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7 perguntas e respostas sobre o golpe de estado na Ucrânia

Desde sábado a polícia e o governo de Yanukovich desapareceram de Kiev e a cidade ficou controlada pelos chamados "Comités Populares de Autodefesa". O blogger do publico.es Alberto Sicilia continua a relatar o que vê na capital ucraniana.
Com o desaparecimento da polícia, tanto o Parlamento como outros edifícios oficiais são guardados pelos "Comités Populares de Autodefesa", as milícias onde a extrema-direita assume um papel importante. Foto Alberto Sicilia

Espera lá, podes lembrar-me qual era a situação em Kiev antes da fuga de Yanukovich?

Resumindo bastante, foi isto que se passou em Kiev: 

1) Em novembro, dezenas de milhares de manifestantes tomam o centro de Kiev e instalam um acampamento rodeado com uma fortificação de barricadas.

2) Entre 18 e 20 de fevereiro ocorrem enfrentamentos duríssimos entre polícia e manifestantes. Pelo menos 86 pessoas morrem na praça da Independência e nas ruas adjacentes.

3) A 21 de fevereiro é anunciado um acordo entre o governo e a oposição para acabar com o protesto.

Se quiserem compreender este processo mais em pormenor, podem ler o post “¿Qué pasa en Ucrania?” e as "6 notas para compreender o que acontece na Ucrânia" (que escrevi após os confrontos de 20 de fevereiro).

 

Se havia um acordo entre governo e oposição, porque desapareceu Yanukovich?

Porque os manifestantes da praça não aceitaram o acordo.

Deixem-me contar-vos uma cena que testemunhámos. Na noite de 21 de fevereiro, os representantes da oposição vieram à praça explicar aos manifestantes o acordo a que tinham chegado com Yanukovich. Quando subiram ao palco e tomaram o microfone, as dezenas de milhares de pessoas que abarrotavam a praça explodiram num grito: "traidores, traidores, traidores". 

Todos os manifestantes com que falámos naquele dia diziam o mesmo: "Yanukovich tem as mãos manchadas com o sangue dos nossos irmãos. Já é demasiado tarde para negociar. Tem de ir embora".

No dia seguinte a polícia tinha desaparecido de Kiev e Yanukovich estava com paradeiro desconhecido.

 

E como pode o Parlamento continuar a funcionar? 

O perímetro exterior do Parlamento está controlado pelos Comités Populares de Autodefesa (tal como o Palácio Presidencial, o Banco Central e todos os ministérios e edifícios oficiais), mas continua em funcionamento.

O Parlamento aprovou no sábado - por 328 votos contra zero - a destituição de Yanukovich, que já não estava em Kiev. (Nota: o parlamento tem 450 deputados).

Mas a legitimidade dessa votação parece bastante duvidosa. Muitos parlamentares do partido de Yanukovich fugiram de Kiev e não estavam presentes. Os que ficaram votaram contra o presidente, mas mudaram as suas convicções tão de repente? Mais parece que toda a gente queria salvar o seu rabo.

 

Yanukovich era um presidente eleito democraticamente?

Sim, Yanukovich foi eleito democraticamente.

A Ucrânia tem um regime presidencialista: há eleições para eleger o presidente do governo e outras para eleger o parlamento.

Yanukovich ganhou as últimas eleições presidenciais em 2010. Obteve um milhão de votos a mais que Iulia Timochenko.

E nas últimas eleições para o parlamento em 2012, o partido de Yanukovich obteve 210 deputados. Junto com os 32 deputados do Partido Comunista e 10 independentes tinha a maioria absoluta.

 

Yanukovich era um presidente legítimo?

Os manifestantes não discutem que Yanukovich foi eleito democraticamente. O que discutem é a sua legitimidade.

Alguns exemplos que argumentam: Yanukovich assinou leis contra as manifestações e concentrações de rua, os casos de corrupção no seu governo eram numerosos e o poder judicial estava sob o seu controlo.

 

Olha lá, e é mesmo verdade que os manifestantes são todos nazis?

Há muitos grupos de ultradireita radical entre os manifestantes. (Podem ver aqui as fotos que lhes tirei). São eles que tratam da organização da "segurança" do acampamento e dos edifícios ocupados.

O seu ideário político contém unicamente dois conceitos: Deus e Pátria.

Estes grupos são também os que recebem maior atenção mediática. A razão é simples: nos confrontos com a polícia são eles que estão na primeira linha. Na maior parte das fotografias que terão visto sobre a batalha na praça, eles são a parte visível dos manifestantes.

Mas, depois de aqui passar uma semana, posso confirmar que estes neonazis não constituem a maioria dos manifestantes.

Aqui há muita gente cansada da corrupção, da falta de oportunidades profissionais, etc. e que não confiam em nenhum político, nem nos da oposição.

Interessa-lhes bastante pouco que lhes falem de geopolítica, a União Europeia, EUA ou Rússia. O que querem é um país onde possam ter um trabalho e um salário digno.

 

E agora o que vai acontecer?

Como vos contava neste post, a Ucrânia é um país profundamente dividido entre o oeste (mais nacionalista) e o leste e a Crimeia (onde grande parte da população fala russo).

Neste mapa estão os resultados das últimas eleições para o parlamento em 2012. As regiões onde ganhou Yanukovich estão a azul e a rosa as que ganhou Timochenko. A divisão é incrivelmente nítida.

Ontem o Parlamento Regional da Crimeia aprovou uma lei para deixar de pagar impostos a Kiev. 

Conseguirá alguém manter o país unido? Caminha a Ucrânia para a secessão? As próximas horas serão decisivas.

Nota: continuo por Kiev e durante todo o dia vou pondo no Twitter as situações que vou encontrando. 


Artigo publicado no blogue Principia Marsupia. Tradução de Luís Branco. 

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