Descer a TSU, o dogma dos países desenvolvidos?

porFrancisco Louçã

06 de maio 2015 - 10:49
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Afirma Mário Centeno: “todos os países desenvolvidos utilizam a TSU como instrumento de política”. É o argumento mais forte de que alguém se pode lembrar.

Afirma Mário Centeno no Expresso da Meia Noite (SicN, 24 de abril): “todos os países desenvolvidos utilizam a TSU como instrumento de política”. Justifica assim a proposta de redução em 8 pontos percentuais dos descontos para a segurança social. É o argumento mais forte de que alguém se pode lembrar: “todos os países desenvolvidos” terão reduzido os pagamentos à segurança social, como o o PS agora propõe, de lá de fora vem sempre uma luz.

Vítor Junqueira, especialista em segurança social, fez as contas e verificou quantos dos “países desenvolvidos” utilizaram na Europa a TSU como instrumento de política, nos últimos cinco anos. Aqui está então o que fizeram os “países desenvolvidos” ao longo desta crise. O gráfico mostra esta realidade: só dois países desceram as contribuições para a segurança social, a Alemanha em insignificantes 0,1 e a Suécia em 2 pontos percentuais. Todos os outros ou subiram a contribuição (11 países, entre os quais Luxemburgo, Polónia, Finlândia, França, Grã-Bretanha) ou a mantiveram (11 outros países). Os “países desenvolvidos” ainda não se deram conta da proposta do PS.

Acrescenta Mário Centeno, no Expresso deste fim de semana: “Não há praticamente um cêntimo retirado ao financiamento da segurança social. A redução da taxa contributiva dos trabalhadores é autofinanciada. É até mais do que autofinanciada, porque esperamos um impacto positivo na economia”. No final do “exercício”, o PS retira 4% de contribuições para a segurança social mas “não há um cêntimo retirado ao financiamento”.

Marco António Costa, esse mesmo, concretizava este autofinanciamento: ia ser criado tanto emprego que os descontos destes trabalhadores pagariam o buraco. As contas foram feitas para tal autofinanciamento e seria preciso ser criado cerca de um milhão de empregos para obter esse efeito directo. Mas, pelo menos, Marco António Costa indicava uma ideia sobre como resolver o problema. Era fantasiosa (onde andarão os técnicos do PS que então o criticaram?), mas ao menos era uma ideia, não era um dogma de fé. Só que não é realizável. A magia não substitui uma política responsável.

A afirmação de Mário Centeno é simplesmente falsa

Talvez assim se possa perceber porque é que os “países desenvolvidos” não fizeram o que o grupo de economistas do PS, levianamente, lhes atribui.

A afirmação de Mário Centeno é simplesmente falsa.

O único precedente de que me posso lembrar num “país desenvolvido” é o de Frank Underwood em House of Cards, que propôs usar o dinheiro da segurança social para financiar políticas de curto prazo. Teremos que esperar pela quarta série para saber se Underwood vai conseguir fazer aprovar a sua medida e isso só será em 2016, se a Netflix cumprir. Mas não devia ser a esta novela que se referia Centeno.

Artigo publicado em blogues.publico.pt a 4 de maio de 2015

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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