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Andaluzia: análise de um tsunami político

As eleições autonómicas realizadas na Andaluzia no passado dia 2 foram marcadas por uma verdadeira “onda” de extrema-direita, que produziu um verdadeiro “tsunami político”. Artigo de Jorge Martins.
Composição do novo parlamento andaluz. Imagem El Pais.

As eleições autonómicas realizadas na Andaluzia no passado dia 2 foram marcadas por uma verdadeira “onda” de extrema-direita, que produziu um verdadeiro “tsunami político”. Este traduziu-se, essencialmente, na perda da maioria de esquerda, que se mantinha desde a primeira eleição dos órgãos da Comunidade Autónoma, em 1982, e na entrada em força do VOX, um partido da extrema-direita, no Parlamento Regional.

Para esse péssimo resultado da esquerda contribuíram tanto a já esperada descida do PSOE, desde sempre a força política maioritária na região, mas também a inesperada quebra da coligação de esquerda Adiante Andaluzia (AA), entre o Podemos e a IU. Registaram-se, igualmente, grandes mudanças à direita: para além do êxito da extrema-direita, o PP, principal força da oposição, também sofreu uma descida acentuada, enquanto os Cidadãos (C’s) quase duplicaram a sua votação.

Uma região grande, mas pobre e desigual, sem pretensões independentistas

A Andaluzia é a região mais meridional da Península Ibérica, sendo também a mais populosa e a segunda mais extensa das 17 Comunidades Autónomas em que se divide o Estado espanhol, com cerca de 8,5 milhões de habitantes, distribuídos por uma superfície de 88 mil Kms2.

Tal como o País Basco, a Catalunha e a Galiza, a Andaluzia é considerada uma nacionalidade histórica e possui uma autonomia mais alargada que as restantes Comunidades. Assim, enquanto as eleições autonómicas nas outras 13 decorrem todas a cada quatro anos, no último domingo de maio, naquelas quatro são marcadas pelo respetivo executivo, podendo, mesmo, haver interrupção da legislatura, com a consequente antecipação do ato eleitoral. Além do mais, os respetivos estatutos autonómicos garantem-lhes competências mais extensas em diversos domínios. Porém, ao contrário das outras três, a Andaluzia não possui um idioma próprio, diferente do castelhano. A sua especificidade é, essencialmente, histórico-cultural, fruto da mais prolongada presença árabe na região, que apenas terminou com a conquista do reino mouro de Granada, em 1492. Daí que não exista, na Andaluzia, um sentimento independentista relevante. O próprio Partido Andalucista (PA), entretanto extinto, definia-se como federalista e regionalista, defendendo apenas uma autonomia mais alargada para a comunidade. E, mesmo assim, só nas autonómicas de 1996 atingiu os 10%, tendo, nos seus melhores tempos, ficado entre os 5 e os 7%. Por seu turno, os grupos independentistas têm votações minúsculas. Para isso contribuiu, igualmente, a ausência de uma grande burguesia regional dinâmica e autónoma relativamente a Madrid, como sucede nos casos basco e catalão. Pelo contrário, a região foi, durante muito tempo, dominada por uma oligarquia latifundiária extremamente reacionária e absentista, desde sempre habituada a viver da exploração intensa de uma mão de obra camponesa contratada à jorna, mal paga, sujeita a longas jornadas de trabalho e ao desemprego durante uma parte do ano, a exemplo do que sucedia no nosso Alentejo. Por isso, a industrialização sempre foi débil.

Não é por acaso que a Andaluzia é a segunda região mais pobre de Espanha, apenas à frente da Extremadura, que possui uma estrutura agrária semelhante, e a que revela a mais elevada taxa de desemprego. Contudo, ao contrário da nossa região alentejana, onde os centros urbanos são de pequena e média dimensão, a Andaluzia possui algumas grandes cidades, onde se destaca a capital, Sevilha, que, com quase 700 mil habitantes, é uma das maiores do país vizinho.

Não é por acaso que a Andaluzia é a segunda região mais pobre de Espanha, apenas à frente da Extremadura, que possui uma estrutura agrária semelhante, e a que revela a mais elevada taxa de desemprego. Contudo, ao contrário da nossa região alentejana, onde os centros urbanos são de pequena e média dimensão, a Andaluzia possui algumas grandes cidades, onde se destaca a capital, Sevilha, que, com quase 700 mil habitantes, é uma das maiores do país vizinho, logo seguida de Málaga, que ultrapassa os 550 mil. Por sua vez, Córdova (com mais de 300 mil), Granada (acima dos 200 mil), Jerez de la Frontera, e Almeria (ambas com cerca de 200 mil) e mesmo Huelva (com perto de 150 mil) só ficariam, em Portugal, atrás das nossas duas maiores cidades, enquanto Cádiz, Jaén, Marbella ou Algeciras ombreariam com Braga, Coimbra, Setúbal ou Funchal. Ou seja, estamos em presença de um território bastante mais urbanizado, o que permitiu a existência de uma pequena burguesia de raiz local, que rompeu com a bipolarização tradicional entre os terratenentes e os camponeses sem terra. Daí que, ao contrário do que sucedeu no Alentejo, o peso do Partido Comunista Espanhol (PCE) e da coligação que este integra, a Esquerda Unida/Os Verdes-Convocatória pela Andaluzia (IULV-CA), embora significativo, nunca tenha atingido a dimensão que teve em terras alentejanas, Por outro lado, a partir dos anos 60, o desenvolvimento do turismo atraiu às costas da região um conjunto de “patos bravos”, que aproveitaram cada metro quadrado do litoral, em especial mediterrânico, para a construção de grandes empreendimentos turísticos, o que levou ao êxodo de grande parte da mão de obra do interior andaluz para as áreas costeiras, onde, mesmo que mal pagos, sempre garantiam melhores salários e condições de trabalho superiores às dos campos. Também aqui podemos estabelecer um paralelo, desta vez com o nosso Algarve. Toda esta estrutura social levou a que, após a transição democrática, o PSOE se afirmasse, claramente, como a força maioritária na região, com o direitista PP como maior força da oposição, mas a larga distância daquele, e o PCE/IULV-CA em terceiro lugar, mas também longe daquele. Por outro lado, a pobreza da região levou a que esta ficasse muito dependente das transferências do Estado central, o que torna a ideia de independência pouco atrativa para os andaluzes.

Um sistema eleitoral que favorece as províncias menos povoadas

De acordo com o Estatuto de Autonomia, o poder executivo pertence à Junta da Andaluzia, o governo regional, dirigido pelo seu presidente. Este é investido pelo Parlamento da região, necessitando de uma maioria absoluta na primeira votação e simples na segunda, a realizar dois dias depois. Caso nenhum dos candidatos consiga a investidura, terão de ser apresentadas novas candidaturas, que seguirão os mesmos trâmites. Se, passados dois meses, o impasse persistir, a assembleia parlamentar será dissolvida e novas eleições serão convocadas, num procedimento idêntico ao que sucede a nível nacional.

Por sua vez, o poder legislativo é da competência do Parlamento da Andaluzia. Este é composto por 109 membros, eleitos por sufrágio universal, direto e secreto para um mandato de quatro anos, através de um sistema proporcional, baseado no método de Hondt. Para o efeito, o território andaluz é dividido em oito circunscrições eleitorais, correspondentes às oito províncias em que se divide a região. Apesar de o escrutínio ser proporcional, a alocação dos mandatos pelos círculos eleitorais está longe de o ser. Com efeito, a cada província é garantida, à partida, um mínimo de oito lugares, de forma a dar maior peso às de menor dimensão. Com isso, ficam, desde logo, distribuídos 64 deputados, sendo os restantes 45 repartidos de acordo com a população de cada uma das circunscrições. Existe, no entanto, uma restrição adicional: nenhuma província pode eleger um número de representantes maior que o dobro de outra. Assim, cada uma delas elege os seguintes deputados: Sevilha (18), Málaga (17), Cádiz (15), Granada (13), Córdova (12), Almeria (12), Jaén (11) e Huelva (11).

PSOE: o paradoxo de vencer as eleições e ser o grande derrotado

Apesar de continuar a ser o mais votado na região, o PSOE-A (Partido Socialista Obrero Español de Andalucía) foi o grande derrotado deste ato eleitoral. Se, em março de 2015, os 35,4% dos votos já eram um “record” negativo em eleições autonómicas, os 27,9% de agora constituem o pior resultado eleitoral de sempre do partido em qualquer sufrágio eleitoral ocorrido na região após a transição democrática. A quebra na votação traduziu-se, naturalmente, na descida da sua representação parlamentar, que passou de 47 para apenas 33 eleitos. Analisando as transferências de voto, em percentagem, que podem ser vistas, em pormenor, nos quadros anexos, verificamos que os socialistas apenas conservaram 68% dos sufrágios anteriormente obtidos, tendo perdido 12% para a abstenção, 8,5% para os C’s, 6% para o VOX, 2% para outras forças políticas (em especial, o animalista PACMA) e valores residuais para outras opções de voto. Em compensação, apenas terá recebido 6% de eleitores da IU, 5% de outros partidos (em especial, do extinto Partido Andalucista), 3,5% do Podemos e 2,5% de votos brancos e nulos. Do ponto de vista territorial, a estrutura do voto pouco se alterou, com o partido a obter os melhores resultados nas províncias mais setentrionais e do interior da região, em especial Jaén, seguida da mais ocidental Huelva, de Sevilha e Córdova.. Em contrapartida, as piores votações ocorreram nas mais meridionais (Málaga e Cádiz). Relativamente à evolução face a 2015, as maiores perdas ocorreram na província de Cádiz, onde deixou fugir quase 1/4 do eleitorado de então, mas em Huelva, Granada, Sevilha e Almeria “voaram” mais de 1/5 dos votos recebidos no último ato eleitoral. Em contrapartida, as menores verificaram-se na de Jaén, onde perdeu “apenas” pouco mais de 1/6 desse total. Globalmente, os socialistas perderam 21,7% dos votos obtidos nas últimas autonómicas.

O cansaço com a governação do PSOE-A terá levado muitos eleitores tradicionais do partido a abster-se, enquanto outros, mais centristas, buscaram uma alternativa nos C’s. Outros ainda, preocupados com a imigração, migraram mesmo para a extrema-direita.

A principal causa do fracasso do PSOE-A prende-se com a sua longa permanência no poder, pois desde as primeiras eleições autonómicas, realizadas em 1982, que o partido esteve, ininterruptamente, à frente do executivo da Comunidade, ora sozinho, ora com o apoio ou em coligação com outras forças políticas. Na última legislatura, governou com o apoio parlamentar dos C’s, até estes romperem o acordo no início de setembro, provocando a antecipação da ida às urnas em quatro meses. Ora, ao fim de 36 anos no poder, o caciquismo, o clientelismo e, até, a corrupção atingiram níveis que se tornaram insuportáveis para uma porção significativa do eleitorado. Acresce, ainda, o facto de a presidente da Junta andaluza, Susana Díaz, ter uma imagem de manobrista e intriguista política, em especial após o seu papel na crise interna do PSOE nacional, que levou à demissão do atual primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, de secretário-geral do partido, em setembro de 2016, ao defender, contra a opinião daquele, a abstenção dos socialistas na investidura de Rajoy, permitindo a passagem do seu governo. Após ter contribuído para a queda de Sanchéz, apresentou a sua candidatura à liderança contra ele, no ano seguinte, mas acabou derrotada. Daí que, se, por um lado, o mau resultado do partido na Andaluzia constitui motivo acrescido de preocupação para o presidente do governo espanhol, por outro, terá, para ele, o lado positivo de ver enfraquecida a sua principal adversária interna. O cansaço com a governação do PSOE-A terá levado muitos eleitores tradicionais do partido a abster-se, enquanto outros, mais centristas, buscaram uma alternativa nos C’s. Outros ainda, preocupados com a imigração, migraram mesmo para a extrema-direita. Porém, houve também fatores nacionais a pesar nestas eleições. Desde logo, o facto de a direita ter sido apeada do poder através de uma “geringonça” parlamentar, que levou à aprovação de uma moção de censura construtiva apresentada pelo PSOE, com o apoio do Unidos Podemos e dos nacionalistas catalães e bascos, levando à substituição de Rajoy por Sánchez, provocou a fúria da direita, cujos eleitores quiseram mostrar, nas urnas, o seu descontentamento. Este foi, ainda, agravado por algumas medidas progressistas tomadas pelo novo governo, em especial no que concerne à lei da memória histórica, com destaque para a decisão de retirar o cadáver do ditador Franco da basílica do Vale dos Caídos, e pelo que considera ser a sua contemporização com o independentismo catalão. Assim, enquanto a insatisfação dos eleitores da esquerda com a governação regional socialista os levou para a abstenção, o descontentamento com o executivo nacional levou o eleitorado da direita a participar ativamente no primeiro ato eleitoral realizado após o derrube de Rajoy.

PP: uma derrota clara, com perdas ao centro e à direita

Contudo, não foi o PP (Partido Popular de Andalucía), a principal formação da oposição, que beneficiou dessa circunstância, pois o partido abrevou um desaire de proporções similares às dos socialistas. Na verdade, depois de, em 2012, ter conseguido, pela primeira e, até agora, única vez, ser a força política mais votada em eleições autonómicas na região, com mais de 40% dos votos, só não tendo chegado à governação porque a maioria de esquerda lhe barrou o caminho, sofreu uma derrota esmagadora em 2015, quando se ficou pelos 26,7% dos sufrágios e 33 eleitos. Agora, e tal como o PSOE-A, registou o seu pior resultado de sempre numa eleição para o Parlamento andaluz, quedando-se por 20,7% dos votos, que lhe valeram apenas 26 lugares. A única consolação será o terem-se mantido como a segunda formação da Comunidade Autónoma, evitando a sua ultrapassagem por parte dos C’s e/ou da AA. À semelhança dos socialistas, os “populares” só conservaram 68% da sua votação anterior. Dos votos perdidos, 15% foram para o VOX, 8,5% para os C’s, 5% para a abstenção e os restantes para outras opções. Estes foram pouco compensados, com cerca de 2% de brancos e nulos e a mesma percentagem de pequenos partidos, sendo residuais os recebidos de outras formações políticas.

A verdade é que o PP saiu bastante desgastado, desacreditado e dividido do último governo de Rajoy, quer devido às políticas austeritárias seguidas, quer à forma como lidou com a crise catalã, quer, principalmente, aos inúmeros escândalos em que se viu envolvido, a todas as escalas territoriais e em praticamente todo o país.

A distribuição territorial do voto no PP também não sofreu grandes alterações, com o partido a revelar maior implantação nas quatro províncias orientais da região: Almeria (onde obteve o seu melhor resultado e voltou a ser a força política mais votada), Jaén, Granada e Málaga. Os piores voltaram a ocorrer, tal como há três anos, em Sevilha e em Cádiz, circunscrições onde se quedou pela quarta posição, atrás de PSOE, C’s e AA. Quanto à evolução da votação, as maiores perdas ocorreram também em Cádiz, logo seguida de Almeria e Sevilha. Nestas três províncias, os “populares” perderam 1/4 ou mais do seu eleitorado de 2015. Ao invés, aguentaram-se melhor em Huelva, onde “só” deixaram fugir pouco mais de 1/7 dos seus votantes de então. Já em Córdova, Málaga e Jaén perderam cerca de 1/5 daquele valor. No total, o PP perdeu 22,5% dos votos recebidos no último ato eleitoral regional.

Ao contrário do que sucedeu com os socialistas, cujo fracasso tem uma grande componente regional e, em menor grau, nacional, o desaire do maior partido da direita espanhola estará mais relacionado com uma tendência nacional. A verdade é que o PP saiu bastante desgastado, desacreditado e dividido do último governo de Rajoy, quer devido às políticas austeritárias seguidas, quer à forma como lidou com a crise catalã, quer, principalmente, aos inúmeros escândalos em que se viu envolvido, a todas as escalas territoriais e em praticamente todo o país. Por isso, o novo presidente do partido, Pablo Casado, tem tido muitas dificuldades em afirmar a sua liderança e em ser visto como alternativa a Sánchez. Assim, os seus eleitores mais centristas viraram-se para os C’s, menos fanáticos da austeridade e que, para além do mais, defendem uma linha ainda mais dura face à Catalunha e aos nacionalismos periféricos. Por seu turno, e apesar da viragem à direita promovida pela atual liderança nacional, os mais direitistas juntaram-se ao VOX, que, no fundo, passou a exprimir em voz alta aquilo que eles pensam e que, até aqui, apenas se limitavam a sussurrar.

C’s: um grande resultado, a que só faltou a ultrapassagem ao PP

Os C’s (Ciudadanos – Partido de la Ciudadanía), do centro-direita, foram um dos grandes vencedores destas eleições, só lhe faltando a “cereja no bolo”, que seria ficar à frente do PP. O partido, que havia obtido 9,3% dos votos e eleito nove deputados no último ato eleitoral, quase duplicou a sua votação e mais que duplicou a sua representação no Parlamento regional, ao obter 18,3% dos sufrágios, que lhe valeram a eleição de 21 parlamentares. Para além de ter segurado cerca de 90% dos que nele confiaram em 2015, terá conquistado 20% dos votos em pequenos partidos (em especial da UPyD, que tinha tido quase 2% dos sufrágios e, agora, quase desapareceu), 10% de eleitores do Podemos, 8,5% do PSOE e outro tanto do PP, 4,5% de brancos e nulos, 2% da IU e 1% de abstencionistas. Por outro lado, apenas terá perdido 3% para a abstenção, 2% para o VOX e valores residuais para outras opções de voto. A estrutura territorial da sua votação pouco se alterou, com exceção da província de Almeria. Assim, os C´s revelam maior implantação nas províncias meridionais de Cádiz (onde foram a segunda formação mais votada) e Málaga. Ao invés, os resultados menos bons ocorrem nas mais rurais Jaén, Huelva e, também, em Almeria, onde, em 2015, ficou ligeiramente acima da média regional. Se considerarmos a evolução da votação, verificamos que o crescimento do partido foi maior nas províncias onde fora, então, menos votado: Jaén, Córdoba e Huelva, enquanto os menores ocorreram em Málaga e Almería, onde o VOX teve maiores votações, em especial na segunda. No total, os C’s registaram um acréscimo de 96,8% no seu eleitorado, ou seja, quase o dobro.

Para este bom desempenho dos C’s contribuíram a insatisfação de uma parte significativa dos eleitores com os dois maiores partidos. Assim, os eleitores do PSOE e do PP mais centristas e/ou mais exigentes com a qualidade da governação viram no partido de Albert Rivera uma alternativa moderada face ao status quo vigente a nível regional e, quiçá, nacional. Acresce, ainda, o facto de o partido, formado na Catalunha por sectores anti-independentistas, ter uma posição de dureza face ao nacionalismo catalão, o que gera simpatia na Andaluzia, por razões que explicaremos mais adiante. Terá sido, aliás, esse fator que terá levado alguns eleitores que, descontentes com o sistema político e com a corrupção, deram o seu voto ao Podemos, no último ato eleitoral, a apostarem agora nos C’s, insatisfeitos com a ambiguidade da formação da esquerda face ao desafio dos independentistas catalães.

AA: um recuo inesperado, que contribuiu para o fim da maioria de esquerda

Uma surpresa deste ato eleitoral foi o relativamente mau resultado da coligação de esquerda Adelante Andalucía (AA), formada pelo Podemos Andalucía, Izquierda Unida/Los Verdes – Convocatoria por Andalucía (IULV-CA) e pelas mais pequenas Izquierda Andalucista (IzA) e Primavera Andaluza (PA), formadas a partidos de alguns restos do extinto Partido Andalucista (PA), que algumas sondagens chegaram a colocar como a segunda força política da Comunidade Autónoma. A formação foi apenas a quarta mais votada, obtendo 16,2% dos votos e conquistando 17 lugares, quando, em 2015, o Podemos conseguiu 14,8% e 15 deputados, enquanto a IULV-CA se ficou pelos 5,9% e cinco mandatos. No conjunto, as duas forças políticas registaram, então, na altura, 21,7% dos boletins válidos e elegeram 20 parlamentares. Será a partir deste valor que faremos, globalmente, a comparação dos resultados da AA face ao sufrágio autonómico anterior, embora mantendo a distinção entre as votações do Podemos e a da IULV-CA sempre que tal se revele mais adequado. No que se refere às transferências de voto, verificamos que há diferenças no comportamento daquelas duas formações. Assim, enquanto cerca de 82% dos que optaram pela IULV-CA votaram na AA, apenas 56% dos votantes no Podemos em 2015 o fizeram. Desses, 15% fugiram para a abstenção, enquanto 10% foram para os C’s, 7% para o VOX, 5% para outros partidos (em especial, para os animalistas do PACMA, que registaram uma apreciável subida, e, em menor grau, para os ecologistas do EQUO), 3,5% para o PSOE-A e percentagens residuais para PP, brancos e nulos. Já os votos perdidos da IULV-CA se dirigiram para outros destinos: 6% para o PSOE-A, 4% para a abstenção, 2% para outros partidos e valores residuais para as restantes opções de voto. As compensações foram poucos, com a coligação a ir buscar cerca de 4% a brancos e nulos, 2% a pequenos partidos (em especial, ao extinto Partido Andalucista) e uns “pozinhos” a outras forças políticas e jovens eleitores. Quanto à estrutura do voto, a AA conseguiu o seu melhor resultado percentual em Cádiz, logo seguido de Sevilha, província onde foi a segunda lista mais votada. O seu pior desempenho ocorreu em Almeria, onde ficou em quinto lugar, não atingindo os 10%, e nas mais rurais Jaén e Huelva. Curiosamente, se considerarmos a soma de Podemos e IU, a distribuição territorial mantem-se relativamente inalterada. Quanto à evolução da votação na esquerda andaluza, considerando o conjunto daquelas duas forças em 2015, as maiores perdas registaram-se na província de Almeria, onde viu fugir mais de 1/3 dos sufrágios de então. Ao invés, foram menores em Sevilha, onde não foram além de 1/5 desse valor. Nas restantes, à exceção de Granada, onde ficaram ligeiramente abaixo, ficaram acima de 1/4 do eleitorado. No total, as perdas da AA face à adição das percentagens de Podemos e IULV-CA cifraram-se em 25,3%, maiores, em termos relativos, que as do PSOE-A e do PP. Contudo, o facto de, ao contrário das eleições anteriores, terem concorrido em conjunto evitou que elas se traduzissem numa quebra equivalente da sua representação parlamentar.

Este inesperado fracasso da esquerda na Andaluzia terá, na minha opinião, duas explicações: a questão catalã e a natureza do voto no Podemos em 2015.

Este inesperado fracasso da esquerda na Andaluzia terá, na minha opinião, duas explicações: a questão catalã e a natureza do voto no Podemos em 2015. A posição ambígua do partido perante o desafio independentista da Catalunha, em que, mesmo manifestando-se contrário à independência daquela, defendeu o direito do povo catalão à autodeterminação, dececionou os setores da esquerda mais espanholista, que, dessa forma, se afastaram do partido, ou não votando ou dando o voto a pequenos partidos como o PACMA ou, mesmo, aos socialistas. Por outro lado, há que perceber que muitos dos que apostaram na formação de Pablo Iglesias há três anos atrás não eram eleitores de esquerda. Na verdade, eram, essencialmente, pessoas descontentes com o funcionamento das instituições, a corrupção e a degradação da situação económica e social, em especial os cortes nos salários, pensões e serviços públicos e as elevadas taxas de desemprego, que foram atraídos pelo discurso antissistema do Podemos. Quando o partido se assumiu como uma força de esquerda e se aliou à IU na coligação Unidos Podemos (UP), a nível nacional, e em algumas confluências regionais, esse segmento do eleitorado afastou-se. No caso andaluz, a maioria dele virou-se para os C’s, que viu, igualmente, como uma força nova, mas houve uma parte que acabou por se passar para a extrema-direita, indo, agora, atrás do discurso populista do VOX. Já o eleitorado da IULV-CA foi mais fiel, havendo apenas uma pequena parte que fugiu para o PSOE, quiçá por entender que seria o “voto útil”, e outra que, descontente com a ligação ao Podemos, optou por não votar.

VOX: a chocante ascensão “relâmpago” da extrema-direita

O VOX, formação da extrema-direita, foi, como referimos no início, o grande vencedor do ato eleitoral, ao obter 11,0% dos sufrágios e eleger 12 deputados, quando, nas últimas autonómicas, não passou dos 0,5%. Foi a primeira vez que o partido obteve mandatos numa assembleia parlamentar, depois de, nas europeias de 2014, ter obtido 1,6% a nível nacional, ficando a poucos votos de eleger um eurodeputado. Já nas legislativas de 2016 ficou-se uns residuais 0,2%. No caso concreto destas eleições regionais, os seus votos vieram das mais diversas proveniências: 15% do PP (o grosso dos novos eleitores do VOX), igual percentagem de outros partidos (em especial, da extinta UPyD) e um valor quase idêntico de brancos e nulos, 7% do Podemos, 6% do PSOE, 2% de abstencionistas, o mesmo dos C’s e 1% da IU. A esses, há a juntar cerca de 95% dos seus parcos eleitores de há três anos. Relativamente à estrutura do voto, o VOX conseguiu a maior votação na circunscrição de Almeria, onde foi a terceira força mais votada, com 16,8% dos sufrágios. As restantes províncias banhadas pela costa mediterrânica (Málaga, Granada e Cádiz) foram aquelas onde o partido obteve um resultado ligeiramente acima da média regional. Pelo contrário, ficou entre os 8 e os 9% nas de Huelva e Jaén, mais rurais. A que se deveu esta fortíssima “onda” da extrema-direita, que “varreu” a Andaluzia e, por tabela, todo o país vizinho?

É o desenrolar do processo independentista catalão que fará crescer o VOX, face ao descontentamento de muitos militantes do PP com a abordagem de Rajoy, que consideraram demasiado “macia”, mesmo quando este aplicou o artº 155 da Constituição espanhola, suspendendo a autonomia da Catalunha, e apoiou a prisão e a perseguição dos principais líderes independentistas.

Em primeiro lugar, o VOX nasceu em finais de 2013, a partir de uma dissidência à direita do PP, protagonizada por um grupo de militantes que apoiara Aznar, mas se mostrava descontente com Rajoy. Nasceu como uma formação nacional-conservadora e social-conservadora, nacionalista e espanholista, defensora dos valores tradicionais do catolicismo conservador, a exemplo do PiS polaco. Após o fracasso nas eleições europeias de 2014, Santiago Abascal, um ex-militante do PP basco, foi eleito líder do partido. Contudo, e como referimos acima, os resultados eleitorais foram ainda mais dececionantes e a formação parecia condenada à obscuridade. Após o atentado terrorista ocorrido em 2017, em Barcelona, e aproveitando o crescimento da extrema-direita na Europa e no mundo, em especial após a eleição de Trump, adota uma retórica anti-imigração e islamofóbica. Mas é o desenrolar do processo independentista catalão que o fará crescer, face ao descontentamento de muitos militantes do PP com a abordagem de Rajoy, que consideraram demasiado “macia”, mesmo quando este aplicou o artº 155 da Constituição espanhola, suspendendo a autonomia da Catalunha, e apoiou a prisão e a perseguição dos principais líderes independentistas. Para eles, o governo deveria ter impedido a realização do referendo, com recurso a uma intervenção militar musculada no território catalão. Após a declaração unilateral da independência, em 27 de outubro de 2017, intentou, na justiça, uma ação popular contra os dirigentes catalães, o que lhe valeu um aumento da popularidade noutras regiões do Estado espanhol. Vejamos, então, as principais ideias defendidas pelo VOX:

1. Nacionalismo espanholista. O partido entende que existe uma nação espanhola una e indivisível e advoga, por isso, um Estado unitário centralizado, acabando, assim, com as autonomias regionais. Ao mesmo tempo, defende a ilegalização de todos os partidos independentistas e regionalistas e penas pesadas para todos os que coloquem em causa a unidade de Espanha. Embora não defenda a saída da UE, é favorável à recuperação da soberania nacional por parte dos estados membros. Defende, ainda, um maior protagonismo de Espanha na arena internacional. É adepto de uma abordagem mais “musculada” da questão de Gibraltar, tendo dois dos seus dirigentes entrado no rochedo para lá hastearem a bandeira espanhola.

2. Conservadorismo nos costumes, com traços vincados de sexismo e homofobia, e tradicionalismo. O VOX considera-se defensor dos valores católicos tradicionais do país. Assim, defende a ilegalização do aborto e a abolição do casamento LGBT, preconizando a sua substituição por uniões civis. Mas vai mais além que outras formações similares europeias, advogando a abolição da lei contra a violência doméstica e o assédio sexual, considerando-as discriminatórias para os homens. Manifesta-se contra o que considera ser a “ideologia de género” e afirma-se defensor intransigente da “família tradicional”, ao mesmo tempo que defende a obrigatoriedade do ensino religioso católico nas escolas. Declara-se, ainda, apoiante do que considera serem os valores tradicionais espanhóis, como a caça e a tauromaquia, pretendendo acabar com as todas as restrições de que têm sido alvo, por parte do que apelida de lóbi animalista.

3. Anti-imigração e islamofobia. O partido critica a alegada imigração descontrolada e associa, frequentemente, o maior número de imigrantes residentes no país ao aumento da criminalidade. É favorável ao erguer de muros altos em Ceuta e Melilla para impedir os imigrantes africanos de entrar em território espanhol e preconiza a deportação de todos os imigrantes ilegais e dos que cometerem crimes. Considera que o multiculturalismo falhou e que os que chegam a Espanha têm de integrar-se na sociedade espanhola. Vê o Islão como ameaça civilizacional e é contrário à construção de mesquitas no país.

4. Desculpabilização do franquismo. O VOX advoga a abolição da lei da memória histórica, que procura dar a conhecer os crimes do franquismo e obriga à retirada dos símbolos franquistas da estatuária e da toponímia. Para o seu líder na Andaluzia, Francisco Serrano, o regime de Franco não foi uma ditadura, mas “apenas” um regime autoritário. Não surpreende que se oponha, fortemente, à transladação do ditador do Vale dos Caídos para a sua terra natal.

5. Ultraliberalismo económico. Ao contrário de alguns dos seus congéneres europeus, o partido é defensor de uma maior liberalização económica, com a diminuição dos impostos para os mais ricos e para as empresas e a abolição do imposto sucessório.

Como se pode verificar, apesar de não se reclamar da herança do franquismo, toda a ideologia do VOX assenta, em grande parte, nos valores defendidos pela ditadura.

O que explica o êxito do VOX na Andaluzia?

Voltando, agora, à Andaluzia, pareceria, à partida, que, sendo uma Comunidade Autónoma onde a esquerda sempre estivera em maioria, não constituiria terreno fértil para as ideias do VOX. Puro engano! Na verdade, e para além das circunstâncias já referidas ao longo deste artigo, houve três fatores de índole regional que explicam o êxito do partido em terras andaluzas:

1. O processo de independência da Catalunha. Se há região espanhola onde os catalães gozam, em geral, de pouca simpatia é a Andaluzia. Tal filia-se no facto de um grande número de andaluzes, para fugir à pobreza nos campos, terem sido obrigados a migrar para a Catalunha, onde passaram a constituir o grosso do proletariado industrial da região. Como está bom de ver, a maioria não terá sido bem tratada pela burguesia catalã, o que gerou um crescente mal-estar entre os dois povos. Não por acaso, é entre os residentes de origem andaluza que é maior a oposição à independência da Catalunha. Por outro lado, a reivindicação da direita nacionalista catalã, de que todos os impostos aí cobrados fiquem retidos na Catalunha, em lugar de serem entregues ao Estado central, gera forte oposição na Andaluzia e noutras regiões mais pobres, que, sendo grandes beneficiárias das transferências daquele, ficariam fortemente penalizadas. Por isso, o feroz encarniçamento do VOX contra o independentismo catalão é “música para os ouvidos” de muitos andaluzes.

2. O aumento da imigração. Apesar de não ser a região espanhola com maior percentagem de imigrantes entre os seus residentes, é a maior porta de entrada da imigração magrebina e subsaariana. Esse papel aumentou nos últimos tempos, após o governo italiano, sob a batuta do seu ministro do Interior, o líder da extrema-direita, Matteo Salvini, ter decidido fechar os portos de Itália a imigrantes e refugiados. O executivo espanhol aceitou receber alguns deles e a Espanha começa a ver aumentar a chegada de um maior número de pessoas de origem africana, na sua maioria muçulmanas, em grande parte através do litoral andaluz. O VOX aproveitou essa circunstância para explorar os medos das pessoas. Não por acaso, o partido obteve os seus melhores resultados nos municípios situados na costa mediterrânica, onde o número de imigrantes é mais significativo. Em El Ejido, cidade da província de Almeria onde existe uma forte percentagem de população de origem marroquina, a formação da extrema-direita foi a mais votada, obtendo mais de 30% dos votos. Ironicamente, os imigrantes são fundamentais para a economia da região, onde muitos trabalham na agricultura e no turismo, compensando a falta de mão de obra local.

3. O tradicionalismo. Apesar de a estrutura social ter levado a maioria dos andaluzes a votar à esquerda, a verdade é que, do ponto de vista cultural, há uma parte da sociedade andaluza que é bastante tradicionalista, conservadora, machista e homofóbica. A defesa da caça e das touradas, bem como a recusa do feminismo e da aceitação das pessoas LGBT, são características deste setor, em especial dos seus elementos masculinos, receosos do crescente poder das mulheres. Daí que o discurso machista do VOX tenha tido forte adesão entre muitos homens, que constituíram quase 70% do eleitorado do partido neste ato eleitoral.

Tudo isto nos mostra que, tal como noutras latitudes, o avanço da extrema-direita assenta, essencialmente, no voto do medo. Neste caso, medo da fragmentação do Estado e da perda dos apoios necessários ao desenvolvimento da região; medo da imigração, do diferente, que gera medo da perda do emprego, do aumento do crime e da perda de referências culturais; medo do crescente poder feminino e da visibilidade das minorias sexuais, que põe em causa o tradicional poder patriarcal e o mito do “macho ibérico”.

Que hipóteses para a formação do novo governo autonómico?

Resta-nos abordar a questão da formação do próximo executivo da Comunidade Autónoma. Os resultados eleitorais, para além de impossibilitarem uma maioria parlamentar da esquerda, que apenas conseguiu 50 dos 109 lugares do Parlamento regional, também não permitem a renovação da coligação entre o PSOE-A e os C’s, já que estes contam, em conjunto, com 54 deputados, menos um do que o necessário para a maioria absoluta.

Embora o PP e os C´s não tenham a perspetiva e a retórica xenófoba e islamofóbica do VOX, durante a campanha eleitoral advogaram uma política mais dura nesse campo. Resta saber se aquele se contentará com menos que uma viragem de 180º nas políticas migratórias.

Em contrapartida, é possível uma maioria direitista, composta por PP, C’s e VOX, que poderá contar com o apoio de 59 parlamentares. Durante a campanha eleitoral, e após serem conhecidos os resultados, nenhum deles colocou de parte essa possibilidade.  Assim, o PP admitiu integrar um governo tripartido, enquanto os C’s, em resposta ao apelo das forças de esquerda, para erguer um “cordão sanitário” em torno da extrema-direita, declararam que não excluiriam conversar com qualquer formação política. Por seu turno, o VOX, que afirmou não estar interessado em lugares no executivo, mas na aplicação das suas ideias, manifestou a sua disponibilidade para fazer parte de uma maioria alternativa ao PSOE-A.  Para a formação dessa eventual maioria de direita, haveria que ver quais as convergências e divergências entre os três partidos. No que se refere à questão nacional, os três coincidem na visão espanholista e centralista, com a consequente hostilidade face aos nacionalismos periféricos. Contudo, a ideia do VOX, de renacionalizar as políticas de educação e saúde, retirando-as da competência do governo autonómico, não é partilhada pelos seus parceiros do centro-direita. Quanto à imigração, não parece que seja obstáculo a um entendimento. Embora o PP e os C´s não tenham a perspetiva e a retórica xenófoba e islamofóbica do VOX, durante a campanha eleitoral advogaram uma política mais dura nesse campo. Resta saber se aquele se contentará com menos que uma viragem de 180º nas políticas migratórias. Também do ponto de vista económico não parece haver grandes divergências, embora os C’s tenham uma perspetiva um pouco menos liberal que os seus parceiros. Onde as coisas se complicam é nas questões dos valores e da visão da História: enquanto o VOX e o PP são defensores dos valores católicos tradicionais, os C’s possuem uma abordagem mais liberal nas questões de costumes e são adeptos do Estado laico. Além disso, são, igualmente, favoráveis à lei da memória histórica e defendem a trasladação de Franco do Vale dos Caídos. É certo que “cidadãos” e “populares” têm conseguido cooperar a nível nacional, apesar dessas divergências ideológicas, mas a intransigência da extrema-direita nesses temas pode impedir um acordo.

Caso a direita não chegue a acordo para uma solução tripartida de governo, o PSOE-A volta ao jogo. Susana Díaz, alegando que o seu partido foi o mais votado, ainda não renunciou à presidência da Junta e mostrou-se disponível para voltar a governar com os C’s, com a abstenção do PP ou da AA. Tal não parece, porém, possível. Desde logo, a reivindicação da ainda presidente da Comunidade Autónoma carece de legitimidade política, já que, em 2012, os socialistas mantiveram a chefia do executivo, com o acordo da IULV-CA, apesar de o PP ter sido a primeira força política. Por outro lado, tanto “populares” como “cidadãos” já afirmaram que não pretendem que os socialistas continuem à frente da região, embora se admita que, em último caso, os C’s pudessem aceitar uma coligação ou um acordo parlamentar com aqueles, desde que assegurassem a liderança do executivo. O problema é que a líder da AA, Teresa Rodriguez, já pôs de parte qualquer acordo com os C’s ou qualquer força de direita, apesar da abertura manifestada pelo líder nacional do Podemos, Pablo Iglesias, e que o PP também não se mostra disposto a viabilizar qualquer solução que mantenha o PSOE-A na área do poder.

Restaria, então, outra possibilidade: um governo de coligação entre o PP e os C’s, viabilizado através da abstenção dos socialistas. Curiosamente, foi esta a atitude tomada pelo PSOE nacional, com o apoio de Susana Díaz e contra a opinião de Pedro Sánchez, relativamente à investidura de Rajoy como presidente do governo espanhol, após as eleições de 2016. A única diferença é que, aí, os “cidadãos” davam apoio parlamentar, mas não integravam o executivo. No caso andaluz, a posição dos socialistas poderia ser justificada como forma de evitar que o VOX integrasse o governo ou a maioria parlamentar regional. Há, porém, uma questão que pode dificultar esta solução: a chefia do executivo regional. Alegando que teve mais votos que os C’s, o PP andaluz exige que o seu líder, Juan Manuel Moreno, seja investido como presidente da Junta da Andaluzia; por seu lado, aqueles alegam que, por terem registado uma forte subida nas urnas, ao contrário dos “populares”, que experimentaram um forte recuo, a chefia do executivo devia caber a Juan Marín, líder dos “cidadãos” na região.

Para já, aguardam-se as “cenas dos próximos capítulos”. Até porque os meios políticos andaluzes (e espanhóis) estão ainda a recuperar do choque que representou o “tsunami político” que “varreu” a Andaluzia e se arrisca a “inundar” o resto de Espanha.                        

 

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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