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Brasil: Declarações de Lula abrem guerra à esquerda

Ex-presidente acusa PSOL de “frescura” e diz que, quando ganhar uma cidade, partido irá compreender as dificuldades de governar. PSOL retruca que “utópico é acreditar que com o PMDB é possível mudar alguma coisa”. Por Luis Leiria, do Rio de Janeiro.
Luiz Inácio Lula da Silva na primeira entrevista concedida depois de ter sido condenado a 9 anos e meio de prisão pela operação Lava-Jato.

Na primeira entrevista concedida depois de ter sido condenado a 9 anos e meio de prisão pela operação Lava-Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atacou o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), acusando-o de “frescura”. Lula afirmou que deseja acima de tudo que o PSOL governe uma cidade como o Rio de Janeiro (onde, nas últimas eleições municipais, o candidato do PSOL, Marcelo Freixo, superou a candidata apoiada pelo PT e disputou a segunda volta com Marcelo Crivella, que venceu) e explicou desta forma a sua posição:

“Quando eles governarem a cidade do Rio do Janeiro, metade da frescura deles vai acabar. Eles vão perceber que não dá pra gente nadar teoricamente. Você não pode ficar na beira da praia falando 'você dê uma braçada pra cá, uma braçada pra lá, levanta a cabeça...'. Entra na água e vai nadar, pô! Então eu quero que eles governem uma cidade. Depois que eles governarem uma cidade eles vão compreender que nem o Sarney, quando foi em 2006 [queria dizer 1986], que elegeu 323 deputados constituintes e 23 governadores, conseguiu governar”.

Recorde-se que Lula da Silva aguarda em liberdade o resultado do recurso ao tribunal de segunda instância; mas caso este confirme a sentença, o ex-presidente será preso e perderá a possibilidade de se candidatar às eleições presidenciais de 2018.

Para Lula da Silva, o problema do PSOL é que “eles ‘se acham’. Sabe aquele cara que levanta de manhã, vai no espelho e fala, 'espelho, espelho meu: tem alguém mais fodido que eu? Tem alguém mais sério do que eu? Tem alguém mais honesto que eu, mais bonito que eu, mais sabido que eu?”

O ataque ao PSOL é apenas uma pequena parte da longa entrevista, mas causou grande celeuma e abriu uma polémica entre a esquerda.

“Utópico é acreditar que com o PMDB é possível mudar”

Um dos primeiros a responder foi o deputado Chico Alencar, do PSOL: “A lógica da ‘governabilidade’ capturou antigos partidos da e(x)querda. Em nome dessa falsa ideia, advogam que para governar é preciso jogar o jogo e aceitar as regras da política dominante. Segundo estes, sem se aliar com Sarney, Jucá, Renan e Temer não há mudança, por exemplo.” Para este deputado – que poderá ser o candidato do PSOL às eleições de 2018 –, “utópico (ou frescura para alguns) não é sonhar com um país justo e democrático de facto. Utópico é acreditar que com o PMDB é possível mudar alguma coisa neste país, por exemplo. Nosso maior aliado para chegar ao poder é o povo e suas lutas!”

Recorde-se que se Temer está hoje na Presidência da República é porque ele era vice de Dilma Rousseff, numa candidatura que refletiu as alianças do PT com a direita para garantir a “governabilidade”. Essa mesma política repetiu-se em Estados como o Rio de Janeiro, por exemplo, onde o PT abdicou em 2006 da sua candidatura ao governo para apoiar Sérgio Cabral Filho, do PMDB, que seria o responsável pela falência do Estado e se encontra hoje preso por corrupção, junto com alguns dos seus assessores.

Lula da Silva, Dilma Rousseff e Sérgio Cabral Filho em campanha. Hoje, o ex-governador do Rio de Janeiro está preso por corrupção tão escandalosa que nenhum político tem coragem de o defender. 

As 13 “frescuras”

Na opinião de Chico Alencar, “Lula perdeu ótima oportunidade de fazer autocrítica e respeitar forças de esquerda que não lhes são servis, ainda que solidárias em várias situações. Fatalista, parece considerar que ser governo é fazer concessões, até éticas, e alianças sem princípios.”

O PSOL divulgou também a lista das 13 “frescuras” que o partido assume ter:

1 – Não aceitar propina [luvas] da Odebrecht.

2 – Não compor com o PMDB.

3 – Não votar no [atual presidente da Câmara dos Deputados] Rodrigo Maia.

4 – Nunca ter apoiado uma reforma da Previdência.

5 – Combater a lei antiterrorismo.

6 – Pedir auditoria da dívida.

7 – Puxar o #Fora Cunha!

8 – Defender a criação do imposto sobre as grandes fortunas.

9 – Votar contra o novo Código Florestal.

10 – Ter votado contra o golpe.

11 – Nunca ter escrito uma carta aos empresários do Brasil.

12 – Defender os direitos dos povos Indígenas e Quilombolas, Mulheres, LGBTIQ’s, Negros e Negras.

13 – Defender os trabalhadores acima de qualquer interesse.

Haddad elogia Alckmin, do PSDB

Na mesma entrevista, Lula da Silva apontou o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, do PT, como um possível bom candidato do partido à Presidência, caso ele, Lula, fique impedido de se candidatar. Haddad tem fama de ser bom gestor, técnico competente, mas mesmo assim falhou a reeleição, perdendo logo na primeira volta para João Dória, do PSDB, as últimas eleições para a Prefeitura de São Paulo.

Nem por coincidência, Haddad foi entrevistado pouco depois e disse o seguinte sobre o PSDB e o governador de São Paulo, Geraldo Alkmin: "Acho o governador Alckmin, com quem eu convivi quatro anos, uma pessoa correta. Então, eu não vou acreditar no primeiro malandro que o acusar do que quer que seja. Entre a palavra de um malandro, de um empresário corruptor, e a palavra dele, eu fico com a dele", disse. Questionado sobre se manteria essa posição se aparecessem provas, respondeu: “Pode aparecer uma prova? Pode, contra qualquer pessoa. Mas, até onde eu sei, não tem absolutamente nada na conduta dele que o desabone. Sou capaz de dizer isso aqui para milhões de telespectadores.”

Temer inocente?

Recentemente, Lula da Silva disse algo semelhante sobre o próprio Michel Temer, acusado pela Procuradoria-geral da República de corrupção: “Se o procurador-geral da República tem uma denúncia contra o presidente da República, ele primeiro precisa provar. Tem que ter provas materiais. Falo isso porque já cansei de ser achincalhado sem ninguém apresentar nenhuma prova. E eu sou achincalhado desde 1982 quando criei o PT”, advertiu. “Quando alguém tem que fazer uma acusação, a pessoa tem que mostrar provas materiais para a sociedade. Não adianta dizer que a pessoa cometeu um erro. Até agora Temer é inocente. O Janot não provou nada”.

"A mala diz tudo", reagiu Janot, referindo-se ao vídeo registado pela Polícia Federal que mostra o assessor de Temer e ex-deputado Rodrigo Rocha Loures deixando uma pizzaria em São Paulo com uma mala repleta de dinheiro. E acrescentou: "Não é possível que, para eu pegar um picareta, precise tirar uma fotografia dele pegando a carteira do bolso de outro”.

Estas declarações dão o contexto que explica os ataques de Lula da Silva ao PSOL. Não parecem ter sido casuais.

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