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Países afetados pelo Zika devem garantir direito ao aborto e à contraceção, alerta a ONU

Um grupo de advogados, académicos e ativistas brasileiros está a preparar uma ação no Supremo Tribunal com vista a legalizar o aborto de fetos com microcefalia.
O nascimento de bebés com microcefalia no Brasil subiu de 3718 para 4074 apenas numa semana.

O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, defendeu que os países afetados pelos vírus Zika devem garantir o acesso à contraceção e ao aborto às mulheres porque há suspeitas de que a infeção provocada pelo mosquito seja responsável por malformações congénitas quandos as mulheres grávidas ficam infetadas no período da gestação.

A porta-voz do responsável daquela instituição das Nações Unidas, interrogou-se se era realista pedir às mulheres que não engravidem durante um ou dois anos, para evitar o risco de microcefalia nos recém-nascidos, um problema com consequências neurológicas e de desenvolvimento que podem ser graves.

"Como podem exigir às mulheres que não fiquem grávidas, sem lhes oferecer meios para impedir a gravidez?", questinou a porta-voz do Alto Comissário.

Sem poder de decisão

O conselho de adiar a gravidez faz tábua rasa em relação ao facto de muitas mulheres não terem o poder de decidir quando ficarão grávidas, num ambiente onde a violência sexual é moeda corrente. Compete assim aos governos garantir que as mulheres, os homens e as adolescentes tenham acesso a serviços e informações de qualidade relativos à reprodução, sem discriminação”, sublinhou o responsável da ONU.

De acordo com as Nações Unidas, na América do Sul e Central, cerca de 24 milhões de mulheres não têm acesso a métodos contracetivos modernos e os os obstáculos não são apenas económicos, mas também sociais e culturais, pois trata-se de países marcadamente católicos.

Segundo o Instituto norte-americano Guttmacher, especializado em saúde sexual, 56% das gravidezes nestes países, os mesmos onde agora está presente o vírus Zika, não são planeadas. Fazem-se cerca de 4,4 milhões de abortos anuais, a maioria dos quais de forma ilegal, nesta região, avança o jornal espanhol El País.

Esta região é igualmente uma das que tem mais restrições em relação à interrupção voluntária da gravidez.

Assim, em sete países, não é sequer permitido quando está em causa a vida da mulher. Em El Salvador, onde o acesso à contraceção é difícil, e o Governo pediu às mulheres que não engravidassem durante dois anos, confiando na abstinência ,o aborto, seja em que circunstância for, pode ser punido com 50 anos de prisão.

Em El Salvador, onde o acesso à contraceção é difícil, e o Governo pediu às mulheres que não engravidassem durante dois anos, confiando na abstinência ,o aborto, seja em que circunstância for, pode ser punido com 50 anos de prisão.

No entanto, a taxa de violações em El Salvador é da mais elevadas do continente americano, ocorrendo uma a cada quatro horas, de acordo com o Instituto Nacional de Medicina Legal e também a de gravidez adolescente. As principais vítimas são jovens de 14 anos, e a violação é usada como arma pelos gangs existentes no país para intimidar comunidades. Metade dos bebés que nascem em Salvador têm mães entre os 10 e os 19 anos, relata a Newsweek e três em cada oito mortes de grávidas são de meninas com menos de 10 anos, de acordo com números oficiais de 2014.

Refira-se que esta sexta-feira a Fundação Fiocruz, no Brasil, anunciou que foi detetado o vírus ativo, ou seja, capaz de provocar a infeção, na saliva e na urina.

Legalização do aborto em fetos com microcefalia

Por outro lado, os Centros de Controlo e Prevenção das Doenças dos Estados Unidos deram uma nova indicação esta sexta-feira para que o teste serológico para detetar o vírus Zika seja oferecido a todas as mulheres grávidas e em idade fértil que possam ter estado expostas à infecção, mesmo que não apresentem sintomas. Estas análises ao sangue, no entanto, são falíveis, se uma pessoa tiver alguma vez estado infetada com vírus da mesma família (flavivírus), como o da febre amarela, dengue ou do Vírus Ocidental.

Embora ainda não esteja provada a relação entre a infeção e o nascimento de bebés com microcefalia, o número de casos desta deformação congénita no Brasil não cessa de aumentar e, de acordo com o Ministério da Saúde, numa semana subiu de 3718 para 4074 fazendo aumentar suspeitas de que se trate de uma sequela.

Por esta razão, um grupo de advogados, académicos e activistas brasileiros está a preparar um pedido para legalizar o aborto de fetos com microcefalia, que deve ser apresentado ao Supremo Tribunal Federal nas próximas semanas. Trata-se do mesmo grupo que obteve, em 2012, o direito ao aborto relacionado com bebés portadores de anencefalia (sem cérebro), que, mesmo que nasçam, morrem pouco tempo depois do parto.

Este grupo obteve já o apoio do médico José Gomes Temporão, antigo ministro da Saúde do ex-Presidente Lula. Se tivesse nascido no Congresso e não por iniciativa da sociedade civil, “o projeto já nasceria derrotado”, afirmou ao jornal Folha de São Paulo. E acrescentou: “Jamais passaria. Este é talvez o mais reaccionário corpo de deputados e senadores da história republicana".

Gomes Temporão estava a referir-se ao domínio dos órgãos legislativos por políticos conservadores, o que resulta em projetos como aquele que foi apresentado pelo presidente da Câmara dos deputados, Eduardo Cunha, próximo dos evangélicos, com o objetivo de dificultar o aborto legal, mesmo em casos de violação.

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