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"A dupla penalização nas reformas antecipadas tem de acabar"

José Soeiro apresentou objetivos a serem negociados com o governo: "Primeiro, permitir o acesso à reforma sem penalizações para quem começou a descontar antes dos 16 anos. Quem trabalha desde tão cedo tem de ser compensado. Segundo, valorizar as carreiras de quem tem mais de 40 anos de descontos, por via da antecipação real da idade da reforma, que tem de ser muito superior à atual regra dos 4 meses de antecipação por cada ano de descontos acima de 40. Terceiro, desagravar as penalizações atualmente existentes para quem pede reforma antecipada.
José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda
José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda

O deputado José Soeiro levou hoje as reformas antecipadas a debate na Assembleia da República.

Os cortes introduzidos por sucessivos governos, em particular na última legislatura de governo PSD/CDS através do agravamento do fator de sustentabilidade, criaram um problema a "uma geração inteira que começou a trabalhar muito cedo" e que, por isso, têm hoje "carreiras contributivas longuíssimas, mas, a vida de trabalho que já levam não é considerada suficiente para dar acesso a uma pensão. Ou seja, a mesma sociedade que lhes roubou o final da infância não lhes reconhece hoje o direito a reformarem-se mais cedo sem penalizações. Que justiça existe nisto?"

Para se perceber o problema que isto coloca, José Soeiro apresentou como exemplo o dos trabalhores das pedreiras de Peroselo, no concelho de Penafiel. "Estes trabalhadores arrancam do terreno enormes pedras disformes de granito e transformam-nas, com a força dos seus braços e com golpes que só a experiência ensina, no piso das calçadas que pisamos todos os dias."

"Quase todos começaram a trabalhar quando acabaram a quarta classe. Aos 11 ou 12 anos de idade todos eles já trabalhavam na pedreira. Os horários eram longos e ainda hoje vão para além do que deviam. Férias, poucos as gozaram, mesmo quando estavam no contrato. Doenças, quase todos têm. Ao fim de 40, 41, 42, 43, 44 anos de trabalho duro, a respirar a poeira da pedra que os pulmões já não aguentam, a trabalhar com o ruído das máquinas e do transporte, com as mãos, os braços e as costas moídos pela vibração frenética dos compressores, o corpo fica desfeito. E, no entanto, têm de esperar mais uma década para poderem reformar-se. Mais dez anos daquele trabalho, senhoras e senhores deputados, garanto-lhes que ninguém aguenta."

"Estes trabalhadores, que começaram a trabalhar aos 12 e a descontar aos 14 anos (porque a regra era iniciar descontos só aos 14, mesmo quem já tinha começado a trabalhar mais cedo), têm hoje 44, 45 ou 46 anos de descontos para a segurança social. A vida foi consumida pela pedreira. Mas ainda não podem reformar-se – ou se o fizerem têm cortes de mais de 40% nas suas pensões, que já seriam baixas porque o salário sempre foi baixo."

"Em Portugal, esta geração, que foi forçada ao que hoje consideraríamos trabalho, infantil merece ser reparada. Quem tem longuíssimas carreiras contributivas não pode ser obrigado a trabalhar até ao limite das forças e da vida."

"É isso que hoje acontece. É isso que é preciso mudar. É sobre isso que Governo e maioria parlamentar se encontram a trabalhar."

"Com as regras do PSD e do CDS, quem queria aceder à pensão passou a ter regras punitivas que têm de acabar. As alterações introduzidas pelo governo da Direita configuraram uma dupla penalização para quem quisesse reformar-se. Por um lado, a idade da reforma passou a aumentar todos os anos. Por outro, o cálculo do chamado fator de sustentabilidade foi alterado. Quando em 2011 ele significava um corte de 3%, em 2015 ultrapassava já os 13% e este ano vai quase em 14%."

"Estas alterações (idade da reforma e fator de sustentabilidade) conduziram a uma dupla penalização nas reformas antecipadas. Com a idade legal da reforma, aumenta também a penalização por cada mês de distância entre a idade legal de reforma e a idade que o trabalhador tem no momento em que requer a pensão. A essa penalização de 0,5% ao mês, ou seja, de 6% ao ano, acrescenta-se depois o “fator de sustentabilidade”. E como se não bastasse, PSD e CDS ainda deterioraram a bonificação que as pessoas com longuíssimas carreiras contributivas tinham até 2012. Tudo somado, houve trabalhadores que, ao fim de uma vida de descontos, tiveram cortes de mais de 50% no valor da sua pensão. E que por causa dessas regras ficaram condenados a receber até ao fim da sua vida uma pensão abaixo do limiar de pobreza."

"O Bloco de Esquerda tem defendido sempre o direito de acesso à pensão de reforma sem penalizações aos 40 anos de trabalho ou aos 65 anos de idade, sem prejuízo de regimes especiais, nomeadamente em profissões de desgaste rápido."

"Este princípio, que deveria vir acompanhado com a diversificação das fontes de financiamento da segurança social, permitiria valorizar as carreiras contributivas mais longas e seria um aspeto essencial de distribuição do emprego e de combate ao desemprego jovem."

"Este Parlamento já fez um debate sobre o tema, e essa regra de reforma sem penalização aos 40 anos de descontos foi chumbada. O Bloco apresentou então uma segunda proposta para reparar os e as trabalhadoras que foram empurrados para o trabalho infantil, por via de um projeto de lei que visa consagrar o direito à reforma a todos os trabalhadores que começaram a trabalhar aos 16 anos ou mais cedo, no momento em que tenham 40 anos de descontos."

"Como é sabido, os partidos da maioria e o Governo encontram-se agora a discutir uma alteração das regras do acesso à reforma com o objetivo de valorizar as longas carreiras contributivas. Para o Bloco, esta é uma oportunidade única de fazer justiça à geração que começou a trabalhar em criança. E é com esse objetivo que temos participado nas negociações que estão em curso."

"O fim do corte de 14% por efeito do fator de sustentabilidade sobre todas as pensões antecipadas, é uma boa notícia. O Bloco sempre o propôs e foi agora anunciado pelo Governo."

"Mas a alteração às regras das pensões antecipadas e a proteção das longas carreiras contributivas deve responder a outros três objetivos:

Primeiro, permitir o acesso à reforma sem penalizações para quem começou a descontar antes dos 16 anos. Quem trabalha desde tão cedo tem de ser compensado.

Segundo, valorizar as carreiras de quem tem mais de 40 anos de descontos, por via da antecipação real da idade da reforma, que tem de ser muito superior à atual regra dos 4 meses de antecipação por cada ano de descontos acima de 40.

Terceiro, desagravar as penalizações atualmente existentes para quem pede reforma antecipada.

Finalmente, neste processo, devemos ter em conta que estas realidades existem no sector privado como no sector público e que quem descontou para a Caixa Geral de Aposentações não pode ficar excluído dos princípios mais justos que estamos a discutir.

No âmbito da maioria, não podemos desperdiçar esta oportunidade. É tempo de olhar para quem já deu tanto e viu tanto ser-lhe retirado nos últimos anos. Fazer justiça a quem merece todo o nosso respeito é a forma de honrarmos o nosso mandato."

José Soeiro: “Urge fazer justiça à geração que começou a trabalhar em criança”

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