a NSA queria ouvir o mundo inteiro. Agora o mundo inteiro está ouvindo de volta e também falando. E a NSA não gosta do que está a ouvir.

A cultura de vigilância mundial indiscriminada, que foi exposta a debates públicos e investigações reais em todos os continentes, está desabando.

Apenas há três semanas, o Brasil liderou o Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas para reconhecer, pela primeira vez na história, que a privacidade não para onde a rede digital começa e que a vigilância em massa de inocentes é uma violação dos direitos humanos.

A maré virou, e finalmente podemos visualizar um futuro em que possamos desfrutar de segurança sem sacrificar a nossa privacidade.

Os nossos direitos não podem ser limitados por uma organização secreta, e as autoridades americanas nunca deveriam decidir sobre as liberdades de cidadãos brasileiros.

Mesmo os defensores da vigilância de massa, aqueles que talvez não estejam convencidos de que tecnologias de vigilância ultrapassaram perigosamente controles democráticos, hoje concordem que, em democracias, a vigilância do público tem de ser debatida pelo público.

O meu ato de consciência começou com uma declaração: "Não quero viver num mundo em que tudo o que digo, tudo o que faço, todos com quem falo, cada expressão de criatividade, de amor ou amizade seja registado. Não é algo que estou disposto a apoiar, não é algo que estou disposto a construir e não é algo sob o qual estou disposto a viver.

Dias mais tarde, fui informado que o meu governo me tinha convertido em apátrida e queria me encarcerar. O preço do meu discurso foi o meu passaporte, mas eu pagá-lo-ia novamente: não serei eu que ignorarei a criminalidade em nome do conforto político. Prefiro tornar-me apátrida a perder a minha voz.

Se o Brasil ouvir apenas uma coisa de mim, que seja o seguinte: quando todos nos unirmos contra as injustiças e em defesa da privacidade e dos direitos humanos básicos, poderemos defender-nos até dos mais poderosos dos sistemas."

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