Bloco quer resgate público das redes geridas pela PT/Altice

27 de janeiro 2018 - 18:55

Último relatório da ANACOM sobre a TDT “veio acelerar o processo”, disse o deputado Heitor de Sousa, explicando que o Bloco vai avançar com proposta de resgate da rede básica e da prestação do serviço público de telecomunicações, bem como da propriedade e gestão das redes de emergência, proteção civil e de difusão do sinal audiovisual.

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Bloco quer resgate público das redes detidas e geridas pela PT/Altice
Segundo a ANACOM, o “conflito de interesses” da PT/Altice, que detém a infraestrutura e Direito de Utilização de Frequências da TDT e, simultaneamente, uma plataforma concorrente como a MEO, é a causa para o fraco desenvolvimento da TDT em Portugal.

O Bloco de Esquerda vai avançar com um Projeto de Lei, no qual propõe alterações à Lei de Bases das Telecomunicações, determinando a inclusão, no domínio público do Estado, da rede básica de telecomunicações e do Sistema Integrado de Redes de Emergência e de Segurança (SIRESP), e também a recuperação pelo Estado da prestação de um serviço público e universal de telecomunicações, através de um operador público.

Com este diploma, os bloquistas pretendem pôr em marcha o resgate público da rede básica de telecomunicações detida hoje pela PT Portugal/Altice, da propriedade e gestão das redes de emergência, de segurança e proteção civil, e ainda da rede de difusão do sinal audiovisual (rádio e televisão).

Ao semanário Expresso, o deputado Heitor de Sousa explicou que o projeto “estava a ser amadurecido há muito tempo”, mas acabou, entretanto, por ser “acelerado pelo recente relatório da ANACOM sobre a Televisão Digital Terrestre (TDT), que confirmou as denúncias e alertas que o Bloco tem feito” sobre as responsabilidades da empresa no fraco desenvolvimento da TDT e sobre a falta de qualidade nos serviços prestados pela operadora. “São colocados em causa sempre que são postos à prova”, afirmou.



Nos últimos anos, o cenário de falhas e de diminuição da qualidade dos serviços prestados tem vindo a agravar-se, defendeu o deputado do Bloco, alegando que a situação se deve ao “desinvestimento e falta de manutenção” pela Altice, nas redes e infraestruturas que “deixaram de ser públicas”. Heitor de Sousa lembrou ainda que estas redes deveriam assegurar um serviço público para todo o território: “Houve falhas nos incêndios de junho e depois em outubro, quando os serviços de outras empresas não falharam. E ainda hoje estamos a receber queixas de pessoas que não têm serviços de telecomunicações, desde os incêndios de outubro”.

Passos decisivos para defender a TDT em Portugal

No que respeita à rede de sinal audiovisual, o Bloco defende que “são evidentes as responsabilidades da Altice/MEO na baixa cobertura da TDT”, lê-se na versão prévia do Projeto de Lei, à qual o Esquerda.net teve acesso.

De facto, chegando a apenas 17,8% dos lares em consumo exclusivo e a 32,7%, se considerarmos o consumo combinado com outras ofertas não gratuitas, “a TDT fica aquém da sua responsabilidade de promoção de coesão territorial e desenvolvimento social”, afirma o Bloco, apoiando-se também no já referido relatório da Autoridade Nacional de Telecomunicações (ANACOM), que responsabiliza diretamente a Altice por esta situação, considerando que “deve ser analisada e equacionada a implicação, em termos de conflito de interesses, da MEO - empresa titular do Direito de Utilização das Frequências - ser a mesma (ou estar inserida no mesmo grupo de empresas) que um operador concorrente à TDT - o operador de TV por cabo e satélite MEO”.



Para o Bloco, “parar a compra da Media Capital pela Altice e resgatar a infraestrutura da PT” são passos decisivos para a afirmação e desenvolvimento da TDT em Portugal.

Pôr fim ao projeto de pilhagem do capital e recursos públicos nas telecomunicações

Em maio de 1994, com o Decreto-Lei 122/94, o governo liderado por Cavaco Silva deu o primeiro passo para a privatização das telecomunicações em Portugal, com a criação da Portugal Telecom S. A. Passados apenas 21 anos, lembra o Bloco no texto do diploma, “esta passaria a ser uma empresa subsidiária integral do Grupo Altice”. Posteriormente, as marcas Meo e Portugal Telecom (PT) viriam a ser substituídas integralmente pela marca global Altice.

Para o Bloco, “este é o resultado final de um projeto de pilhagem do capital e recursos públicos, com a sua respetiva transferência para o setor privado”. O processo de venda foi então iniciado “pela direita cavaquista”, em junho de 1995, com a primeira fase de privatização da PT. O caminho foi seguido, ao longo de duas décadas, por sucessivos governos de PS, PSD e CDS.

O “epílogo”, diz o Bloco, aconteceu em 26 de julho de 2011, “acelerado pela exigência da troika e executado formalmente pelo governo PSD/CDS, com o fim das ações preferenciais (golden share) que o Estado detinha na empresa”. Desde essa data, a PT passou a ser uma empresa “integralmente nas mãos de privados”. Como se sabe, quatro anos depois, já no final da governação de Passos Coelho e Paulo Portas, o Grupo Altice tornou-se o acionista dominante, através da compra da maioria das participações que a OI detinha, num processo que ficou definitivamente concluído em dezembro de 2016.

O Bloco condena ainda as práticas laborais e empresariais da Altice, conhecidas nos vários países em que teve intervenção: a multinacional desencadeia processos profundos que designa por “reestruturações”, identificando trabalhadores e serviços tidos como dispensáveis, que terminam invariavelmente em despedimentos e não raras vezes em processos de assédio moral contra os trabalhadores.



É precisamente o que se está a passar na PT, alega o Bloco: além de falhar no respeito pelos trabalhadores e pela história da empresa, “é hoje indiscutível que a Altice falha clamorosamente no cumprimento das obrigações de serviço público a que está obrigada em resultado do processo de privatização que abrangeu não apenas a operação sobre as telecomunicações fixas e móveis, mas também as próprias redes de infraestruturas que as suportam”.

Com esta iniciativa, o Bloco lançará o debate no parlamento, defendendo que "o modelo de privatização da PT tem de ser revisto", justificando-se o resgate para o domínio público das diferentes redes de telecomunicações.