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Congresso do MPLA? Não, obrigada

Seja, nuns casos, por velhas afinidades ideológicas ou, na maioria, por mero interesse económico-financeiro, é incompreensível e lamentável a viagem a Angola para saudar e legitimar tudo aquilo em que se tornou o MPLA.

Depois do XVII Congresso, José Eduardo dos Santos mantém-se à frente do MPLA e, por consequência, de Angola. Nada de novo, é assim desde 1979, quando o poder lhe caiu no colo, em parte por se ter pensado que seria o mais fraco dos potenciais sucessores de Agostinho Neto. Como se enganaram. Sem nunca ter ido nominalmente a votos, o presidente acumulou, distribuiu riqueza pelos seus e criou um regime oligárquico que prospera enquanto o país empobrece.

A fortuna da família Dos Santos é incontável, a começar por Isabel dos Santos, dona de várias empresas portuguesas, que enriqueceu sendo intermediária entre o Estado angolano e o capital estrangeiro que ali se queria localizar. O seu irmão José Filomeno dos Santos foi nomeado para presidir ao Fundo Soberano de Angola, que gere 5000 milhões de euros e é, em conjunto com Isabel, um forte candidato à sucessão na Presidência. Mais, na orla de José Eduardo há ainda os generais, entre eles Kopelipa, Dino Fragoso e Manuel Vicente, indiciado por corrupção ativa em Portugal.

Mas não é apenas a alteração do regime eleitoral e a acumulação de riqueza que marcam o caráter ditatorial do regime angolano. É também a asfixia democrática, a perseguição política, a prisão de jovens apenas pelo exercício da liberdade de expressão e pensamento, e o medo.

Neste contexto, e sendo tudo isto do conhecimento público, é difícil perceber a extensa e importante delegação política portuguesa no Congresso do MPLA. Altos dirigentes do PS, PSD, CDS e PCP estiveram presentes, para além, é claro, de Paulo Portas, convidado especial do partido. Não são cerimónias oficiais do país, não se trata de nenhum encontro institucional ou diplomático. Só pode ser lido então como um apoio ao regime de José Eduardo dos Santos. Seja, nuns casos, por velhas afinidades ideológicas ou, na maioria, por mero interesse económico-financeiro, é incompreensível e lamentável a viagem a Angola para saudar e legitimar tudo aquilo em que se tornou o MPLA. Mais lamentáveis ainda são as palavras de Hélder Amaral, do CDS, que entende que a proximidade ao MPLA é um sinal de adaptação e modernidade. Parece-me que modernidade seria privilegiar os direitos humanos e a democracia em relação aos interesses económicos, mas o mundo que eu e o deputado Hélder Amaral queremos construir é bem diferente.


Artigo publicado no Jornal de Notícias, 23/8/2016

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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