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“Dá força à esquerda ver as suas bandeiras darem resultado”
Catarina Martins foi entrevistada esta quinta-feira por Maria Flor Pedroso na Antena 1, com as negociações para o próximo Orçamento do Estado em primeiro plano. A coordenadora do Bloco lembrou que há várias matérias inscritas no acordo com o PS para a viabilização do governo que têm de entrar no Orçamento. Mas há também matérias “que tendo já sido expressas em Orçamentos ou afirmadas pelo governo, tardam em ser executadas”. Por exemplo, a da mudança no sistema de contribuições para a Segurança Social dos trabalhadores a recibos verdes, que foi já aprovada no parlamento. Ou a das reformas antecipadas sem penalizações para quem começou a trabalhar ainda criança, uma promessa do governo que ainda não está legislada. “Há pessoas que ouviram o primeiro-ministro anunciá-la e pedem a reforma com essa expetativa e depois a reforma vem com corte de 30% ou mais. A cada dia que passa há uma expetativa que é gorada. As pessoas não percebem o que está a acontecer”, apontou Catarina Martins, concluindo ser “inadmissível que isto não fique resolvido este ano”.
No que respeita ao IRS, Catarina afirma que as negociações prosseguem e reconhece que “a perda fiscal com o fim da sobretaxa é maior do que a receita inicial da sobretaxa, porque o emprego é maior”. O que é essencial é “conseguir-se neste Orçamento mais escalões onde está a generalidade dos contribuintes: nos escalões de baixo”, prosseguiu.
Sem adiantar pormenores sobre o andamento das negociações em matéria fiscal, a coordenadora bloquista afirmou que “o que estava no Programa de Estabilidade [entregue pelo governo a Bruxelas] era muito curto e pouco claro sobre a recuperação dos rendimentos do trabalho e a distribuição do esforço fiscal”. Mas neste momento “o cenário em que estamos a trabalhar é que haja mais escalões e um compromisso financeiro na ordem dos 600 milhões de euros”.
“Para o Bloco, o trabalho de formiguinha, de saber os números todos, saber o que significa cada aumento, é muito importante. Fazemos propostas com muito trabalho de formiguinha. E vamos fazendo algum caminho. A primeira medida que o governo apresentou nem previa novos escalões”, recordou Catarina.
Função Pública: “Não podemos ter escalões abaixo do salário mínimo”
A valorização salarial é outra das bandeiras do Bloco, após ter conseguido o compromisso de aumento anual do salário mínimo para os 600 euros no fim da legislatura. “Temos pessoas a trabalhar há 20 anos a ganhar o salário mínimo. Isto não só é injusto para o trabalhador como é mau para a economia”, afirmou Catarina, defendendo que o aumento salarial na administração pública é urgente.
“Se precisamos de mais contratação coletiva para valorizar carreiras no privado, vamos ter também de olhar para a tabela remuneratória da Função Pública, onde os dois primeiros escalões já foram “comidos” pelo aumento do Salário Mínimo Nacional. Quando chegar aos 600 euros serão quatro escalões. Quem é que defende que pessoas que estão a trabalhar há 20 anos na administração pública fiquem a ganhar o mesmo de quem entra agora?”, questionou.
“Não podemos ter escalões abaixo do salário mínimo. Quando ele sobe, deve existir valorização dos salários. Não podemos viver num país onde o salário mínimo é a regra, estando ele muito abaixo da média europeia”, concluiu Catarina.
“Direita tem discurso triste e incapaz de ter projeto para o país”
Respondendo a uma questão sobre as declarações de Passos Coelho, que acusou o governo de se ter convertido à obsessão do défice, Catarina Martins diz que o líder do PSD tem enveredado por um “discurso absurdo”: “Antes dizia que vinha aí o diabo, agora acusa o PS de se ter convertido”. Para a coordenadora do Bloco, isso “é triste e mostra incapacidade da direita em ter projeto” para a economia e o país.
“O caminho da direita foi um caminho desastroso e foi importante pará-lo”, prosseguiu Catarina, sublinhando que “a saída do Procedimento por Défice Excessivo não resolve os problemas de fundo do país”. A coodenadora do Bloco registou também que “são mais claras as diferenças de projeto político na esquerda do que na direita e as pessoas reconhecem que a esquerda fez acordo com PS para travar medidas desastrosas da direita. Mas continuam a perceber que há projetos diferentes”.
“Presidência do Eurogrupo não devia ser objetivo do país”
Questionada sobre o aumento da popularidade do ministro Mário Centeno e a possibilidade de vir a presidir às reuniões dos ministros das Finanças da zona euro, Catarina Martins afirmou que o “Eurogrupo é uma instituição que não faz bem nenhum a nenhum país”, pelo que a sua presidência “não devia ser objetivo do país”. “A maioria dos ministros do Eurogrupo representa visões ideológicas pró-austeridade. Queremos um ministro das Finanças que vai assumir a política de austeridade na Europa quando estamos a fazer um caminho oposto no país? É no mínimo ingénuo”, acrescentou.
Sobre a popularidade de Centeno, a coordenadora do Bloco vê-a como natural após anos em que “as pessoas ficaram cansadas de verem os ministros das Finanças trazer instabilidade nas suas vidas”. “Este diz às pessoas que podem contar com uma melhoria nas suas vidas e tem o reconhecimento internacional do sucesso das medidas, que eram contrárias às que as instituições internacionais queriam”, apontou, dando o exemplo do aumento do salário mínimo.
“A Comissão Europeia foi contrária ao aumento do salário mínimo e agora veio reconhecer que foi positivo para a economia. Era uma ideologia para empobrecer o país” e que tinha adeptos no próprio PS, lembrou.
“Havia gente no PS que achava que aumentar o salário mínimo era um erro. Dá força à esquerda provar-se que as suas bandeiras não só eram possíveis mas tiveram resultado na economia”, sublinhou a coordenadora do Bloco, lembrando que “o crescimento não se deve só às exportações e ao investimento, ao contrário do que vejo nas notícias. É o consumo interno que está a puxar a economia para cima. Temos provas económicas de que tínhamos razão” ao propor medidas que acelerassem a recuperação de rendimentos.
“As maiorias absolutas não têm feito bem nenhum ao país”
Comentando as declarações de António Costa de que pretendia renovar os acordos à esquerda após as próximas eleições mesmo que o PS obtenha a maioria absoluta, Catarina rejeitou esse cenário. “Um partido que tenha maioria absoluta não precisa de outro partido. Agora estamos a negociar recuperação de rendimentos do trabalho e defesa do estado social. Mas o PS tem abertura para uma política que proteja o tecido económico? Não continuamos a ter setores rentistas que se apropriam da riqueza do país?”, questionou, dando o exemplo da energia.
“Há uma coisa que acontece aqui e não acontece em mais nenhum país: Privatizámos o sistema elétrico nacional que é a forma como se decide a quem se compra a energia. Quem decide é a REN que é também dona da EDP. E decide que investimentos quer fazer ou não e põe isso na fatura que pagamos”. No próximo dia 12 de junho vai a votos no parlamento uma proposta do Bloco que visa limitar o poder da REN nessas decisões.
“Como é que o PS vai votar no dia 12? Há imensas pessoas no PS que sentem um enorme incómodo com esta situação”, revelou Catarina, concluindo que “o PS tem uma visão que o impede de afrontar os interesses económicos mais poderosos no país”. “E se continuamos a alimentar setores rentistas, as clivagens entre partidos vão manter-se”, prevê a cordenadora do Bloco.
“O PS tem o desejo legítimo de ter maiorias absolutas e compreende que as pessoas percebem que esta negociação à esquerda protegeu as suas vidas. Por isso diz que sozinho é capaz de o fazer, mas as pessoas sabem que não é assim”, apontou. Quanto à posição do Bloco, Catarina Martins avisa que “não servimos para jarras, não somos elementos decorativos. As maiorias absolutas não têm feito bem nenhum ao país”, concluiu.
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