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Petróleo no Parlamento

A dimensão da contestação da exploração de gás e petróleo em Portugal continua a aumentar e assim começam a surgir propostas de lei para alterar a realidade de 17 concessões entregues em terra e no mar, por todo o país.

O recém-entrado no parlamento Pessoas Animais Natureza (PAN) recomendou, a 29 de janeiro, a “revogação imediata de todos os contratos para a concessão de direitos de prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo”. A 2 de fevereiro, o Bloco de Esquerda (BE) propôs a “suspensão imediata dos processos de concessão, exploração e extração de petróleo e gás no Algarve”. A 6 de maio, o Partido Comunista Português (PCP) recomendou a “avaliação dos riscos ambientais e do impacto noutras atividades económicas resultantes da prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo e/ou gás natural no Algarve e na Costa Alentejana”. A 18 de junho o Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) propôs a “suspensão dos contratos para prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo e gás no Algarve e na Costa Alentejana”. A 23 de junho, o Partido Socialista (PS) recomendou ao governo que fizesse uma “avaliação dos atuais contratos de prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo existentes no Algarve e na Costa Alentejana e adote medidas de acompanhamento”. Não estão registadas quaisquer iniciativas por parte do Partido Social-Democrata ou do CDS-PP sobre este tema.

Tão importante quanto o resultado das votações (e sabendo-se à cabeça que o acordo parlamentar que sustenta o governo no Parlamento teria uma maioria ampla para tomar a decisão política de enterrar este assunto), é informativo observar os termos exactos das propostas de lei:

  • O PAN propõe revogar todos os contratos
  • O Bloco de Esquerda propõe suspender os contratos no Algarve
  • O PEV propõe suspender os contratos no Algarve e Costa Alentejana
  • O PS propõe avaliar os contratos no Algarve e Costa Alentejana e criar medidas de acompanhamento
  • O PCP propõe avaliar os contratos no Algarve e Costa Alentejana
  • PSD e CDS, por omissão, devem concordar com a prossecução dos contratos como existem.

Existem posições variadas que revelam diferentes atitudes em relação à exploração de petróleo: PAN, Bloco e PEV expressaram-se contra, PS e PCP defendem o “conhecimento dos recursos geológicos” - embora os contratos assinados sejam para exploração - , PSD e CDS deverão apoiar a exploração de gás e petróleo em Portugal. As posições também são neste momento um espelho da luta social: apenas o PAN se opôs numa fase precoce a todos os contratos de concessão, enquanto Bloco de Esquerda se opôs, em fevereiro, à exploração no Algarve e PEV, PS e PCP responderam numa fase mais avançada dos protestos no Algarve e à contestação ao furo em Aljezur, expandindo o âmbito das suas propostas para a Costa Alentejana.

Os movimentos sociais, as autarquias e as empresas, em particular na região do Algarve, têm tido um papel essencial para que este tema se torne central. No entanto, ele não é um tema regional: há concessões marítimas em todo o litoral português, até à Figueira da Foz, há concessões em terra na Batalha e em Pombal, com a possibilidade de fracking, o que faz com que, para que seja possível influenciar decisivamente o desfecho da exploração de petróleo e gás em Portugal, o tema tenha de se expandir.

Na exposição de motivos os partidos aclararam ainda mais as suas posições: o Bloco de Esquerda diz que “Portugal não se pode comprometer com políticas para combater as alterações climáticas quando na prática faz exatamente o oposto. É hoje claro que várias reservas de combustíveis fósseis terão que ficar no subsolo.”. O PAN afirma que “é tempo de abandonar a dependência petrolífera e investir em energias alternativas, limpas e renováveis com menores impactos ambientais, que não agravem as alterações climáticas e que assegurem a sustentabilidade da existência humana no Planeta.”. O PEV reforça: “num país que procura descarbonizar-se, que procura apostar nas formas renováveis e limpas de produção de energia, não faz qualquer sentido caminhar em contraciclo e procurar descobrir e ativar a produção de combustíveis poluentes e altamente lesivos. O combate ao fenómeno das alterações climáticas, responsabiliza-nos por gerar medidas que respondam pela minimização e pela inversão da intensificação do aquecimento global”.

PS e PCP concordam com os anteriores partidos na matéria relevante de não ter havido avaliação ambiental, económico ou de não ter havido qualquer consulta popular. No entanto, aparentemente as alterações climáticas são a questão diferenciadora sobre a posição frente aos combustíveis fósseis: tanto PCP como PS são omissos nas suas propostas em relação a este tema e abordam a exploração de combustíveis fósseis como se não existisse aquecimento global. Talvez por isso as suas propostas não impliquem travar ou sequer suspender o processo que levará à exploração de combustíveis fósseis em Portugal. Acresce ainda uma importante clivagem entre os dois: o PCP pretende que a “exploração desses recursos [seja] colocado ao serviço do desenvolvimento económico e do progresso social”, isto é, que sejam públicos, enquanto o PS pretende garantir o “regular cumprimento dos contratos relacionados com os hidrocarbonetos”, isto é, a entrega dos recursos de hidrocarbonetos aos privados que ficaram com as concessões por tuta e meia.

Os movimentos sociais, as autarquias e as empresas, em particular na região do Algarve, têm tido um papel essencial para que este tema se torne central. No entanto, ele não é um tema regional: há concessões marítimas em todo o litoral português, até à Figueira da Foz, há concessões em terra na Batalha e em Pombal, com a possibilidade de fracking, o que faz com que, para que seja possível influenciar decisivamente o desfecho da exploração de petróleo e gás em Portugal, o tema tenha de se expandir. E tem como: o impacto será sentido em todo o país: além das alterações climáticas, todo o sector da pesca e do turismo litoral (a maior parte do turismo) estarão seguramente em perigo, assim como o surf e outras actividades marítimas. No interior, a agricultura, o turismo de conservação, as áreas protegidas, estão também ameaçadas.

A posição das forças políticas pode ser diretamente influenciada pela contestação social. A contestação social é, aliás, a única força que pode tirar a força do petróleo do Parlamento e travar a exploração de combustíveis fósseis em Portugal.


Artigo publicado no portal da revista Sábado.

Adenda:

Foram ainda apresentadas mais duas propostas, uma do Bloco de Esquerda de 3 de Fevereiro e uma do PSD, de 14 de Junho. O Bloco de Esquerda propõe a proibição da exploração e extracção de gases óleos de xisto em todo o país, banindo o fracking. O Bloco de Esquerda recorda países como a França que, conhecendo reservas de gás e petróleo só utilizáveis através desta técnica, proibiu a sua exploração. O PSD apresenta uma proposta para acompanhar e monitorizar os contratos de hidrocarbonetos no Algarve e na Costa Alentejana, isto é, apresenta uma proposta com ainda menos consequências do que as do PS e do PCP, não incluindo sequer a necessidade de avaliação ambiental e de consulta pública. Curiosamente, o PSD apresenta a lista de todas as concessões do país, mas propõe agir apenas sobre aquelas no Algarve e na Costa Vicentina, isto é, onde a mobilização popular mais se tem feito sentir.

Artigo atualizado, com o acrescento da adenda (dia 1 de julho às 14.04 h)

Sobre o/a autor(a)

Investigador em Alterações Climáticas. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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