Está aqui

Bloco de Esquerda: entre balanços e perspectivas

Contributo de Miguel Cardina

1. O Bloco sofreu no passado dia 5 de Junho uma pesada derrota eleitoral. Perdeu metade dos deputados e quase metade dos votos que havia alcançado em 2009. Ao mesmo tempo, a direita agora coligada conseguiu uma maioria de mandatos e prepara-se para implementar uma linha de governação que contempla um fortíssimo ataque aos direitos do trabalho, uma sede profunda de destruição do Estado social e um pacote vasto de privatizações. Perspectiva-se uma nova era política na qual a Constituição poderá vir a ser substancialmente revista ou a ter amplas zonas de letra morta. Por sua vez, o PS entrará numa travessia do deserto feita de uma provável sucessão de líderes e da busca de linhas de demarcação relativamente ao PSD-CDS. Aos resultados desanimadores da esquerda partidária crítica das políticas de austeridade - sobretudo do BE - junta-se a incapacidade de amplos sectores sociais de esquerda reagirem desde já à captura da democracia pelo poder excitado dos "mercados". Nenhuma reflexão sobre os caminhos que o Bloco de Esquerda deve trilhar no futuro pode deixar de ter em conta o estado anémico em que se encontra a resistência ao neoliberalismo e os desafios que se colocam a uma esquerda que quer ser parte de uma alternativa.

2. Muito se falou no impacto de algumas posições do Bloco no resultado eleitoral. O apoio à candidatura presidencial de Manuel Alegre, a moção de censura, a recusa em reunir com a troika ou o encontro com o PCP não foram de todo consensuais. Para além de desagradarem a diferentes sectores do eleitorado, estes diferentes posicionamentos difundiram uma certa percepção de que tínhamos excesso de táctica e carência de estratégia. E isso sem dúvida influenciou os resultados.

3. Evidentemente que uma disputa eleitoral não é de todo imune ao contexto em que ocorre. Existiram factores externos que pesaram no resultado eleitoral do Bloco, desde logo a forte sensação de insegurança instalada, que levou àquilo a que Fernando Rosas chamou "voto na ilusão de uma solução". Ao mesmo tempo, assistimos à crescente afirmação de um sentimento populista anti-partidos, que já tinha tido alguma expressão na votação alcançada pela candidatura presidencial de Fernando Nobre e de José Manuel Coelho, na retórica de alguns sectores em torno do fenómeno do 12 de Março e numa taxa de abstenção que revela uma consistente tendência de crescimento. O Bloco deve saber interpretar este fenómeno e buscar para ele respostas que sejam muito claras na separação entre crítica ao status quoe crítica à democracia, já que a primeira sem a segunda apenas nos conduz a becos de má memória.

4. Por outro lado, o acordo com a troika e a retórica do "auxílio" reforçaram a ideologia da inevitabilidade, que se impôs vitoriosamente sem que a esquerda fosse capaz de afirmar um discurso crítico que lhe desmontasse os alicerces e apontasse saídas que fossem perceptíveis por amplos sectores da população. Se este misto de resignação e desencanto se sentiam claramente no ar, o Bloco confiou ainda assim que o grau de recusa popular das medidas da troika tenderia a avolumar-se rapidamente. É isso, aliás, que explica a opção de recusar a ida à reunião com a troika e a ideia, depois mitigada, de que as eleições seriam um referendo à legitimidade das medidas consagradas no memorando de entendimento. As propostas de auditoria e renegociação da dívida, tornadas depois centrais na campanha, credibilizaram o Bloco junto de algumas franjas mais esclarecidas e habituadas a um discurso económico denso, mas revelaram-se incapazes de mobilizar um eleitorado que buscava sobretudo respostas pragmáticas e de curto prazo.

5. Se o eixo nas questões económicas se justificava completamente, menos compreensível parece ser uma excessiva subvalorização programática de outras áreas temáticas nas quais o Bloco tem tido uma intervenção qualificada e reconhecida, como é o caso da cultura, dos direitos das minorias ou do combate às discriminações. Em outras áreas, como é o caso da ecologia, parecem existir temas a aprofundar, quer ao nível da proposta política, quer ao nível do activismo. Não obstante o trabalho desenvolvido no Parlamento Europeu e na Assembleia da República, sobretudo na última legislatura, questões ligadas à qualidade de vida, aos modelos de desenvolvimento rural e urbano, aos recursos energéticos, à soberania alimentar, à água, aos direitos dos animais ou à relação entre lazer e consumismo necessitam de melhor debate e mais abordagem política. Resultados eleitorais como o do PAN, que teve 1% e mais de 50.000 votos na sua primeira eleição, são um pequeno mas significativo sinal disso mesmo.

6. O Bloco construiu-se com base num compromisso de desbloquear a esquerda, não só em termos programáticos mas também organizativos. Ao longo do seu percurso, tem procurado criar uma cultura política própria dentro de um quadro de salutar pluralidade, mas subsistem ainda limitações importantes. Para um partido que pretende forjar - como dizia o texto da moção A na última convenção - um modelo de organização nem autoritário nem amorfo é necessário estimular a participação de cada aderente, fortalecer a discussão em todas as estruturas e acentuar o esforço de debate ideológico de maior fôlego para além do que é efectuado em correntes e tendências. Para além disso, o desígnio de construção de uma "esquerda grande" obriga também a que se intensifiquem diálogos e articulações com simpatizantes, independentes e gente das diferentes esquerdas políticas e sociais. O pior caminho a que nos poderia levar a derrota seria a cedência à lógica da concha, que busca justificar como inevitável o encurtamento e como perniciosa a crítica.

7. A nova situação política exige novas respostas. A abertura de canais de discussão dentro e fora do Bloco, decidida na última Mesa Nacional e já com alguns momentos em agenda, estimula este percurso e carece por isso mesmo de continuidade. Antecipar a convenção para 2012 seria fundamental para discutir com tempo uma estratégia para as autárquicas desse ano, eleições cronicamente difíceis para o Bloco, e para colmatar insuficiências programáticas, debater modos de contrariar o refluxo da esquerda e preparar a luta contra uma direita política e intelectual que aspira fazer uma verdadeira mudança de regime no país. É desenhando com nitidez os combates e as alternativas que nos armamos para transformar a realidade.

Termos relacionados Debates 2011
(...)