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9 conclusões da auditoria à dívida grega

O relatório preliminar da Comissão de Auditoria e Verdade sobre a Dívida Grega será publicado esta quinta-feira. Mas as suas conclusões já foram divulgadas neste resumo publicado pela Comissão.
Foto Paulete Matos.

Capítulo 1 – A dívida antes da troika

Este capítulo analisa o crescimento da dívida pública grega desde os anos 1980. Conclui que o aumento da dívida não se ficou a dever a despesa pública excessiva, que na verdade permaneceu mais baixa que a dos outros países da zona euro, mas ao pagamento de taxas de juro extremamente altas aos credores, gastos militares injustificados e excessivos, perda de receita fiscal devido à fuga de capitais, a recapitalização dos bancos privados e os desequilíbrios internacionais criados pelas falhas de conceção da própria União Económica e Monetária.

A entrada no euro levou a um aumento drástico da dívida privada na Grécia à qual ficaram expostos os maiores bancos privados europeus, bem como os bancos gregos. Uma crise bancária crescente contrinuiu para a crise da dívida soberana. O governo de George Papandreou ajudou a apresentar as características da crise bancária enquanto crise da dívida soberana em 2009, ao pôr a tónica e aumentar a dívida e o défice público.

Capítulo 2 – A evolução da dívida pública entre 2010 e 2015

Este capírulo conclui que o primeiro acordo de empréstimo em 2010 teve como principal objetivo salvar os nacos privados gregos e europeus e permitir a esses bancos reduzir a sua exposição às obrigações emitidas pelo governo grego.

Capítulo 3 – Dívida pública por credor em 2015

Este capítulo apresenta a natureza controversa da atual dívida grega, elencando as principais características dos empréstimos, que são analisados com maior detalhe no capítulo 8.

Capítulo 4 – Mecanismo do Sistema de Dívida na Grécia

Este capítulo revela os mecanismos  postos em prática pelos acordos implementados desde maio de 2010. Eles criaram uma quantia substancial de nova dívida aos credores bilaterais e o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), ao mesmo tempo que gerou custos abusivos que agravaram ainda mais a crise. Os mecanismos revelam como a maioria dos fundos emprestados foram diretamente transferidos para as instituições financeiras. Em vez de beneficiarem a Grécia, eles aceleraram o processo de privatizações, através do uso de instrumentos financeiros.

Capítulo 5 – Condicionalidades contra a sustentabilidade

Este capítulo apresenta a forma como os credores impuseram condições intrusivas nos acordos de empréstimo, que conduziram diretamente à inviabilidade económica e à insustentabilidade da dívida. Essas condicionalidades, nas quais os credores ainda insistem, não só contribuíram para uma baixa do PIB como para o aumento dos empréstimos ao setor público, logo, ao aumento do rácio dívida pública/PIB, tornando a dívida da Grécia mais insustentável, mas também criando mudanças dramátiicas na sociedade que causaram uma crise humanitária. A dívida pública grega pode ser considerada como totalmente insustentável no momento presente.

Capítulo 6 – Impacto dos “programas de resgate” nos direitos humanos

Este capítulo conclui que as medidas implementadas ao abrigo dos “programas de resgate” afetaram diretamente as condições de vida da população e violaram direitos humanos, que tanto a Grécia como os seus parceiros estão obrigados a respeitar, proteger e promover, de acordo com as leis nacionais, regionais e internacionais. Os ajustamentos dráticos impostos à economia grega e à sociedade no seu todo acarretaram uma rápida deterioração das condições de vida, e permanecem incompatíveis com a justiça social, coesão social, democracia e direitos humanos.

Capítulo 7 – Questões jurídicas acerca dos memorandos e acordos de empréstimo

Este capítulo defende que houve uma violação das obrigações de direitos humanos por parte da própria Grécia e dos seus credores, os Estados membros da zona euro, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, que impuseram estas medidas à Grécia. Todos estes intervenientes falharam na avaliação das violações dos direitos humanos como consequência das políticas que obrigaram a Grécia a implementar, e violaram diretamente a Constituição grega ao retirar ao país a maioria dos seus direitos de soberania. Os acordos contêm cláusulas abusivas, coagindo efetivamente a Grécia a entregar aspetos importantes da sua soberania. Isso está bem patente na escolha da lei inglesa para reger esses acordos, o que facilitou o contornar da Constituição grega e das obrigações internacionais de direitos humanos. Os conflitos com os direitos humanos e as habituais obrigações e os diversos indícios de má fé na ação das partes contratantes, juntamente com o seu caráter inconcebível, tornam estes acordos inválidos.

Capítulo 8 – Avaliação das dívidas no que respeita à sua ilegitimidade, odiosidade, ilegalidade e insustentabilidade

Este capítulo avalia a dívida pública grega a partir das definições adotadas pela Comissão no que respeita à dívida ilegítima, odiosa, ilegal e insustentável.
O caítulo 8 conclui que a dívida pública graga em junho de 2015 é insustentável, uma vez que atualmente a Grécia não é capaz de servir a sua dívida sem prejudicar seriamente a sua capacidade de cumprir obrigações básicas de direitos humanos. Para além disso, o relatório aponta provas por cada credor dos casos de dívidas ilegais, ilegítimas e odiosas.

A dívida ao FMI deve ser considerada ilegal, dado que viola os próprios estatutos do FMI, e que as suas condições violaram a Constituição grega, a lei internacional e os tratados de que a Grécia é signatária. Também é ilegítima, dado que as condições incluíram receitas políticas que infringiram as obrigações de direitos humanos. Por último, é odiosa porque o FMI sabia que as medidas impostas eram antidemocráticas, ineficazes e levariam a violações sérias dos direitos socio-económicos.

As dívidas ao BCE devem ser consideradas ilegais, uma vez que o BCE excedeu o seu mandato ao impor a aplicação de programas de ajustamento macroeconómico (por exemplo, a desregulação do mercado de trabalho) através da sua participação na troika. As dívidas ao BCE são também ilegítimas e odiosas, já que a principal razão de existência do Programa de Mercado dos Títulos de Dívida foi o de servir os interesses das instituições financeiras, permitindo aos maiores bancos privados gregos e europeus livrarem-se dos seus títulos de dívida grega.

O FEEF promoveu empréstimos escriturais que devem ser considerados ilegais, porque o Artigo 122(2) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia foi violado, e para além disso violaram vários direitos socio-económicos e liberdades civis. Ainda por cima, o Acordo de 2010 do FEEF e o Acordo de Assistência Financeira de 2012 contêm várias cláusulas abusivas, revelando claras práticas irregulares por parte do credor. O FEEF também age contra os princípios democráticos, tornando estas dívidas ilegítimas e odiosas.

Os empréstimos bilaterais devem ser considerados ilegais porque violam os procedimentos inscritos na Constituição grega. Os empréstimos contêm práticas irregulares por parte dos credores e condições que vão contra a lei e as políticas públicas. Tanto a lei da UE como a lei internacional foram violadas de forma a afastar os direitos humanos da conceção dos programas macroeconómicos. Os empréstimos bilaterais são também ilegítimos por não terem sido usados para o benefício da população, mas para permitir aos credores privados da Grécia o seu resgate. Finalmente, os empréstimos bilaterais são odiosos porque os Estados credores e a Comissão Europeia conheciam as potenciais violações, mas em 2010 e 2012 recusaram-se a avaliar o impacto nos direitos humanos do ajustamento macroeconómico e a consolidação orçamental que eram as condições para os empréstimos.

A dívida aos credores privados deve ser considerada ilegal porque os bancos privados atuaram de forma irresponsável antes da criação da troika, falhando o respeito pela devida diligência (due dilligence), enquanto alguns credores privados como os hedge funds atuaram também de má fé. Pares das dívidas aos bancos privados e hedge funds são ilegítimas pelas mesmas razões pelas quais são ilegais; por outro lado, os bancos gregos foram recapitalizados pelos contribuintes de forma ilegítima. As dívidas aos bancos privados e aos hedge funds são odiosas, já que os maiores credores privados tinham consciência de que estas dívidas não foram contraídas em nome do interesse da população, mas para seu benefício próprio.

Capítulo 9 – Fundamentos legais para o repúdio e suspensão da dívida soberana grega

Este capítulo apresenta as opções no que respeita ao cancelamento da dívida, e em particular as condições em que um Estado soberano pode exercer o direito de repúdio unilateral ou suspensão do pagamento da dívida de acordo com a lei internacional.

Há muitas razões jurídicas que permitem a um Estado repudiar unilateralmente a sua dívida ilegal, odiosa e ilegítima. No caso grego, tal ação unilateral pode basear-se nos seguintes argumentos: a má fé dos credores que empurraram a Grécia para a violação da lei nacional e das obrigações internacionais relativas aos direitos humanos; a preeminência dos direitos humanos face a acordos como os que os anteriores governos gregos assinaram com a troika; coerção; tratamento injusto que viola flagrantemente a soberania grega e a sua Constituição; e, por último, o direito reconhecido pela lei internacional a um Estado para tomar medidas de resposta contra ações ilegais por parte dos seus credores, que prejudicam deliberadamente a soberania orçamental e o obrigam a assumir dívida odiosa, ilegal e ilegítima, a violar a autodeterminação económica e os direitos humanos fundamentais. No que toca à dívida insustentável, todos os Estados têm direito a invocar o estado de necessidade em situações excecionais de modo a salvaguardar os interesses fundamentais afetados por um perigo grave e iminente. Numa situação destas, o Estado pode ser dispensado do cumprimento dessas obrigações internacionais que aumentem o perigo, como é o caso dos contratos de empréstimo pendentes. Por fim, os Estados têm o direito de se declararem unilateralmente insolventes quando o serviço da sua dívida é insustentável, sem cometerem qualquer ato ilícito nem podendo assumir qualquer responsabilidade por isso.

A dignidade do povo vale mais do que a dívida ilegal, ilegítima, odiosa e insustentável

Tendo concluído a investigação preliminar, a Comissão considera que a Grécia tem sido e ainda é vítima de um ataque premeditado e organizado pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia. Esta missão violenta, ilegal e imoral destina-se exclusivamente a transferir a dívida privada para o setor público.

Ao disponibilizar este relatório preliminar às autoridades gregas e ao povo grego, a Comissão considera ter cumprido a primeira parte da sua missão, definida pela decisão da Presidente do Parlamento a 4 de abril de 2015. A Comissão espera que o relatório seja uma ferramenta útil para os que querem sair da lógica destrutiva da austeridade e erguer-se em nome do que hoje está sob ameaça: direitos humanos, democracia, dignidade do povo e o futuro das próximas gerações.

Em resposta aos que impõem medidas injustas, o povo grego pode invocar o que disse Tucídides sobre a Constituição do povo de Atenas: “Quanto ao nome, chama-se democracia, porque a administração serve os interesses da maioria e não de uma minoria” (Oração fúnebre aos mortos do primeiro ano da Guerra, de Péricles).


As conclusões do relatório foram publicadas no portal do CADTM (ver texto completo em inglês). Traduzido para português e publicado pelo infoGrécia.

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