Está aqui

Declínio do bipartidarismo, ascensão do Podemos e reforço do soberanismo na Catalunha

Em Espanha, as eleições para o Parlamento Europeu converteram-se num primeiro teste à evolução da situação política e social espanhola desde que o PP governa. O dado mais relevante é o anúncio do princípio do fim do bipartidarismo, como está a ser reconhecido na quase totalidade dos meios de comunicação. Por Jaime Pastor

Apesar da participação ter sido só de 45,85 %, as eleições para o Parlamento Europeu converteram-se num primeiro teste à evolução da situação política e social espanhola desde que o PP governa. Por isso, ainda não sendo extrapoláveis para as eleições gerais, os resultados eleitorais marcam um ponto de inflexão no quadro de agravamento da crise do regime e do ciclo de lutas inaugurado há três anos pelo 15M, apontando para uma mudança radical no panorama político dos próximos anos.

O dado mais relevante é o anúncio do princípio do fim do bipartidarismo, como está a ser reconhecido na quase totalidade dos meios de comunicação. Efetivamente, o retrocesso dos dois grandes partidos é inquestionável, conquanto seja o PSOE o principal prejudicado. O PP passa de 42,12 % de votos e 24 mandatos em 2009 para 26,05 % e 16 respetivamente agora, enquanto o PSOE desce de 38,78 % de votos e 23 mandatos para 23% e 14 eurodeputados. Nunca tinha ocorrido que a soma de ambos os partidos estivesse abaixo dos 50% de votos e, portanto, cabe prognosticar que essa tendência dificilmente será reversível à escala estatal, apesar de ser provável que ainda se expresse de forma desigual (como no caso da Andaluzia, onde o PSOE resiste relativamente bem) nas eleições autonómicas e municipais de maio do próximo ano.

O retrocesso dos dois grandes partidos (PP e PSOE) é inquestionável, conquanto seja o PSOE o principal prejudicado. Nunca tinha ocorrido que a soma de ambos os partidos estivesse abaixo dos 50% de votos e, portanto, cabe prognosticar que essa tendência dificilmente será reversível à escala estatal

É o PSOE sem dúvida o mais afetado pelos resultados eleitorais, já que vê confirmada a prolongada crise em que se encontra desde as últimas eleições gerais, agravada pela prática decomposição que está a sofrer o Partido Socialista da Catalunha (PSC), devido à sua subordinação crescente ao discurso espanholista do até agora secretário geral, Alfredo Pérez Rubalcaba. A descida de 36 % em 2009 para 14,28 % de votos nessa Comunidade veio corroborar a crescente perda de apoio social que sofreu uma força que no passado foi um dos principais bastiões desse partido.

A reação da direção socialista perante o desastre eleitoral sofrido não se fez esperar e já vimos nesta segunda-feira a sua decisão de convocar um Congresso Extraordinário para julho deste ano, juntamente com o anúncio de “primárias abertas” para a eleição de quem vai substituir Rubalcaba como número 1. Abre-se assim um processo de debate interno no qual não está só em discussão quem vai assumir a liderança mas também, esperemos, a busca de um projeto capaz de fazer esquecer a sua corresponsabilidade no “austericídio” e conectar com uma base social que, ainda que uma parte dela se tenha refugiado na abstenção, desta vez parece ter expressado a sua rejeição ao PP mediante o voto noutras formações (Podemos, IU) ou, no caso da Catalunha, a ERC (com o ex-Presidente da generalitat Pasqual Maragall) e Ciutadans.

A grande surpresa destas eleições foi sem dúvida o sucesso eleitoral atingido pelo Podemos. Trata-se de algo inédito na nossa história eleitoral, já que em apenas 5 meses esta candidatura conseguiu gerar uma enorme expectativa em muito diferentes setores sociais afetados pela crise

A grande surpresa destas eleições foi sem dúvida - e assim o tiveram que reconhecer a maioria dos grandes meios de (des)informação que o ignoraram durante a campanha - o sucesso eleitoral atingido pelo Podemos: 1.239.133 votos, 7,96 % e 5 mandatos assim o confirmam, tornando-se a terceira força política em algumas Comunidades Autónomas como Madrid (com 11,27%), Astúrias, Cantábria e Aragão e em muitas cidades e localidades. Trata-se de algo inédito na nossa história eleitoral, já que em apenas 5 meses esta candidatura conseguiu gerar uma enorme expectativa em muito diferentes setores sociais afetados pela crise, erigindo-se como aspirante a ser o principal catalisador da indignação popular que nos últimos anos se foi expressando frente a uma “casta política” corrupta ao serviço da troika e de Merkel.

Esta iniciativa, surgida em meados do passado mês de janeiro, com Pablo Iglesias Turrión como líder e uma longa lista de círculos que se foram criando e constituindo em mais de 400 cidades, bairros e povoados, desenvolveu uma campanha baseada no auto-financiamento e num método participativo, especialmente ativo nas redes sociais, refletido tanto na elaboração do programa como na eleição de membros da candidatura através de primárias em que participaram 33.165 pessoas. Um “método” que demonstrou que é possível outra forma de fazer política e que sustentou um discurso em que a denúncia da “casta” foi acompanhada de diferentes propostas, como a firme defesa dos direitos sociais, a denúncia dos “resgates” bancários e da dívida ilegítima e a reivindicação da soberania popular e do direito a decidir.

A sua entrada no Parlamento Europeu com 5 representantes provocou o alarme nos partidos do regime e nos meios da direita, mas também outorga a esta formação uma enorme responsabilidade pela expectativa de mudança que gerou em tão pouco tempo de que “sim, pode-se” não só resistir mas também acabar com a ditadura do 1%. Com a sua irrupção como quarta força política de âmbito estatal vê-se obrigada a converter-se na referência de novos agrupamentos e convergências com outras forças sociais e políticas para a mobilização na rua e a preparação das próximas eleições autonómicas e municipais.

A Esquerda Unida (em aliança com outras forças afins dentro da candidatura da Esquerda Plural) passou de 3,71% em 2009 para 9,99% de votos, com um total de 1.555.275 votos e 6 mandatos. Conseguiu triplicar, portanto, os seus resultados mas não conseguiu ocultar a sua incapacidade para se ligar a setores sociais significativos que nesta ocasião optaram por Podemos, especialmente em lugares tão emblemáticos como Madrid. É provável, portanto, que se inicie também neste partido um processo de reflexão sobre a necessidade de confluência com o Podemos que, para ser crível, deveria implicar um questionamento sobre a sua participação em governos como o da Andaluzia com o PSOE, uma desburocratização interna e uma maior sensibilidade perante as reivindicações de novas formas de fazer política que desde há tempo procedem de diferentes atores sociais - 15M, PAH, Marés, Marchas da Dignidade... - que foram emergindo durante os últimos três anos.

O terceiro dado inovador é a conversão da ERC (com o ex-Presidente da generalitat Pasqual Maragall) na primeira força eleitoral na Catalunha. A soma dos votos de ERC, CyU e ICV-EUiA é de 55 % dos votos. Confirma-se assim a ascensão do movimento soberanista e independentista e o avanço na firme vontade de convocar o referendo para 9 de novembro deste ano

O terceiro dado inovador, ainda que esperado, é a conversão da ERC na primeira força eleitoral na Catalunha, com 23,67% de votos frente a 9,2% em 2009, acima da CiU, que passou de 22,44% para 21,86%. A ambos há que acrescentar a ascensão da ICV-EUiA (de 6,08% para 10,30%), também favorável ao direito a decidir. A soma total destas forças é de 55 % dos votos, enquanto as contrárias (PSC, PP e Ciutadans) somam pouco mais de 30 %. Confirma-se assim a ascensão do movimento soberanista e independentista e o avanço na firme vontade de convocar o referendo para 9 de novembro deste ano.

EH Bildu (com 2,08 % de votos e convertendo-se na primeira força política em Navarra) obtém um mandato reafirmando-se com o seu projeto independentista. A “Primavera Europeia” (uma aliança de Compromís - coligação de uma formação procedente de IU e outra do nacionalismo valenciano -, Equo - vinculado aos Verdes Europeus - e Chunta Aragonesista) também conseguiu um mandato com 1,91 % de votos.

Face a este conjunto, outras forças como União Progresso e Democracia (UPyD) (com 6,49% de votos e 4 mandatos) e Cidadãos (com 3,16% e 2 mandatos) obtiveram presença parlamentar , ambas com a pretensão de se situarem à margem do eixo esquerda-direita e com a defesa de um nacionalismo espanhol laico, mas beligerante com os “periféricos”, e a rejeição da corrupção como eixos distintivos.

Entramos numa nova fase política em que o debilitamento de pilares básicos do regime e a ascensão de novas forças que se reclamam do “espírito do 15M” podem ajudar a retomar e intensificar a mobilização social com o fim de fazer retroceder este governo e a Troika nas suas políticas austericidas

Entramos assim numa nova fase política em que o debilitamento de pilares básicos do regime e a ascensão de novas forças que se reclamam do “espírito do 15M” podem ajudar a retomar e intensificar a mobilização social no caminho já iniciado pelas Marchas da Dignidade no passado dia 22 de março, com o fim de fazer retroceder este governo e a Troika nas suas políticas austericidas.

Em resumo, como bem aponta Josep María Antentas: “É o momento de trabalhar para articular uma maioria político-social anti-austeridade favorável à abertura de processo(s) constituinte(s) democráticos que rompam o que se atou sob as correntes do medo em 1978”. Um horizonte necessário que passa por compreender, como também escreve Antentas, que a consulta catalã de 9 de novembro está longe de ser só um 'affaire' simplesmente catalão, já que “se Rajoy é derrotado na Catalunha ficará ferido de morte, tal como o estará o Regime em que atua como garante? (“25 de mayo: Podemos abrir brechas, Podemos ensancharlas”, publico.es, 26 de maio de 2014)

26/05/2014

Artigo de Jaime Pastor, editor de Viento Sur, disponível em vientosur.info. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

Termos relacionados Internacional
(...)