Está aqui

Alterações climáticas: Como fazer com que os grandes poluidores realmente paguem

Ao deixar cair a Shell, a Lego mostra novas formas de atingir os lucros astronómicos das indústrias de combustíveis fósseis

Quando recebi o telefonema informando que a Universidade de Glasgow votou a favor do desinvestimento do seu fundo de 128 milhões de libras (leia notícia no The Guardian) nas empresas de combustíveis fósseis, por acaso eu estava numa sala cheia de ativistas climáticos em Oxford. Puseram-se imediatamente a festejar. Houve muitos abraços e algumas lágrimas. Isto era importante: a primeira universidade na Europa a tomar uma decisão deste tipo.

No dia seguinte houve mais festejos nos círculos climáticos: a Lego anunciou que não renovaria uma relação com a Shell Oil, um acordo que vinha de há muito tempo atrás, que se via refletido em crianças que enchiam os seus veículos de plástico em gasolineiras da Shell. A Shell contamina a imaginação das nossas crianças, ouve-se num vídeo da Greenpeace que se tornou viral [ver abaixo] e atraiu mais de 6 milhões de visualizações. Entretanto, cresce a pressão sobre o Museu Tate para que rompa a sua longa relação com a BP.

Que se está a passar? As empresas de combustíveis fósseis - que durante muito tempo têm sido tóxicas para o nosso ambiente - estão a tornar-se tóxicas para o meio ambiente das relações públicas? Parece que sim. Galvanizado com a investigação da monitorização do carbono (“carbon tracker”) que mostra que estas empresas têm várias vezes mais carbono nas suas reservas do que a nossa atmosfera pode absorver de modo seguro, a câmara de Oxford votou a favor do desinvestimento (http://gofossilfree.org/uk/press-release/oxford-council-first-uk-authority-to-pass-divestment-motion/); tal como o fez a British Medical Association (Associação Médica Britânica) (http://www.climatenewsnetwork.net/2014/07/uk-doctors-vote-to-end-fossil-fuels-funding/).

À escala internacional há centenas de ativas campanhas pelo desinvestimento em combustíveis fósseis, em universidades e colégios, e também as que têm como alvo governos locais, fundações sem fins lucrativos e organizações religiosas. E as vitórias são cada vez maiores. Em maio, por exemplo, a Universidade de Stanford, na Califórnia anunciou que o seu fundo de 18,7 mil milhões de dólares desinvestiria no carvão. E, em setembro, um dia dantes da cimeira climática das Nações Unidas, em Nova York, uma parte da família Rockefeller - um nome equivalente a petróleo - anunciou que as holdings da fundação desinvestiriam em combustíveis fósseis e aumentariam os investimentos em energias renováveis.

Alguns são céticos. Dizem que nada disto vai prejudicar as empresas petrolíferas ou do carvão: outros investidores tomarão essas ações e a maioria de nós continuará a comprar os seus produtos. As nossas economias, depois de tudo, continuam viciadas nos combustíveis fósseis, e as opções renováveis e de baixo custo estão também muitas vezes fora do nosso alcance. De modo que, estas batalhas contra os patrocínios nos investimentos em combustíveis fósseis, são só uma farsa?, uma forma de limpar as nossas consciências mas não a atmosfera?

A crítica não tem em conta o profundo poder e o potencial destas campanhas. No fundo, todas atacam a legitimidade moral das empresas de combustíveis fósseis e os ganhos que delas fluem. Este movimento declara que não é ético estar associado a uma indústria cujo modelo de negócios está baseado, de forma consciente, na desestabilização dos sistemas de suporte vital do planeta.

Tomemos o caso dos Rockefeller. Quando Valerie Rockefeller Wayne explicou por que decidiu desinvestir, disse que a riqueza da sua família provem do petróleo e por isso têm uma maior responsabilidade moral de usar essa riqueza para travar as alterações climáticas.

Este, em poucas palavras, é o raciocínio que está subjacente ao que contamina, paga. Baseia-se em que quando a atividade comercial cria um forte prejuízo à saúde pública e ao meio ambiente, quem contamina deve suportar uma parte significativa dos custos para reparar os prejuízos. Mas não se pode ficar ao nível dos indivíduos e das fundações, e o princípio também não pode ser posto em prática de forma voluntária.

Como aponto no meu livro “Isto muda todo” ( http://thischangeseverything.org/), as empresas baseadas em combustíveis fósseis há mais de uma década que prometem usar os seus lucros para que façamos a transição e nos afastemos da energia suja. A BP mudou a sua imagem “Para além do petróleo” (Beyond petroleum), para depois afastar-se das renováveis e centrar-se em dobro nos combustíveis fósseis mais sujos. Richard Branson comprometeu-se a investir 3 mil milhões de dólares dos lucros da Virgin em encontrar um combustível verde milagroso e lutar contra o aquecimento global, para depois, de modo sistemático, baixar as expectativas e, ao mesmo tempo, aumentar drasticamente a sua frota de aviões. Fica claro que quem contamina não vai pagar esta transição a menos que seja obrigados a fazê-lo por lei.

Até princípios dos anos 80, esse ainda era um princípio pelo qual se guiava a criação de leis na América do Norte. E o princípio não desapareceu de todo, é a razão pela qual a Exxon e a BP se viram obrigadas a pagar boa parte das contas após os desastres de Valdez e Deepwater Horizon.

Mas desde que a era do fundamentalismo de mercado tomou as rédeas nos anos 90, as regulações diretas e as penalizações contra quem contamina têm sido substituídas pela criação de complexos mecanismos de mercado e iniciativas voluntárias desenhadas para minimizar o impacto da ação ambiental sobre as empresas. Quando se trata das alterações climáticas, o resultado das chamadas soluções ganha-ganha tem sido uma perda dupla: subiram as emissões de gases e o apoio a muitas formas de ação climática foi reduzido, em boa medida porque - com razão – as políticas são percebidas como passar os custos aos consumidores que já estão sobrecarregados, ao mesmo tempo liberta-se de responsabilidades os grandes contaminadores empresariais.

Esta cultura do sacrifício tem que acabar, e os Rockefeller, curiosamente, são os que mostram o caminho. Grandes porções do trust Standard Oil, o império de John D Rockefeller cofundado em 1870, tornaram-se Exxon Mobil. Em 2008 e 2012, a Exxon obteve cerca de 45 mil milhões de dólares em lucros, o que continua a ser o mais alto lucro anual jamais reportado nos Estados Unidos por uma só companhia. Outras filiais da Standard Oil incluem a Chevron e Amoco, que mais tarde fundir-se-iam com a BP.

Os lucros astronómicos, que estas empresas e os seus séquitos continuam a obter da extração e queima de combustíveis fósseis, não podem continuar a ir para os cofres privados. Devem, pelo contrário, ser empregues na ajuda ao lançamento das tecnologias e infraestrutura limpas que nos permitirão movermo-nos para além destas perigosas fontes de energia, e também para ajudar a adaptarmo-nos ao clima pesado que já temos. Um imposto mínimo sobre o carbono, cujo preço pode ser passado para os consumidores, não é um substituto de um verdadeiro quadro operativo do tipo quem contamina, paga; não após décadas de inação que têm feito com que o problema seja enormemente agravdo (uma inação garantida, em parte por um movimento negacionista das alterações climáticas, fundado por algumas destas mesmas empresas).

E é aqui que entram as que parecem simbólicas vitórias, desde Glasgow até à Lego. Os lucros do setor dos combustíveis fósseis, obtidos, de modo consciente, mediante o tratamento da nossa atmosfera como uma lixeira de águas residuais, não só deverão se vistos como tóxicos, algo do qual as instituições que cuidam da sua imagem pública, de modo natural se distanciam. Se aceitamos que esses lucros são moralmente ilegítimos, também deveriam ser vistos como odiosos, algo que o público pode reclamar, para poder limpar o desastre que estas empresas deixaram, e continuam a deixar.

Quando isto passar, a generalizada sensação de desesperança perante uma crise tão vasta e cara como as alterações climáticas, finalmente começará a desvanecer-se.

Artigo publicado em The Guardian a 17 de outubro de 2014. Traduzido para espanhol por Tania Molina Ramírez para “La Jornada” e para português por Carlos Santos para esquerda.net

Sobre o/a autor(a)

Jornalista canadiana, escritora e activista dos movimentos alter-globalização.
(...)