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Arranque do mapa judiciário marcado por críticas e caos informático

No dia do arranque do mapa judiciário que encerrou 20 tribunais e lançou a confusão em muitos outros, o sistema informático falhou e a Ordem dos Advogados apresentou uma queixa-crime para o Governo responder por "atentado ao Estado de Direito". Em Viseu, o Bloco assinalou o dia junto ao tribunal de Vouzela.
Ação do Bloco/Viseu junto ao Tribunal de Vouzela no dia do arranque do novo mapa judiciário.

O primeiro dia do novo mapa judiciário ficou marcado por críticas de funcionários, magistrados, advogados e cidadãos que não conseguiram resolver o assunto que os trouxe ao tribunal. O Tribunal da Comarca de Faro foi um dos que sentiu o “apagão” do sistema informático, que impediu quem lá ia de realizar operações simples. “Vinha para pagar uma multa, mas disseram-me que o sistema não estava a funcionar e que tinha que vir mais tarde”, contou José Oliveira à agência Lusa.

Apesar da garantia da ministra da Justiça de que o sistema informático Citius estaria a funcionar às 10h da manhã, os advogados, juízes e funcionários judiciais viram o seu acesso bloqueado durante todo o dia.

Apesar da garantia da ministra da Justiça de que o sistema informático Citius estaria a funcionar às 10h da manhã, os advogados, juízes e funcionários judiciais viram o seu acesso bloqueado durante todo o dia. “Neste momento, um advogado que tenha um caso em curso e careça de verificar o que quer que seja do processo, ou que esteja a fazer um recurso e precise de consultar o processo, não o consegue consultar no Citius porque a plataforma não está a funcionar, e não o consegue consultar fisicamente em suporte de papel, porque ainda está em caixotes e ninguém sabe muito bem localizá-los”, criticou a bastonária da Ordem dos Advogados. Para Elina Fraga, este é um sinal de que a reforma  foi feita de “uma forma atabalhoada, precipitada e profundamente irresponsável”.

A Ordem dos Advogados cumpriu a promessa de apresentar uma queixa-crime contra os membros do Governo que aprovaram o novo mapa judiciário, uma das medidas previstas no memorando da troika,  que acabou por reduzir o número de comarcas a 23 e encerrar 20 tribunais, afetando em especial as populações do interior. A queixa-crime diz que os ministros do PSD e do CDS "desprezaram o critério da proximidade do cidadão no acesso ao Direito e à Justiça" com a aprovação do mapa judiciário que entrou em vigor esta segunda-feira.

Magistrados criticam falta de meios e mau timing da ministra

A manter-se este cenário de falta de meios, concluiu o presidente da Comarca do Porto, “estará inviabilizada qualquer pretensão de maior eficiência, eficácia e maior celeridade processual com manifesto prejuízo para os cidadãos e para as empresas. Que não se impute a responsabilidade aos tribunais, não será seguramente nossa”, avisou.

As críticas à falta de meios vieram de todos os quadrantes do sistema judicial. Para o presidente da nova Comarca do Porto, “faltam cerca de mil oficiais de justiça a nível nacional, sendo parte significativa deste elevado número na área do Tribunal Judicial da Comarca do Porto”.

“No Palácio de Justiça do Porto, onde existem dez salas de audiências e exerciam funções 16 juízes, irão agora exercer funções, pelo menos, 35 juízes. Todavia, mantêm-se as mesmas dez salas de audiências. No Palácio da Justiça da Póvoa de Varzim irão agora exercer pelo menos onze juízes e mantêm-se as mesmas quatro salas de audiências que já existiam”, prosseguiu Rodrigues da Cunha, no seu discurso na cerimónia de tomada de posse dos cerca de 180 juízes da sua comarca.

A manter-se este cenário de falta de meios, concluiu o presidente da Comarca do Porto, “estará inviabilizada qualquer pretensão de maior eficiência, eficácia e maior celeridade processual com manifesto prejuízo para os cidadãos e para as empresas. Que não se impute a responsabilidade aos tribunais, não será seguramente nossa”, avisou.

Também citada pela Lusa, a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, admitiu que "teria sido melhor" que a nova organização judiciária tivesse arrancado "ao mesmo tempo" do novo estatuto do Ministério Público. Uma opinião partilhada pelo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso, que defendeu não ser este  “o 'timing' adequado” para o arranque do novo mapa, “pois não está tudo preparado para a receber“.  "Há magistrados que não vão ter salas de julgamento e isso acontece em muitos tribunais e, noutros casos, as obras ainda não começaram", acrescentou.

Bloco/Viseu defende movimento de autarcas contra o novo mapa

“Queremos contribuir para engrossar uma torrente que inverta este processo", defendeu Graça Pinto, do Bloco/Viseu, distrito que perde os tribunais de Armamar, Resende e Tabuaço.

A distrital bloquista de Viseu assinalou o dia junto à estátua da Justiça em Vouzela e lançou o repto “aos autarcas e populações do distrito de Viseu para que contribuam para formar um grande movimento que reverta este processo que nasceu torto”. “Queremos contribuir para engrossar uma torrente que inverta este processo", defendeu Graça Pinto, do Bloco/Viseu, distrito que perde os tribunais de Vouzela, Castro Daire, Olivera de Frades, São João da Pesqueira, Armamar, Resende e Tabuaço.

Para o Bloco/Viseu, a abertura de secções de proximidade como a que existirá em Vouzela é apenas “poeira para os olhos, já que não vai servir para grande coisa". As ações judiciais que envolvam mais de 50 mil euros ou molduras penais a partir de cinco anos de prisão vão obrigar os cidadãos a viajar ao tribunal da sede do distrito, alerta a distrital do Bloco em comunicado.

"As questões como a área da família, por exemplo, vão passar a estar centralizadas, obrigando a população a deslocar-se. Tudo isto num contexto de dificuldades em termos de transportes, população envelhecida e dificuldades económicas", acrescentou Graça Pinto, concluindo que o novo mapa "é um atentado muito grave do Governo à justiça, que deixa de estar acessível de igual forma para todos".

Ação do Bloco/Viseu junto ao tribunal de Vouzela.

Na ausência de transportes públicos para as deslocações que podem ir a mais de 100 quilómetros de distância, muita gente irá desistir do recurso aos tribunais "e serão, certamente, tentados a seguir o método ancestral de fazer justiça pelas próprias mãos. É este o acesso à justiça prometido pelo Governo!", conclui o comunicado da distrital bloquista de Viseu.

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