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Brasil: Impeachment ainda não foi aprovado, mas vice de Dilma já fala como presidente

Michel Temer distribuiu entre parlamentares do seu partido o áudio do que seria o seu primeiro pronunciamento à Nação como presidente, mas a gravação foi parar aos média. "Caiu a máscara do conspirador", terá dito Dilma Rousseff. Por Luis Leiria.
Foto de Michel Temer/Flickr.

“Muitos me procuraram para que eu desse pelo menos uma palavra preliminar à nação brasileira, o que faço com muita modéstia, cautela, moderação mas também em face da minha condição de vice-presidente e também como substituto constitucional da senhora presidente da República". A voz é do vice-presidente do Brasil, Michel Temer, num ensaio do que será o seu “primeiro pronunciamento à Nação” caso a abertura do processo de impeachment seja aprovada pela Câmara dos Deputados, uma votação que só está prevista para o próximo domingo dia 17 e cujo resultado ainda é incerto.

Segundo relatos recolhidos pelo jornal Folha de S. Paulo, ao ser informada da gravação, a presidente Dilma Rousseff terá dito a assessores e a auxiliares que "caiu a máscara do conspirador", em referência ao vice-presidente.

"Estou estupefacto”, disse o ministro da Secretaria do Governo, Ricardo Berzoini. “Ele está confundindo a apuração de eventual crime de responsabilidade da presidente Dilma com eleição indireta. Está disputando votos e transformou o processo numa eleição indireta para conseguir votos em favor do impeachment. Esse áudio demonstra as características golpistas do vice", afirmou.

Depois de ver o seu discurso publicado na íntegra nos sites de informação, Temer justificou-se dizendo que, a pedido de companheiros do partido, gravou discurso que poderia fazer caso o pedido de afastamento da presidente Dilma Rousseff fosse aprovado no plenário da Câmara dos Deputados. Por engano, alegou, acabou enviando a um grupo de parlamentares do partido.

"Eu reitero que aquilo que disse seria exatamente o que eu fiz no passado e continuarei a fazer independentemente do que aconteça no domingo", disse. "Ainda que o governo federal continue tal como está, continuarei sustentando as mesmas teses. Não mudei um centímetro daquilo que falei no passado".

União nacional e privatizações

No discurso, o atual vice-presidente afirma que “o que aconteceu nos últimos tempos foi um descrédito no nosso país e o descrédito é o que leva à ausência do crescimento, à ausência do desenvolvimento”, preconizando um governo de salvação e de união nacional. “É preciso que se reúnam todos os partidos políticos, e todos os partidos políticos estejam dispostos a dar a sua colaboração para tirar o país da crise”, afirma.

Michel Temer diz que vai “incentivar enormemente as parcerias público-privadas à medida, na medida que isso pode trazer emprego ao país”, mostrando-se convicto de que “mais do que nunca, o Estado não pode tudo fazer”. Com isto, Temer defende a generalização das privatizações, incluindo, por omissão, a Petrobrás. “O Estado depende da atuação dos setores produtivos do país. Empregadores de um lado, trabalhadores de outro lado. (…) O Estado brasileiro tem que cuidar, da segurança, da saúde, da educação, enfim, de alguns temas fundamentais que não podem sair da órbita pública. Mas, no mais, tem que ser entregue à iniciativa privada.”

O vice-presidente advoga ainda a necessidade de sacrifícios, dizendo que não quer enganar ninguém: “Sem sacrifícios, não conseguiremos avançar para retomar o crescimento e o desenvolvimento que pautaram a atividade do nosso país nos últimos tempos antes desta última gestão.”

Finalmente, compromete-se também com as mudanças na legislação laboral e da Segurança Social, afiançando que elas serão feitas “com um grande diálogo nacional onde nenhum setor será esquecido, nem dos trabalhadores, nem dos empresários, nem do povo brasileiro.”

Governo fraco

Com a previsível aprovação do relatório a favor da abertura do processo do impeachment na comissão especial de 65 deputados, a decisão da Câmara dos Deputados será tomada em plenário, em princípio no próximo domingo dia 17. Para ser aprovada, terá de ter o voto favorável de 342 dos 513 deputados. Se passar na câmara, a votação passará para o Senado, que precisa apenas da maioria simples para o aprovar. Se isto finalmente acontecer, a presidente é afastada por 180 dias, período em que o julgamento do impeachment propriamente dito é realizado no Senado. Nesse período, assume o poder o vice-presidente.

Há quem considere que a fuga de informação foi uma forma de pressionar os parlamentares do PMDB, o partido de Temer, a votarem todos no impeachment, já que o partido está dividido. Mas muitos observadores estão a considerar que o resultado é um tiro no pé do vice-presidente, que demonstra muita pressa de assumir o poder, num momento em que o resultado da votação ainda é imprevisível.

Mesmo que Temer assuma, há uma avaliação que cada vez ganha mais adeptos de que o seu governo será extremamente fraco, o que tem levado setores crescentes da própria oposição a defender a realização de eleições gerais ou presidenciais antecipadas. A Folha de S. Paulo fez recentemente um apelo ao vice-presidente para que renuncie, abrindo assim o caminho às eleições, caso Dilma Rousseff fosse afastada.

Precedente

Uma gaffe como esta (caso não tenha sido intencional) já aconteceu antes. Em 1985, confiante nas sondagens que o davam como vencedor da eleição para a prefeitura (câmara municipal) de São Paulo, o então senador Fernando Henrique Cardoso deixou-se fotografar sentado na cadeira do prefeito na véspera das eleições.

Só que o vencedor não foi ele, mas sim o ex-presidente Jânio Quadros. Seguindo o seu estilo habitual, e muito particular, o primeiro ato do novo prefeito foi chamar a imprensa ao gabinete do prefeito e, diante dos jornalistas, desinfetar a cadeira. “Nádegas indevidas sentaram-se nela...”, explicou Jânio Quadros.

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