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Michael Löwy: “Só crise económica não explica ascensão da extrema-direita na Europa”

De volta ao Brasil para relançar o seu livro, o sociólogo radicado em Paris analisa as origens e o impacto de onda ultra conservadora no continente europeu. Artigo publicado pelo Opera Mundi.

Acho que é a primeira vez desde os anos 1930 que há uma ascensão espetacular da extrema-direita na Europa, em quase todos os países do continente”, afirma o sociólogo marxista Michael Löwy, em entrevista ao Opera Mundi. “E qual é a explicação? Geralmente, fala-se na crise económica. Isso, sem dúvida, é um fator importante, mas a crise não explica tudo”.

Um dos maiores investigadores das obras de intelectuais como Karl Marx, Leon Trotski, Rosa Luxemburgo e György Lukács, o especialista brasileiro radicado em França passou por São Paulo na última semana para promover a reedição do livro Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade (Ed. Boitempo, R$ 57, 288 págs), escrito em coautoria com o professor norte-americano Robert Sayre.

Na obra, Löwy parte de uma análise marxista do romantismo, não como escola literária, mas como visão de mundo contra a civilização moderna e industrial, reivindicando o resgate de valores do passado que se perderam com o progresso capitalista. Embora tenha sido escrito há 20 anos e faça referências desde Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) até Walter Benjamin (1892-1940), o livro permanece atual por tematizar novas alternativas de pensamento à era pós-capitalista.

“O fascismo tem raízes profundas na Europa. A globalização capitalista cria uma homogeneização económica cultural que gera fenómenos de pânico identitários sobre questões nacionais, étnicas, religiosas que vão ao sentido da extrema-direita”, argumenta. “Mas não há uma só explicação. É um fenómeno complexo, que tem características diferentes em cada país”, completa o sociólogo.

Além disso, Löwy considera que o que agravou o cenário foi a adoção do que chama de “receituário de políticas neoliberais”, como a austeridade, por parte de partidos que representavam sindicatos de trabalhadores e setores da social-democracia europeia. “Isso então provocou um sentimento de amargura, de desespero em setores culturais, mas que tem sido capitalizado pela extrema-direita, não pela esquerda”, acredita.

Grécia, Espanha e Portugal x Suíça e Áustria

Para o especialista brasileiro, outro motivo que sustenta que a crise económica não explica por si a ascensão ultra conservadora no continente europeu é o facto de que as nações mais atingidas pela crise — isto é, Grécia, Espanha e Portugal – são os três lugares onde a extrema-direita não conseguiu instalar-se totalmente.

Pelo contrário: desde janeiro de 2015, o partido de esquerda Syriza está à frente do poder em Atenas. Por sua vez, o movimento progressista Podemos ganha cada vez mais espaço em Madrid, desenvolvendo inclusive uma filial lusitana em Lisboa.

Na outra direção, Löwy destaca que países menos atingidos pela crise financeira — como Suíça e Áustria — são focos em que a extrema-direita ganhou mais espaço comparativamente. Nesses casos, parlamentares de legendas como do Partido Popular Suíço e do Partido da Liberdade da Áustria fazem declarações racistas e xenófobas quotidianamente dentro da agenda oficial desses governos.

Mas a crise não explica tudo. Há outros fatores históricos, como o colonialismo e o preconceito com povos como os ciganos, que ajudam a entender a expansão ultra conservadora. “A França é um país em que a mentalidade colonial ainda é muito forte. Passou por guerras coloniais violentíssimas, brutais e nunca conseguiu superar essa mentalidade”, aponta.

Aos olhos do sociólogo, contudo, essa onda de extrema-direita não é homogénea, mas apresenta pelo menos três modelos partidários diferentes: os que se proclamam diretamente neonazis ou neofascistas (como o partido grego Aurora); os que possuem uma matriz fascista, mas que tentam modernizar um pouco o seu discurso, deixando de fazer referência direta ao nazismo, mas mantendo o mesmo fundo intolerante (como o Frente Nacional, da família Le Pen, na França); além de partidos novos que têm caráter racista, xenofóbico e islamofóbico, mas sem raiz fascista (como o Ukip, no Reino Unido).

Para além dessas categorizações, Michael Löwy está interessado em reivindicar o que chama de romantismo revolucionário. Apesar do projeto marxista de emancipação pela via racional ter fracassado em diversos aspetos ao longo do último século, o sentimento de melancolia descrito na sua obra não deve ser entendido como uma resignação. “O pessimista não é um resignado”, diz o sociólogo. “Já disse Benjamin em um texto de 1929: ‘O revolucionário é um pessimista. Ser revolucionário é organizar esse pessimismo’”.

Artigo publicado em http://operamundi.uol.com.br/conteudo/entrevistas/40422/michael+l%C3%B6w...

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